Brasil

Gate está sob julgamento

Nem especialistas conseguem definir com clareza se as medidas do grupo de ações especiais da PM paulista foram desastrosas ou apenas infelizes. Investigação técnica dificilmente será conclusiva

postado em 23/10/2008 08:45
Uma semana depois do estouro do cativeiro em que as adolescentes Eloá Pimentel e Nayara Rodrigues foram mantidas reféns por 101 horas, sobram dúvidas a respeito da competência do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar de São Paulo, que cuidou do caso. Que erros grosseiros foram cometidos, contribuindo para a morte de uma das vítimas, ninguém ousa negar. O tempo que durou a negociação, as estratégias utilizadas para demover o seqüestrador Lindemberg Alves da idéia e a intromissão dos meios de comunicação são algumas das questões apontadas por especialistas ouvidos pelo Correio. Eles destacam, entretanto, que não é possível fazer um julgamento prévio sem conhecer as circunstâncias exatas nas quais a operação de resgate foi deflagrada. ;Existem parâmetros dentro da doutrina de gerenciamento de crise, mas cada caso é um caso, não há regras rígidas. Só quem comandou aquela ação é que pode dizer por que tomou determinada decisão;, destaca o diretor da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil do Distrito Federal (DF), Marcelo Fernandes. Ele critica as informações dadas publicamente, inclusive em entrevista ao Correio, por Marcos do Val, observador da Swat (uma unidade de elite das polícias nos Estados Unidos). Do Val tem afirmado que o caso Eloá, por se tratar de crime passional, deveria ter sido solucionado em 24 horas por meio de negociação. Depois disso, os homens deveriam ter invadido o local. ;Em nenhum manual há esse tipo de orientação. Esse cidadão que se diz policial nunca participou de uma operação na vida, a não ser como observador. Ele é um marqueteiro, dono de uma empresa lá fora que dá cursos;, critica Fernandes. Daniel Sampaio, delegado da Polícia Federal que atuou em casos de grande repercussão, como o seqüestro de Wellington Camargo, irmão dos cantores Zezé di Camargo e Luciano, também ressalta a inexistência de regras tão metódicas. ;Todos os manuais dizem que você tem que negociar, negociar, negociar e, quando não houver mais opções, você negocia mais um pouco. Isso porque as próximas ações a serem tomadas, explosão do cativeiro ou acionar o atirador, são temerárias;, explica Sampaio. Atirador As muitas aparições de Lindemberg na janela, algumas vezes sem as reféns, levantaram o questionamento sobre o uso do sniper, o atirador de elite que fica posicionado aguardando a ordem de apertar o gatilho. O Gate chegou a justificar, antes mesmo do término trágico do caso, de que se tratava apenas de um garoto sem antecedentes, transtornado psicologicamente. Para a especialista em direito penitenciário Noely Manfredini, que lançou na semana passada o livro Seqüestros: Modus Operandi, Estudo de Casos, a polícia decidiu corretamente. ;Aqui no Brasil não podemos seguir de ponta a ponta as táticas empregadas nos Estados Unidos ou em Israel;, defende ela, referindo-se a países mais duros com os agressores. Dureza Mas a opinião de Noely não é unanimidade. Na verdade, entre policiais que lidam diretamente com o problema, poucos pensam assim. ;Se ele era um rapaz trabalhador e sem antecedentes, que pena. Naquele momento, tinha de ser olhado como alguém que estava praticando um crime;, afirma um especialista ouvido pela reportagem que prefere não se identificar. As discordâncias sobre o caso Eloá, até mesmo entre peritos, são tantas que somente a apuração da própria PM de São Paulo, que abriu um inquérito sobre a operação, vai dizer com clareza quais foram os erros. Mesmo quanto à decisão de mandar Nayara Rodrigues de volta para o cativeiro, há controvérsias. A agente licenciada e atual deputada federal Marina Maggessi, que se destacou na área de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro em operações de captura de traficantes, não condena o Gate por ter enviado a adolescente novamente ao apartamento. ;Era uma coisa passional, então a Eloá precisava de um amparo, não podia ser só ele ou ela. Mas, veja bem, a outra garota tinha que ter recebido instrução do que fazer, de como ajudar;, diz Marina. Imprensa na mira Em um ponto, todos concordam. Houve interferência desmedida dos meios de comunicação, chegando a absurdos como a entrevista feita por uma apresentadora de TV, ao vivo, com Lindemberg, falando direto do cativeiro. ;Isso enfraquece toda a negociação. Ele pensa: por que vou continuar falando com você, se o Brasil inteiro está me ouvindo?;, afirma Moreira. A informação de que Lindemberg se entregaria, dada pelo advogado que, assim como um promotor de Justiça, também entrou na negociação, talvez tenha induzido a polícia ao erro, na avaliação do delegado Sampaio. ;Essa interferência pode ter feito o negociador pensar que estava no caminho certo;, afirma. Desastre anunciado No caso passional, de acordo com o delegado da Polícia Federal Daniel Sampaio, as negociações são mais complicadas, pois não há o que oferecer. ;Quando é um bandido, você promete um helicóptero para ele fugir, um carro blindado. Mas, nessa situação, o garoto não pediu nada, ninguém sabia se o que ele queria era machucar as meninas, se vingar da ex;, observa. Além de não ter conseguido identificar a demanda do seqüestrador, os policiais cometeram outra falha, permitindo que Lindemberg assistisse a toda a movimentação pela TV antes da invasão. ;Tinham que ter cortado a energia elétrica ou pelo menos o sinal da antena;, ressalta Marcelo Fernandes, diretor da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil do DF. Ele destaca, porém, que o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar de São Paulo é um dos melhores do país. Em 10 anos de atuação, houve 119 operações de negociação comandadas pela elite da PM paulista, com duas reféns mortas. Eloá Pimentel foi a segunda. A maior parte dos agentes tem cursos fora do país. Para alguns especialistas, a morte da garota era tida como certa. ;O cara estava pirado, não fazia exigência nenhuma, tinha o país inteiro olhando para ele. Ia matar a garota, só estava tomando coragem;, afirma Marina Maggessi. Além de assassinar Eloá, Lindemberg também queria morrer. ;Ele estava louco para a polícia invadir e matá-lo. É o que chamamos, nos estudos de caso, de suicide by cop;, afirma Fernandes.

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