Brasil

Entrevista Izabella Teixeira

Na chefia do Meio Ambiente desde abril, ministra tem até o fim do ano para modernizar o Ibama

Igor Silveira
postado em 01/05/2010 07:00

Cinco andares abaixo do gabinete, o buzinaço permeado por palavras de ordem e músicas de gosto duvidoso promovido por profissionais da área ambiental em greve disputa espaço com as declarações de Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente desde o início de abril. Os 27 anos vividos em atmosfera acadêmica fazem com que a bióloga nascida em Brasília queira responder às perguntas didaticamente. Sem partido político ou receio de falar da própria classe, a chefe da pasta e funcionária de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desde 1984 ressalta a necessidade de mais qualificação para os técnicos de licenciamento, mas também critica a ausência de planejamento e de estrutura oferecidos à carreira.

Em entrevista exclusiva ao Correio, entre outros assuntos, ela falou sobre as discussões ambientais do Brasil nos próximos meses e problemas em gestões anteriores no ministério. ;Não me coloquem contra a (ex) ministra Marina Silva. Eu tenho algumas observações sobre o período em que ela esteve à frente do ministério, mas também acho que ela é responsável por muitas melhorias.;

Tempo é o maior inimigo


O Correio publicou, há pouco tempo, uma matéria sobre licenças ambientais;
(Interrompendo) Meu carma! (risos)

Há muitas críticas de ambientalistas, procuradores da República e de funcionários do próprio Ibama sobre o processo de concessão dessas licenças. Há algum projeto do Ministério do Meio Ambiente no sentido de melhorar o sistema?
O licenciamento ambiental no Brasil foi instituído em 1981, é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. A discussão nessa época era Cubatão (1). O sistema foi criado em uma lógica composta por Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação, que convergem com o ciclo de planejamento de projetos. Somos o único país com esse sistema, mas tudo isso foi implementado antes de 1988, antes da Constituição. Atualmente, todas as discussões sobre licenças ambientais, no Brasil, são calcadas projeto por projeto. Ou seja, é algo que precisa ser modernizado. Muitos órgãos ambientais avançaram nessa questão. As plataformas de petróleo antigas, por exemplo, não tinham licenças ambientais. Passaram a ter em 1999. Havia essa mentalidade de que as licenças eram necessárias somente para o setor privado. Sei das críticas que falam de pressão política, mas não vejo dessa maneira. O Brasil está crescendo e tem uma carteira de projetos. Então você tem duas opções: licenciar ou devolver e afirmar que não tem viabilidade ambiental. E há vários casos em que as licenças não são concedidas. Em Abrolhos temos um exemplo disso. A decisão de devolver um bloco de petróleo naquela região porque o Ibama disse que não licenciava custou US$ 250 milhões ao país. Cancelaram a concessão de petróleo.

Mas há inúmeras licenças que são concedidas com um número muito alto de condicionantes. A senhora concorda com essa situação?
Eu não concordo que você tenha uma Licença de Operação cheia de condicionantes. Agora, é do processo dentro de um ciclo de projetos que você tenha condicionantes de uma etapa para outra. É do jogo. As condicionantes são, inclusive, base para a renovação da licença. Do ponto de vista formal, é assim que funciona: o país cresce, se desenvolve e vai ter mais licenciamento. É necessário uma modernização dos procedimentos. Na esfera federal, o Ibama precisa saber como vai funcionar com toda essa demanda. Os estudos de impacto ambiental, usualmente, têm informações que não são necessárias para que as decisões sejam tomadas.

A senhora está falando da necessidade de profissionais mais qualificados? Como se qualifica um profissional nesse sentido?
Com capacitação. Elevando a formação dessas pessoas e implementando procedimentos claros dentro do órgão para que o profissional saiba exatamente o que fazer. O time responsável pelo Termo de Referência tem de estar presente, também, na análise do Estudo de Impacto Ambiental. É exatamente isso que estou chamando de modernização da área. Vamos ter regras claras dentro do Ibama para cada setor. Eu tenho US$ 10 milhões do governo federal, oriundos de um programa de cooperação do Banco Mundial, só para modernizar o Ibama até o próximo ano e vamos fazer isso.

Uma das principais reclamações da classe de profissionais da área ambiental é relacionada aos salários muito baixos. A rotatividade no Ibama é muito alta também por causa disso.
Concordo plenamente. Não se esqueça que sou técnica também. Eu sou funcionária de carreira exatamente da mesma maneira que os profissionais que estão em greve agora. Mas não concordo do jeito que a paralisação está sendo feita porque as negociações estão abertas. Em momento algum, as negociações foram interrompidas. Eu já fiz greve. Aliás, participei da primeira greve da área ambiental aqui em Brasília. Na minha opinião, para que o funcionário tenha uma remuneração melhor, é preciso ter uma carreira estruturada. Os analistas ambientais não têm isso. Ano passado, a associação que representa a classe veio ao ministério e nós discutimos isso. Na época, eu era secretária executiva da gestão do ministro Carlos Minc. Veja só: eu sou uma técnica que tem especialização, mestrado e doutorado. Não ganho um real a mais por causa disso. O meu colega no Ministério de Ciência e Tecnologia ganha adicional. É justo? Não, está errado. A carreira bem estruturada é fundamental porque o funcionário precisa entrar em um emprego sabendo como se promove.

Por que isso não foi resolvido antes? De quem é a culpa?
Eu não tenho clareza sobre as gestões anteriores. Tenho clareza das informações do período em que eu estava aqui. Nós sentamos para negociar e o processo está em curso. Um dos pré-requisitos para as mudanças é ter um programa de qualificação. Tudo está na mesa sendo negociado. Além disso, os funcionários querem aumento salarial. No entanto, sem a carreira estruturada, não consigo discutir o problema do salário.

A senhora acredita que falta continuidade na gestão da política ambiental brasileira?
O meio ambiente tem de ser tratado como política de Estado e os resultados são percebidos, geralmente, a médio prazo. Além disso, é uma política transversal, no sentido de que ela não é setorial isolada. Está sempre ligada a muitos outros setores. A ministra Marina Silva trouxe à tona muitos assuntos de uma pauta socioambiental, mas também trouxe muito de uma regionalização para a Amazônia. Essa não é uma crítica, mas uma observação. As questões ambientais no Brasil, muitas vezes, são tratadas só a partir da Amazônia, quando, na verdade, todos nós sabemos que não são limitadas a isso.

Qual a opinião da senhora sobre o confronto entre agricultura e meio ambiente? Houve um embate grande entre os ex-ministros Carlos Minc, do Meio Ambiente e Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura.
Eu acho que a questão política nesse caso é outra história. Em relação à agricultura, focou-se muito no Código Florestal. Principalmente, críticas de que o código existe para punir ou inviabilizar a agricultura e a pecuária, em síntese. O que não é verdade. A discussão está centrada em alguns pontos relacionados aos decretos de crimes ambientais e ao acesso a créditos públicos. Quem ocupa área irregular ou desmata ilegalmente não tem direito a crédito público. Eu recebi, há uma semana, o deputado Aldo Rebelo (PC do B ; SP), relator do projeto que faz alterações no Código Florestal. Nós apresentamos para ele uma série de questões ambientais que podem ser regulamentadas no novo documento. Conversamos com movimentos sociais e não só com ambientalistas. Ou seja, fizemos o nosso dever de casa. Há um esforço muito grande para que caiam alguns mitos sobre o código. Estamos avançando. Mas, claro, o debate político, muitas vezes, capitaneia o assunto.

A aprovação do decreto 7154, que permite o estudo do potencial hidrelétrico dentro de unidades de conservação, não é um passo perigoso para o meio ambiente no Brasil?
Essa discussão sobre energia no país terá de ser feita em um novo patamar. Veja, 66% do potencial hidrelétrico do Brasil estão na Amazônia. Não existe na legislação algo que nos impeça de fazer estudos. O decreto é um conjunto de regras para dizer como dar-se-ão esses estudos, o que não existia antes. Esse é um debate que tem de acontecer. Com os resultados, a decisão sempre vai ser do presidente da República, que enviará a discussão ao Congresso Nacional. Se olharmos do ponto de vista de energia elétrica no país, nos próximos 20 anos, precisamos, e vamos, dobrar o parque energético do país. Essa é a realidade tendo em vista a demanda de energia, de crescimento e de desenvolvimento do Brasil.

(1) Volta por cima
Cubatão, no interior de São Paulo, tem um parque industrial muito grande, que levou desenvolvimento à região, mas também causou graves problemas. Na década de 1980, o município foi considerado, pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mais poluído do mundo. Em um esforço que envolveu esferas públicas e privadas, além do apoio da população, a cidade teve quase 100% de controle sobre o nível de poluentes no ar. Por essa razão, a própria ONU conceceu a Cubatão o título de "Cidade-símbolo da Recuperação Ambiental" em 1992.

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