Brasil

Como o Brasil luta contra a Aids

Para conter o avanço do HIV, país precisa investir em políticas voltadas para o Norte e o Nordeste

postado em 19/02/2009 09:44
O mundo tem um desafio enorme até 2015, ano estabelecido para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM): deter o avanço do vírus HIV, causador da Aids. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 33 milhões de pessoas vivem com o vírus, que infecta, a cada dia, 6,8 mil habitantes. Desde 2000, a proporção de brasileiros infectados pelo HIV mantém-se estável, com 35 mil novos casos por ano. Mas, como mostra a quinta reportagem da série sobre os ODM, para alcançar o objetivo de conter a Aids, o país precisa de políticas dirigidas para as regiões Norte e Nordeste, onde a incidência da doença vem aumentando. O Sistema de Informações de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde indica que o Rio Grande do Sul é a unidade da Federação com maior número de casos anuais: são 31,79 em cada 100 mil. Porém, a estabilidade da incidência ; em 2000, a taxa era de 31,36 ; mostra que o estado está em consonância com a meta, de evitar que a prevalência aumente. Os maiores índices concentram-se no Sudeste, onde estão 60% de todos os casos de Aids no país. Ainda assim, em Minas Gerais e no Espírito Santo, a taxa caiu em seis anos. No Rio de Janeiro e em São Paulo, manteve-se estável, com uma pequena elevação. Os maiores aumentos de incidência estão concentrados nos estados do Norte e do Nordeste. Rondônia passou de 9,35 casos por 100 mil habitantes em 2000 para 17,73 em 2006. O segundo maior crescimento foi verificado no Pará (4,93 para 13,16). À exceção de Roraima, onde a incidência caiu de 16,65 para 15,12, nos demais estados do Norte, houve aumento. No Nordeste, a situação não é diferente. De todos os estados da região, somente em Pernambuco o número de casos caiu entre 2000 e 2006. O maior crescimento ocorreu em Alagoas. O número de infectados passou de 1,67 por 100 mil habitantes para 9,45 no mesmo período. ;O Ministério da Saúde está investigando por que a incidência cresceu nessas regiões. Os casos estão aumentando como um todo, incluindo os de transmissão vertical, ou seja, de mãe para filho. Existem algumas hipóteses, como a pobreza e a migração. A Guiana, que faz fronteira com o Norte, tem um alto índice de HIV/Aids;, explica Daniela Ligiero, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A especialista também afirma que a epidemia está relacionada à falta de qualidade ; e de acesso, em alguns estados e municípios ; a exames pré-natal. Nas consultas, as gestantes deveriam ser submetidas ao teste de HIV, coisa que nem sempre ocorre. ;O ministério tem trabalhado e avançado muito na construção de políticas específicas, como o plano de enfrentamento da epidemia entre as mulheres e o plano para homossexuais. Mas são diferentes tipos de políticas que ainda não estão integradas ao Sistema Único de Saúde (SUS);, alega Daniela. Segundo ela, com a municipalização do atendimento, é mais difícil para o governo federal saber a situação nos municípios e os investimentos feitos pelas prefeituras. Compromisso Na semana passada, durante o Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas, em Brasília, 332 gestores municipais se comprometeram oficialmente a lutar contra o problema. Eles passaram pelo estande do Programa Nacional de DST e Aids e, como uma maneira de registrar o compromisso, posaram para fotos com mensagens como ;Meu município está na luta contra a Aids; e ;Meu município luta contra o preconceito;. No estande, receberam informações sobre o programa e guias de como desenvolver políticas voltadas para o combate ao HIV. A oficial de projetos do Unicef reconhece os esforços brasileiros na guerra contra o vírus. ;O Brasil é um dos países que mais avança na tendência de reverter a epidemia;, diz Daniela, que lembra a importância da universalização dos medicamentos antirretrovirais, disponíveis para todos os portadores do HIV na rede pública. Opinião semelhante tem Vicky Tavares, coordenadora de uma organização não-governamental de Brasília que presta assistência a crianças soropositivas. ;Os programas melhoraram a vida dos pacientes e diminuíram os casos de transmissão vertical;, constata. Patrícia* é portadora do vírus desde os 14 anos, quando foi infectada pelo primeiro namorado. Hoje, aos 25 anos, ela é casada com um soropositivo e tem cinco filhos. Nenhum deles é portador do HIV. Para realizar o sonho de ser mãe, ela tomou todos os cuidados necessários no pré-natal. Patrícia nunca precisou tomar medicamentos, mas durante a gestação fez uso dos antirretrovirais. ;Os efeitos colaterais eram horríveis, eu sentia que ia cair no chão o tempo todo, mas não podia me descuidar de jeito nenhum. Era a vida dos meus filhos que estava em jogo;, diz. Depois da segunda gravidez, Patrícia quis fazer laqueadura, mas enfrentou burocracia e desinformação. ;Diziam que eu era muito nova e que poderia querer mais filhos depois. Mas a laqueadura é um direito do portador de HIV;, diz. Só depois do quinto filho, hoje com 1 ano, ela conseguiu fazer a operação. Outra reclamação da jovem, que está desempregada e vive no Recanto das Emas, é que, no parto da segunda filha, a médica insistiu para que amamentasse. ;O portador não pode amamentar, se não, passa o vírus para o filho. Minha filha chorava de fome e a médica se negava a pegar leite no banco do hospital;, reclama. Outras doenças Além da contenção do HIV e da Aids, o sexto ODM prevê a detenção da incidência da malária e outras doenças, como pneumonia e tuberculose. No caso desta última doença, depois de um ligeiro aumento entre 2000 e 2003, as taxas começaram a cair. ;Apesar dessa tendência de queda, a proporção de pacientes com a tuberculose do tipo pulmonar bacilífera (a forma contagiosa) permanece acima de 50%, no mesmo patamar dos anos anteriores. Um paciente pulmonar, se não tratado, pode infectar inúmeras pessoas em um ano;, alerta o próprio governo federal do Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM, publicado pela Presidência da República. Os casos de malária, de acordo com a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde, estão em queda. Na Amazônia Legal, entre janeiro e outubro de 2008, houve redução de 33,1% no número de casos. *Nome fictício a pedido da entrevistada Bom exemplo em BH Vencedor do Prêmio Objetivos do Milênio, concedido pelo governo federal, em 2007, o programa BH de Mãos Dadas contra a Aids, da Prefeitura de Belo Horizonte, foi reconhecido pelo esforço na luta pela contenção do vírus HIV. Coordenado pela Secretaria Municipal de Saúde, o programa, implantado em 2000, tem como foco a educação sexual. Para facilitar a comunicação, o trabalho de conscientização é feito em pares: adolescentes esclarecem adolescentes, homossexuais ajudam homossexuais, mulheres educam mulheres e assim por diante. Nas escolas municipais e nos locais onde existe o programa Agente Jovem, também há discussões sobre sexualidade. De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde, a ideia é respeitar as necessidades de cada local com um trabalho em rede, que tem foco na Aids, mas também aborda questões como diversidade sexual, racial e de gênero, violência e uso de drogas. A prefeitura não trabalha sozinha. Há seis anos, fecha parcerias com organizações não-governamentais, como o Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual. Com essa ONG, a parceria funciona na orientação do público GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), com a visita de equipes a bares e boates frequentadas por esse grupo. Já com o Projeto Minha Casa, o programa funciona de outra forma. Os portadores do HIV são encaminhados para acompanhamento piscossocial, oficinas de arte e terapia. Em Belo Horizonte, os soropositivos são atendidos em ambulatórios de serviços especializados em infectologia. A rede municipal de saúde também conta com um Centro de Testagem Anônima (CTA), que oferece aconselhamento por meio de palestras, bem como testagem sorológica gratuita e anônima para HIV, sífilis e hepatites B e C. Entre as atividades de mobilização popular, o programa promove anualmente a Caminhada na Pampulha, o Fórum BH de Mãos Dadas Contra a Aids e o Dia Mundial de Luta Contra a Aids.

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