Brasil

Dom José, o guardião incondicional da fé

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postado em 15/03/2009 10:17
O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, nunca concedeu tantas entrevistas como nos últimos dias. Afeito a atividades litúrgicas e administrativas da Igreja e avesso à imprensa por muito tempo, ele modificou a rotina e a agenda depois de afirmar que a equipe médica e a mãe da menina de 9 anos grávida de gêmeos estavam automaticamente excomungadas pela Igreja Católica por serem responsáveis pela prática do aborto na garota. A afirmação repercutiu mundo afora. Até os despachos e as reuniões das quartas-feiras deixaram de ser feitos na Cúria Metropolitana, no bairro da Várzea.

Residência episcopal, o Palácio dos Manguinhos, nas Graças, tornou-se endereço bastante procurado por jornalistas de revistas, jornais, televisões, blogs e rádios locais e nacionais. Dom José, conhecido por suceder dom Helder Câmara e acusado de desmontar o modelo de Igreja construído pelo antecessor, parecia não ser o mesmo líder religioso que durante quase 24 anos limitou o contato com a imprensa. Talvez um sinal dos tempos. Ou do fim do tempo de Dom José à frente da terceira maior arquidiocese do Brasil em número de fiéis ; em junho passado, ele renunciou ao cargo por completar 75 anos, como determina as normas canônicas, e espera a nomeação de um novo arcebispo.

Nascido em uma família pobre de Caruaru, no agreste pernambucano, o arcebispo é classificado por quem vive próximo a ele como um erudito, de gosto refinado para as artes. Um poliglota que transita bem pelo inglês, italiano, espanhol, alemão, além do português, latim e grego. Adquiriu o hábito de ouvir música clássica nos conventos da Ordem Carmelita, na qual ingressou aos 13 anos, no Brasil e em Roma. Mozart é seu compositor predileto. Ali, alimentou ainda devoção por Santa Teresinha, uma das místicas da Igreja. Há anos, o arcebispo preserva uma coleção de fitas cassetes com a história da santa e, com frequência, costuma ouvi-las.

Santa
A Igreja que ajudou a formá-lo ganhou um defensor incondicional. Provas disso estão nas palavras e atitudes do arcebispo. Dom José costuma acrescer adjetivos elogiosos ao referir-se à instituição. O mais comum é ;santa;. As afirmações e gestos revelam uma formação alinhada ao tradicionalismo, em que a devoção à eucaristia e o respeito à hierarquia têm pesos maiores. Ao falar da excomunhão para quem pratica o aborto, no começo deste mês, o sacerdote apenas ratificou seu passado, quando pautou suas posições nas regras ditadas pela Santa Sé.

Foi assim na cruzada contra a pílula do dia seguinte, distribuída no carnaval de 2008 pela prefeitura de Recife. Se o fato contrariar suas convicções, dom José não mede palavras. Nem é maleável. Faz valer o que está escrito nas determinações canônicas.

Pelas posições ortodoxas, costuma polemizar. Para amigos e seguidores, o carmelita é zeloso, destemido, fiel ao papa. ;Ele é um exímio conhecedor das leis da Igreja e tem zelo por elas;, sintetiza o arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagotto, que auxiliou o sacerdote pernambucano como vigário-geral nos anos 90. Dom José, doutor em direito canônico, é visto pelo presidente do Movimento Pró-Criança, Sebastião Barreto Campelo, como um sacerdote sem medo de ser impopular. ;Os valores estão invertidos. Todo mundo quer ser popular, enquanto o arcebispo não abre mão de suas posições;, acrescenta.

Cisma
Os críticos reconhecem a fidelidade de dom José a Roma, mas não veem isso como a questão mais importante. O questionamento deles é quanto à fidelidade intransigente no que está nos cânones da Igreja. ;Ele acha que tem que ser fiel. E ser fiel é respeitar ao pé da letra o que está escrito;, pontua Inácio Strieder, doutor em teologia e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Tamanha rigidez, na opinião de Strieder, faz de dom José um legalista. No caso da excomunhão, a radicalidade contra o aborto pendeu para a falta de compaixão, solidariedade e misericórdia para as pessoas que sofrem. Seria a ditadura da autoridade. ;A linguagem do arcebispo é de autoridade e não de diálogo. Ele é frio ao se colocar como advogado de Deus e da Igreja;, diz. E concluiu que tal atitude tende para o fundamentalismo religioso. A teóloga e religiosa Ivone Gebara, em artigo sobre o assunto, afirmou que o comportamento de dom José mostra um cisma na Igreja. De um lado, os bispos mostrando-se como donos da verdade. Do outro, os fiéis católicos mais liberais para temas como o aborto e o uso do preservativo. Gebara já foi silenciada por João Paulo II, nos anos 80, por suas posições relacionadas ao assunto.

As críticas e os elogios chegaram ao arcebispo durante toda a semana passada. A arquidiocese contabiliza mais de 500 mensagens de apoio. Entre elas, uma do Vaticano. As críticas foram lidas nos veículos de comunicação. Aliado de dom José Cardoso na luta contra o aborto, o coordenador da Pastoral da Saúde, Vandson Holanda, afirma que as queixas não abalaram a fé do arcebispo. Mas não se pode negar. A pressão da opinião pública mexeu no seu dia a dia. ;Ele ficou um pouco baqueado, mas não caiu. Dom José é um mandacaru;, resumiu um dos amigos. A planta, lembram os defensores do arcebispo, resiste às intempéries e ao tempo. Já os críticos apontam que ela é cheia de espinhos.

Dom José nunca foi unanimidade ; nem faz questão de ser. Representa um modelo de Igreja. E tem dito agora, ao fim do arcebispado, que não se arrepende do que fez, pois cumpriu as leis de Deus e as determinações da Igreja. Da Santa Igreja.

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