Brasil

Vidas comprometidas devido a erros médicos

Processos contra erros tramitando no STJ praticamente triplicaram desde 2002. Conselho Federal de Medicina atribui situação à falta de condições de trabalho e à má formação dos novos profissionais

postado em 14/04/2009 08:57
A falta de condições de trabalho, a baixa remuneração, o estresse, o excesso de escalas e a má formação dos novos médicos ; ocasionada principalmente pelo grande número de estabelecimentos de ensino, estimado em 176 (entre públicos e privados) ; são apontados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como as principais causas do crescimento dos erros médicos no Brasil. De 2004, quando foram registrados 30 casos no CFM, até 2008, 122 processos passaram pela autarquia (veja quadro). Os casos que chegam até o conselho já passaram pelos conselhos regionais de medicina. Segundo o vice-presidente do CFM, Roberto D;Avila, se comprovado, o erro médico pode resultar em punições que vão de advertências à cassação do direito de exercer a profissão. As vítimas também têm procurado a Justiça comum. Nos últimos seis anos, o número de processos por erro médico recebidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) cresceu pouco menos de 300%. De 2002 até hoje, o total de ações que tramitam na Corte passou de 120 para 471. O vice-presidente do CFM atribui os erros a uma série de fatores, constatados em estudos elaborados pela autarquia. As falhas dos profissionais estão associadas à negligência, imprudência e imperícia. Uma das principais causas para os erros citados por D;Avila é a desvalorização da profissão no país, o que obriga o médico a trabalhar em até quatro empregos simultâneos. ;Além disso, o Brasil, com uma população de aproximadamente 190 milhões de habitantes, é o segundo colocado em todo o planeta em número de faculdades de medicina. Só perdemos para a Índia. A diferença é que lá eles formam profissionais que vão atender mais de 1 bilhão de habitantes;, afirma, lembrando que as novas faculdades deixam a desejar na formação humanista dos médicos. Em entrevista ao Correio, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, também reconhece a baixa remuneração dos médicos. ;O profissional médio brasileiro tem vários empregos e não tem tempo adequado para se atualizar tecnicamente e cientificamente;. De acordo com o ministro, os baixos salários levam os médicos a assumirem outros vínculos e a trabalharem em vários plantões e escalas. ;Ele não segue o doente e não tem ideia da sua intervenção. Além disso, o paciente percebe uma baixa qualidade no sistema, porque cada vez que ele busca atendimento é um profissional diferente que o recebe, com uma outra abordagem. Além do impacto negativo no exercício da profissão do médico, isso também reflete negativamente na vida do doente, que não consegue ter um vínculo com a equipe médica. E o programa Saúde da Família vem exatamente propor uma mudança nesse padrão, quando se estabelece um grupo formado por médico, enfermeiro e agente comunitário de saúde, que são responsáveis por acompanhar um conjunto de famílias;, explica. Segundo Temporão, 50% dos médicos que atuam no país não fazem residência médica. ;O que por si só já é um problema;, acrescenta. Batalha na Justiça Era para ser uma cesariana, mas o procedimento deixou Iléia Cerqueira, 29 anos, paraplégica (perda dos movimentos dos membros inferiores) e com uma grave lesão cerebral, em coma total e vegetativo. A jovem, que deu entrada no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) em 31 de maio de 1996, sofreu uma parada cardiorrespiratória, após a aplicação da anestesia, segundo relato da mãe de Iléia, a dona de casa Neide Cerqueira, 47 anos. ;A culpa foi do anestesista Arnoldo Furtado Silva, que após aplicar a medicação na minha filha, foi para a sala de repouso;, denuncia. Neide só tomou conhecimento do real estado de saúde da filha em 2 de junho daquele ano. ;Achei estranho, porque quando liguei para saber da Iléia, eles pediram para esperar por notícias na minha casa. Não aguentei e decidi ir até o hospital visitar minha filha e minha neta. A Iléia estava na UTI e parecia uma árvore de Natal, de tão inchada.; Ao mesmo tempo em que ganhava a neta Ilana Lima, hoje com 12 anos, a dona de casa iniciava uma batalha na Justiça para provar o erro médico do qual a filha foi vítima. ;No dia da audiência, em 1998, Arnoldo disse que, após aplicar a anestesia, pegou uma caneta para anotar a medicação para a Iléia. Mas, graças a Deus, consegui provar, através de testemunhas, que ele foi descansar e ainda subestimou a vida da minha filha, afirmando que ela ;já era;, e só fez o processo de reanimação após pressão da equipe que trabalhava com ele;, relata Neide. Condenado, o anestesista pagou 150 salários mínimos em 30 parcelas. Numa das idas ao fórum para pegar documentos do processo, a dona de casa ficou sabendo que Arnoldo estava envolvido em outro erro médico. ;Mas ele deu uma casa e dinheiro para a família da vítima e eles retiraram a queixa;, relata. Luta contra o tempo Neide ainda luta na Justiça para receber uma indenização do Estado pelo erro médico ocorrido no HRT. O seu advogado, Vicente Paulino, diz que tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal uma ação que pede a condenação do Governo do Distrito Federal. ;Os valores, que devem ser pagos em precatórios, já foram reajustados várias vezes. Estamos lutando contra o tempo para que a Iléia e seus familiares possam receber a indenização para amenizar o sofrimento e viverem com mais conforto e dignidade;, explica. A família, que antes do erro médico morava em Samambaia, hoje vive numa casa modesta no Recanto das Emas. Apesar de ser uma criança, Ilana ajuda a avó nos cuidados diários da mãe. Mesmo com a divisão de tarefas, Neide foi obrigada a abandonar o serviço de diarista. Sem falar, andar e demonstrar sentimentos, o único passatempo que resta a Iléia é a televisão. Ela passa o dia inteiro em frente ao aparelho. Só sai de casa para as consultas de rotina no hospital Sarah Kubitschek, geralmente duas vezes ao ano, ou em caso de alguma emergência. Ouça: trecho da entrevista com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão

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