Brasil

Caso Dorothy Stang: pressão por punições

Apenas os pistoleiros que mataram a freira em 2005 foram condenados. Entre os supostos mandantes, um foi absolvido e outro sequer julgado

postado em 12/02/2009 09:25
Quatro anos depois do assassinato da freira Dorothy Stang, a Justiça do Pará ainda não julgou todos os acusados. Dorothy foi executada em Anapu, sudeste do estado, em 12 de fevereiro de 2005. Os pecuaristas identificados como mandantes do crime ; Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão ; aguardam julgamento pelo Tribunal de Justiça. Bida até já foi submetido a julgamento ; dois, aliás ;, mas o Ministério Público quer a anulação do segundo, quando o fazendeiro acabou inocentado. Até hoje, somente os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Batista tiveram os julgamentos concluídos ; e condenados a 23 e 17 anos de cadeia, respectivamente. A religiosa foi morta com seis tiros quando tentava implantar um projeto de reforma agrária apoiado pelo governo federal na mesma gleba de terra anteriormente ocupada ilegalmente por Taradão, o chamado Lote 55. O pecuarista está preso desde dezembro do ano passado, acusado de grilagem, estelionato e falsificação de documento público referente ao mesmo imóvel onde a missionária organizava o Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS), um assentamento coletivista de trabalhadores rurais. ;A prisão de Regivaldo por grilagem do mesmo lote reivindicado para o assentamento do agricultores robustece as provas contra ele e mostra que o fazendeiro sempre teve interesse direto na morte da religiosa;, analisa o promotor Edson Cardozo. Hoje, o Comitê Dorothy, criado em Belém e Anapu, vai realizar manifestações e missas para exigir o julgamento de todos os culpados pelo crime e clamar pelo fim da impunidade. No mesmo dia, uma comissão irá ao presidente do TJ solicitar ao novo presidente do órgão, o desembargador Rômulo Ferreira Nunes, o agendamento do julgamento de Regivaldo. Outra reivindicação do comitê é para que os desembargadores do tribunal analisem o recurso impetrado pelo promotor Cardozo pedindo a anulação do segundo julgamento do outro acusado, Vitalmiro Bastos de Moura. No primeiro, ele foi condenado a 23 anos de prisão, mas terminou inocentado em um polêmico segundo júri. ;Continuamos na luta para que todos do consórcio de fazendeiros que matou Dorothy sejam julgados e o povo possa sobreviver da terra onde trabalha;, protestou a freira Jane Dwyer, que trabalhava com a religiosa morta. A expectativa do promotor público é de que os dois fazendeiros sejam julgados ainda este semestre. O procurador federal Felício Pontes, que acompanha o caso, analisou uma extensa documentação apreendida pela polícia e concluiu que Regivaldo sempre foi o controlador do Lote 55. ;Ao contrário do que alegou para se livrar das acusações como um dos mandantes do assassinato da missionária, o fazendeiro sempre teve interesse na morte da missionária que atrapalhava os seus interesses na área;, disse Pontes. Taradão montava fraude, diz ONG Documentos apreendidos pela polícia durante as investigações do assassinato da freira Dorothy Stang e analisados pelo Público Interesse ; organização não-governamental que assessora a congregação da missionária morta ; revelam que o Lote 55, onde ela tentava implantar o PDS, estava sendo preparado pelo fazendeiro Regivaldo Galvão para ser utilizado nas fraudes financeiras contra a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Com 3 mil hectares, desde 1999 o imóvel foi objeto de uma falsificação em série. O levantamento da ONG mostra que, nesse caso, foi utilizado o mesmo modus operandi dos fraudadores da Sudam ; criação de documentos em cartório, com datas diferentes e referentes ao mesmo lote, para uso em golpes. O material foi entregue pelas irmãs que trabalhavam com Dorothy ao Ministério Público Federal. Depois de ficar preso durante quase um ano e meio como mandante do assassinato, Regivaldo foi solto graças a um habeas corpus, no qual alegou ser inocente por não ser mais dono do lote. Ele aguardava em liberdade o julgamento quando foi preso novamente, em dezembro. Segundo um relatório da PF, o fazendeiro cometeu os delitos ao oferecer ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em outubro do ano passado, benfeitorias supostamente feitas por ele em contrapartida para que os trabalhadores permitissem a utilização de 500 hectares do antigo pasto que teria plantado quando ocupava a área ilegalmente. Ao tentar reaver o Lote 55, o pecuarista alegou ser o único dono da terra e apresentou documentos falsos. Por isso, foi preso novamente. A análise do Público Interesse utilizou os documentos apreendidos pela Policia Civil do Pará na casa de Amair Feijoli, um dos condenados como intermediário pela execução da missionária. Datados de 1999, ano dos grandes golpes contra a Sudam, os papéis revelam várias contradições nos depoimentos do pecuarista prestados desde a morte da missionária, além de fortes indícios de antigas tentativas de fraude financeira por parte de Regivaldo. Confusões No depoimento à polícia em 2005, por exemplo, o pecuarista alegou que tinha adquirido a terra cinco anos antes de Libério Nascimento, corretor da Agropecuária Vitória Ltda. Em dezembro passado, inverteu a declaração: disse que a Agropecuária Vitória tentou comprar o imóvel, mas não pagou o combinado e o negócio foi desfeito. Depois, Regivaldo disse que teria repassado a terra para os irmãos Délio e Silvério Fernandes, que ocuparam o imóvel durante dois anos, mas novamente o negócio foi anulado por falta de pagamento. Na versão de Regivaldo, os dois teriam lhe apresentado José Willer como novo interessado. O levantamento da ONG conclui que, em 2004, Regivaldo mantinha o controle do Lote 55, ao contrário do que disse nos depoimentos.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação