Brasil

Denúncias ao vento

A cada centena de telefonemas recebidos pelo Disque 100, governo só obtém retorno de 26. Situação das vítimas de outros 74 casos de agressões a crianças e adolescentes é desconhecida

postado em 20/08/2009 08:47
A conscientização cada vez maior da sociedade no que tange denúncias de violência contra crianças e adolescentes no país está refletida em números. Enquanto a média de registros no Disque 100 - principal canal de comunicação do governo sobre o tema - foi de 12 por dia em 2003, até junho deste ano o índice chegou a 94. O encaminhamento dado a essas ocorrências, porém, ainda é uma grande incógnita. Um primeiro diagnóstico traçado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, que mantém o serviço telefônico como um componente da política de proteção à infância, revela um cenário nada animador. O relatório a que o Correio teve acesso aponta que, de cada 100 registros encaminhados, o governo federal só recebe retorno de 26. Sobre as 74 denúncias restantes, não há informação alguma - nem se a violação foi confirmada ou se a vítima se livrou da situação degradante. O documento, que tem como base o período de maio de 2008 a abril de 2009, aponta uma situação grave referente à falta de retornos em pelo menos 22 unidades da Federação, cujo índice de informações sobre as denúncias encaminhadas fica abaixo de 50%. O Distrito Federal está nesse grupo, com uma taxa de 8,6%. A cada centena de telefonemas recebidos pelo Disque 100, governo só obtém retorno de 26. Situação das vítimas de outros 74 casos de agressões a crianças e adolescentes é desconhecida Apenas três estados aparecem com um bom nível, superior a 80%: Bahia, Santa Catarina e Acre. Para Leila Paiva, coordenadora do Programa de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes da Secretaria de Direitos Humanos, as taxas verificadas no levantamento surpreenderam negativamente. "Esse índice nacional de 26% está abaixo do que esperávamos. O dado nos mostra que o sistema de monitoramento não vai bem, pois não ficamos sabendo quais os desdobramentos das denúncias", reconhece Leila. Apesar dos resultados ruins, ela faz uma ressalva sobre o sistema de monitoramento. "Começamos a fazer a quantificação dos retornos há cerca de um ano. Portanto, a partir dessas informações, já elaboramos novos instrumentos de acompanhamento das denúncias", destaca. A coordenadora refere-se a um programa de computador no qual todos os atores envolvidos no processo de apuração e fiscalização das denúncias terão acesso. O software livre, que receberá os retornos de forma mais ágil e organizada, está previsto para entrar em funcionamento a partir deste mês. Em fevereiro, uma parceria entre a Secretaria de Direitos Humanos e os centros de apoio operacional às promotorias de Justiça da Infância e Juventude de todos os estados foi firmada, no sentido de reforçar o compromisso. "A partir disso, os centros se tornam os principais responsáveis por nos manter informados das providências", diz Leila. Métodos arcaicos Em pleno século 21, com toda a modernidade dos meios de transmissão de dados, as informações sobre denúncias, em muitos casos, ainda são repassadas pelos estados ao governo federal à moda antiga. Envelopes via Correios ou documentos por fax são alguns dos métodos. Na Bahia, a burocracia começa no recolhimento dos dados pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude. A procuradora Lícia de Oliveira, que coordena o centro, cobra as informações sobre as denúncias recebidas pelo Disque 100 de cada um dos promotores nos municípios baianos por meio de ofício. Depois, reúne os dados para repassá-los à Secretaria Especial de Direitos Humanos. "Hoje, isso é feito pelos Correios, um processo muito moroso. Acreditamos que esse sistema online trará mais agilidade", destaca. A falta de tecnologia, entretanto, não impede a Bahia de exibir uma taxa de retorno invejável para os parâmetros nacionais - de 85%. O empenho da procuradora talvez explique tal façanha num estado com volume considerável de denúncias e tamanho territorial expressivo. "Fico em cima dos promotores mesmo, para termos essas informações sobre os processos. Até porque precisamos dar uma resposta à sociedade, que vem fazendo sua parte, ou seja, está denunciando", destaca Lícia. O Distrito Federal tentou várias maneiras de repassar os dados ao governo federal. "Antes, alimentávamos por fax. Depois, passamos a usar um programa de internet que não mostrou bom desempenho. Agora, mudamos para o e-mail", conta Laís Cerqueira, promotora do Núcleo de Enfrentamento à Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ligado ao Ministério Público do DF. 1 - Retorno Os retornos referem-se a qualquer informação obtida pela equipe de monitoramento do Disque 100 sobre denúncias encaminhadas. Todas as denúncias, com exceção de situações emergenciais, nas quais a polícia é acionada, são direcionadas aos conselhos tutelares e ao Ministério Público. São as promotorias da infância e juventude as principais responsáveis pelo repasse de retorno ao governo federal. DF deixa a desejar Exemplar quando o assunto é denunciar, o Distrito Federal não faz o dever de casa na hora de acompanhar os registros de violência contra a criança e o adolescente que chegam ao Disque 100. A capital federal, primeira colocada do país no ranking de ocorrências do serviço telefônico proporcionalmente ao número de habitantes (quase 80 ocorrências por 100 mil habitantes), retorna informações sobre menos de 10% das denúncias, de acordo com o primeiro diagnóstico de monitoramento feito pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. A quantidade reduzida de conselhos tutelares na cidade é um dos motivos apontados para o fluxo falho dos retornos. "Além de serem criados mais conselhos tutelares, é preciso dar condições de funcionamento a eles", destaca Laís Cerqueira, promotora do Núcleo de Enfrentamento à Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do DF. Para chegar a uma quantidade razoável, o número de conselhos tutelares no DF precisaria passar dos atuais 10 para pouco mais de 30. Israel Vieira, conselheiro tutelar em Samambaia, atribui a troca deficiente de informações à falta de equipamentos e de um corpo a corpo mais efetivo com os diversos atores envolvidos. "Usamos fax para receber e repassar denúncias. Até temos computador, mas ele costuma dar problemas. Além disso, precisamos de um entrosamento maior com os gestores da Secretaria de Direitos Humanos, até porque estamos aqui. De lá até Samambaia, não são mais que 35 quilômetros", diz Israel. (RM)

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