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Pesquisador da USP critica adaptação de livros e cantigas infantis

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postado em 24/12/2008 08:00
Abaixo as bruxas, monstros e lobos carrascos. Em nome da preservação da fauna, cantemos ;não atirei o pau no gato;. No lugar do aterrorizante boi da cara preta, melhor embalar o sono dos pequenos com o boi do Piauí ; um mamífero bonzinho que não seqüestra meninos amedrontados por caretas. A onda do politicamente correto tem invadido os livros e as brincadeiras da garotada. Pais e professores, cada vez mais preocupados com a violência entre as crianças, tendem a considerar as versões adaptadas de cantigas e dos contos de fadas melhores, do ponto de vista pedagógico, do que as originais. Uma tese de doutorado apresentada na Universidade de São Paulo (USP) há menos de um mês, entretanto, questiona a real eficácia dos conteúdos remodelados. Autor da pesquisa, intitulada A condenação de Emília: uma reflexão sobre a produção de livros politicamente corretos, Ilan Brenman é um crítico das obras adaptadas. ;Esses novos livros escondem o conflito, a tristeza, o sofrimento. Mas as crianças precisam falar sobre isso, ter contato com esses sentimentos, pois elas também sofrem, ficam tristes, sentem raiva, têm medo;, destaca Brenman, que é psicólogo e autor de 22 livros infantis. Ninguém contesta integralmente a opinião do pesquisador, mas há especialistas mais flexíveis quando o assunto é a adaptação das obras infantis clássicas. Cristiane Mandanêlo, mestre em literatura especializada na área infantil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defende que as diferentes versões sejam apresentadas às crianças. ;Há uma demanda por essas publicações modificadas, isso é fato. Por que então não utilizá-las? Existe espaço tanto para um quanto para o outro tipo de conto. Mas ressalto que a história tradicional possibilita à criança resolver, em nível simbólico, o que é certo e errado, por exemplo;, afirma a especialista. Para Teresa Cristina de Andrade Silva, professora de literatura da Biblioteca Infantil da 104/304 Sul, o importante é contextualizar as histórias tradicionais para os pequenos. ;A maioria foi escrita na Idade Média, quando os costumes eram outros, isso tem de ser falado;, afirma. Íris Borges, psicóloga e proprietária da Arco-Íris Distribuidora de Livros, defende a manutenção das histórias permeadas por conflitos. ;Os contos já sofreram diversas modificações. Da forma como estão agora até ajudam a criança a trabalhar com a frustração, o medo, a violência que todos temos dentro da gente. Sempre haverá a sombra e a luz, a princesa e a bruxa;, destaca. Pesadelos A professora de violoncelo Lucimary Vinha do Valle tenta evitar o contato dos três filhos com histórias tradicionais que têm conteúdo agressivo. ;Não leio mais contos como Chapeuzinho Vermelho, por exemplo. Muitas dessas histórias são dramáticas, trágicas demais;, afirma a mãe de Antônio Mário, Manuella e Eduardo. A menina de 4 anos, conta Lucimary, chegou a ter pesadelos depois de ouvir Os três porquinhos. ;Ela sonhou que um ladrão, no caso o lobo, tentava derrubar a nossa casa;, diz a mãe. A instrumentista aprecia as histórias adaptadas, de cunho politicamente correto. ;Meu marido até reclama que estão alterando o folclore, mas eu sinto que os meninos ficam melhores após lerem esse tipo de livro;, diz. Brenman, cujo último livro se chama Até as princesas soltam pum, critica as obras radicalmente modificadas. ;Daqui a pouco teremos de chamar o conto Negrinho do pastoreio de Afrodescendentezinho do Pastoreio. O cravo não brigou com a rosa, porque é um ato violento. E marcha-soldado será banido por remeter ao tempo da ditadura;, ironiza. Diretora de Educação e Cultura do Ecofuturo, organização que mantém um programa de leitura para crianças, Christine Fontelles também rechaça as adaptações. ;Um dia ainda colocam mais uma perna no Saci e desviram os pés do Curupira, que, desprovido desse recurso estratégico e matreiro, certamente será encontrado por todos e assim chegarão ao fim as travessuras que atravessaram séculos;, lamenta. Longe do modelo tradicional de família Duas editoras de livros infantis estão dando o que falar na Suécia ; um dos países mais avançados e liberais em termos de igualdade sexual e de gênero. São a Vilda e a Olika, que lançaram neste semestre uma série de novas publicações desafiando os modelos tradicionais de família, bem como os papéis de homens e mulheres na sociedade. Em Sandaler, por exemplo, o personagem Imannuel é um garoto que anda com (e adora) sapatos cor-de-rosa. Já o menino Kasper, do livro Magic, Cilla;, que integra a coleção, manda muito mal no futebol, enquanto a garota Inger é famosa por seus gols maravilhosos no hóquei. Outro comportamento pouco convencional da história está em Ellinor, uma menina que não desgruda da guitarra elétrica, e Ollie, o garoto que gosta de maquiagem. Nem sempre, nos enredos, são os pais que saem para trabalhar. Há, ainda, crianças com dois pais ou duas mães, além dos filhos de mães solteiras. (RM) Histórias eram cruéis Era uma vez uma terra bem distante daqui, quando os contos de fadas começaram a ser registrados em livros.Os textos referiam-se a histórias passadas oralmente entre as gerações. As primeiras publicações são do século 17. Mas saber quando, exatamente, foram inventados é tarefa praticamente impossível. Estudiosos rastrearam alguns enredos e chegaram à conclusão de que histórias como Branca de neve e Cinderela derivam de contos provenientes da Índia e da China e teriam sido levados pelos árabes para a Europa. As primeiras versões retratavam costumes da época. ;Há histórias realmente crudelíssimas que, com o tempo, foram sendo modificadas, mas o jogo de bem e mal sempre vai existir;, ressalta a psicóloga Íris Borges, dona da Arco-Íris Distribuidora de Livros, de Brasília, e grande espcialista em literatura infantil. Um exemplo é a versão de Cinderela do escritor francês Charles Perrault, datada de 1697. Diferentemente da versão dos Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm), gênios dos contos infantis, Perrault não incluiu a fada na história. E, no fim, as irmãs malvadas têm os olhos furados por pombos. Acredita-se que Perrault tenha sido precursor do ofício de coletar e organizar contos de fadas, adaptando-os às exigências da corte francesa. Sempre escrevia, ao fim dos contos, a ;moral da história;. Já os Irmãos Grimm, filólogos na Alemanha do século 19, fizeram coletâneas de contos nas versões originais, sem espaço para adaptações ou lições de moral. Uma delas é Pele de asno, a história da filha que foge do pai que quer se casar com ela. Um terceiro autor que não pode ser esquecido é o dinamarquês de origem humilde Hans Cristian Andersen. Com um ar muitas vezes irônico, ele escreveu obras fundamentais da literatura infantil durante o século 19, que refletem padrões de comportamento exigidos pela sociedade da época. São dele, por exemplo, O patinho feio, A pequena sereia e O soldadinho de chumbo. A mais importante obra de Perrault é Contos da mamãe gansa. Os Irmãos Grimm são famosos por João e Maria e Rapunzel, entre outros. (RM)

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