Brasil

Guardadores e lavadores de carros de BH usam violência para afastar concorrentes

postado em 08/10/2009 09:20
A violência está sempre de sentinela nos quarteirões de Belo Horizonte dominados por falsos guardadores e lavadores de carros. Amedrontar motoristas que não concordam em pagar pela "olhadinha" de mentira ou pela mensalidade fazem parte do cotidiano dos achacadores, mas a violência é muito maior quando o infrator nota que um concorrente está de olho no seu ponto. [SAIBAMAIS] As disputas pelo domínio de ruas e avenidas, principalmente daquelas consideradas verdadeiros potes de ouro, já resultaram em mortes em plena via pública, onde as discussões e as agressões físicas entre eles são constantes. É em meio a esses conflitos que muitas pessoas estacionam seus veículo. "Em 2000, um guardador matou outro na minha frente e de outras pessoas que estavam na portaria de um clube da Pampulha, onde ocorreria uma festa de formatura. Não esqueço a cena: um rapaz atirando no outro", recorda uma advogada que prefere o anonimato. A última morte envolvendo flanelinhas em BH foi por causa de um ponto no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul, em agosto. W.P., de 30 anos, contratou um adolescente para assassinar L.F.M., de 41. Os dois trabalhavam no mesmo quarteirão e, por diversas vezes, brigaram por clientes. O menor crivou de balas o corpo da vítima numa feira de Contagem. Em novembro de 2007, a Praça Milton Campos, no Cruzeiro, foi palco de um homicídio que chocou as testemunhas. A.R.S., de 33, atirou cinco vezes em I.J.C., de 29, depois de um desentendimento pelo ponto. A regra entre flanelinhas é clara: ninguém entra na área do outro sem autorização. "Se alguém chegar aqui dá confusão", alerta um jovem que não é credenciado pela prefeitura e explora um trecho da Rua Paracatu, no Barro Preto, entre as avenidas Amazonas e Barbacena. Lá, apenas ele e dois colegas podem abordar motoristas. "Fizemos o ponto há cinco anos", tenta justificar o rapaz, que se sente tão dono da via que não se importa em descansar numa cadeira instalada sobre o asfalto. Ele cobra R$ 20 por semana para "olhar" o veículo do motorista disposto a conseguir uma vaga diária. "A pessoa tem direito que o carro seja lavado uma vez a cada sete dias", acrescenta. A cinco quarteirões dali, na Rua Uberaba, a confusão entre o público e o privado também é gritante. "Para entrar aqui, tem que conversar primeiro comigo", diz J.A., de 52, que lava carro na região desde 1994. "Aquela árvore grande fui eu quem plantei", mostra, orgulhoso, enquanto recebe uns trocados de uma mulher, que lhe entrega a gorjeta com cara de quem não gostou da abordagem. Um senhor e o seu filho estão no mesmo quarteirão e endossam as palavras do amigo. "Somos antigos aqui", afirma o pai, que não quer saber de gente nova na área. Boa parte dos flanelinhas fica com um olho no motorista que estaciona o carro e o outro em eventuais intrusos. Eles sentem arrepios só de pensar que o território é cobiçado por um concorrente. "Dá até morte", admite C.J., de 47, que há 27 anos ganha alguns trocados lavando veículos em via pública. "Fiquei 23 anos na Avenida dos Andradas. Saí de lá depois que fizeram a Linha Verde". Hoje, ele ganha a vida no Bairro Floresta. C. temeu conseguir nova clientela longe do antigo ponto e só decidiu apostar no atual depois de constatar que nenhum flanelinha trabalhava lá. Longe dali, na Praça da Estação, Sheila Fernandes lembra da ameaça feita por um falso guardador: "Fui assistir, em setembro, ao show do projeto Music Station. A gritaria e a correria deles, quase obrigando os motoristas a estacionarem, já assustam. Parei e um bandido desses chegou na porta do carro e ficava repetindo: 'Dinheiro antes, dinheiro antes, antes, antes'. Parecia bêbado ou drogado. Disse a ele que daria o dinheiro depois. Ele respondeu: 'Antes. Senão vaza da vaga'. Perdi o direito de estacionar um carro, cujos impostos estão em dia. Vazei". A situação é semelhante no Bairro Santo Agostinho, onde uma funcionária da Assembleia Legislativa perdeu as contas de quantas vezes um falso guardador que age na Rua Paracatu, esquina com Rodrigues Caldas, danificou seu carro. "Cortou até o pneu", conta. Sentindo-se ameaçada, ela teve que mudar a rotina. "Alterei o local de parada, o que não resolveu, pois em outros quarteirões o problema existe com outros atores. Mudei a rotina por causa de criminosos que se acham donos da rua." EXIGÊNCIAS O coordenador do Programa Lavador e Guardador de Carros da Regional Centro-Sul, Uesirley Soares da Silva, explica que o profissional interessado em explorar a atividade tem que preencher alguns requisitos. Um deles é ser aceito pelos outros flanelinhas, caso seu interesse seja por quarteirões já ocupados. Na hipótese de o interessado indicar um trecho sem concorrente, a prefeitura também apura a viabilidade de a atividade informal ser exercida no local. "A gente faz uma sindicância para ver se aquele quarteirão pode ser usado. Se for positiva, passamos uma relação de documentos que a pessoa deve trazer, como comprovante de residência, prova de que está em dia com a Justiça Eleitoral e certidão negativa criminal do Fórum Lafayette e a da Justiça Federal. Mas, além da documentação, ele tem que se dirigir à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e se registrar. Depois, volta aqui e é habilitado."

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