Brasil

Fraude na cota de índios do ProUni

Alunos que se disseram indígenas para receber bolsas de estudo negam descendência ao falar com o Correio. possível fraude, denunciada ao governo, nunca foi apurada

postado em 03/08/2008 10:00
Levantamento feito pelo Correio identificou, em vários estados, casos de estudantes que se autodeclararam indígenas e foram contemplados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação (MEC), mas agora negam ser descendentes ou mesmo que tenham dado essa informação ao preencher o formulário de inscrição. Alguns até se mostraram surpresos ao serem informados de que são identificados como indígenas no cadastro do MEC. A denúncia de que poderia haver irregularidades no programa foi feita ao Ministério da Justiça, em 2005, mas não chegou a ser investigada. A reportagem obteve cópia do cadastro dos bolsistas, que continha 527 nomes, e entrevistou vários deles. A lei que criou o Prouni prevê um percentual de bolsas de estudo destinado a autodeclarados negros e índios. Esses últimos, ocupam 961 das 385 mil vagas ofertadas atualmente pelo programa (0,2% do total). De acordo com a legislação, o percentual reservado aos cotistas deve ser, no mínimo, igual ao percentual de cidadãos autodeclarados indígenas e negros em cada unidade da Federação. Mas para receber o benefício é preciso cumprir também a primeira exigência do programa: renda familiar per capita de um salário mínimo e meio para bolsa integral e renda de até três salários mínimos para bolsas parciais de 50% e 25%. A simples autodeclaração, sem a exigência de documentos que comprovem a descendência, abriu brecha para possíveis fraudes. Procurada pela reportagem, a estudante Kátia Cristina Viana, que recebeu bolsa integral para o curso de direito, em Londrina (PR), afirmou, inicialmente, que ingressou pelo critério da renda familiar. Questionada se seria descendente de índios, respondeu: ;Minha avó é meio que índia. Eu me considero índia, até mesmo pelo meu cabelo, que é preto, liso, comprido;. A confusão é comum entre os estudantes que estão nos cadastros do MEC como indígenas (veja quadro). Niedja Kaliene de Souza, que recebeu bolsa integral e já se formou em pedagogia na Faculdade AD1, em Ceilândia (DF), explicou: ;O questionário estava malfeito, malformulado. Aí, com pressa, eu fui numa lan house e optei por raça indígena. Só que eu já entrei até com recurso, porque eu não sou, e coloquei lá uma raça que não era minha. Eles mandaram uma carta falando que tudo bem, que iriam pegar pela renda;. Ouça a entrevista com Niedja Kaliene Maciel, contemplada para cursar pedagogia na Faculdade AD1, Ceilândia (DF): Confira a conversa com Helderkim Nascimento Santos, contemplado para cursar tecnologia em gestão hospitalar na Faculdade de Tecnologia do Ceará, Fortaleza (CE): Juliete silva Pinheiro cursou tecnologia em gestão ambiental urbana nas Faculdades Integradas Icesp, Guará (DF): Andrey de Oliveira Assunção Santos foi contemplado com o curso de ciências biológicas na Faculdade Souza Marques, Nova Iguaçu (RJ): Kátia Cristina Santos Viana foi contemplada com o curso de direito na Universidade do Note do Paraná, Londrina (PR): Informação Os dados foram reunidos a partir de um requerimento de informação apresentado pelo deputado Pastor Reinaldo (PTB-RS) ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em 2005, sobre o número de alunos indígenas nas faculdades e universidades brasileiras. Questionado, o MEC informou que havia 1.568 indígenas matriculados em instituições de ensino superior no segundo semestre de 2004, sendo 55,6% em instituições privadas. A Secretaria de Educação Superior (Sesu) do ministério também encaminhou cópia da relação dos estudantes que se autodeclararam indígenas no Prouni. O deputado perguntou ainda como são pagos os benefícios e bolsas patrocinados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A Funai respondeu que as despesas com pagamentos de mensalidades, aquisição de material didático, apoio à alimentação e hospedagem são pagas pelas suas unidades regionais, diretamente aos respectivos credores. Acrescentou que os estudantes indígenas do ensino superior têm apresentado quatro tipos de necessidades para garantir a sua permanência em cursos de graduação: habitação, alimentação, transporte e material escolar. ;Sem que recebam suporte, mais de 60% desses estudantes são forçados a desistir dos estudos. Em Roraima e Tocantins, esse percentual de evasão foi superior a 80%;, diz o documento. A situação mais preocupante dizia respeito aos indígenas que viviam em terras distantes dos centros urbanos. ;Ainda que a Funai disponha de uma ação para apoiar estudantes do ensino superior, os recursos orçamentários não são suficientes, visto que a manutenção de um único aluno pode ficar em torno de R$ 900 por mês;, complementa o documento da Funai. Alguns estudantes comentam sobre essa ajuda de custo. Cristina Ferreira recebeu bolsa integral para Administração, na Universidade Tuiuti, no Paraná. Ela diz que a sua mãe é filha de índios, mas confessa que teve um problema no primeiro ano: ;Vieram uns papéis da Funai para provar o negócio de árvore genealógica, mas eu não fui atrás. O rapaz falou: ;Se você provasse, teria direito a receber salário mínimo, além da bolsa;. Só que daí não deu em nada;. Leia mais na edição impressa do Correio Braziliense deste domingo

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação