Brasil

Em busca da identidade

Justiça oferece o exame de DNA de graça. Somente de junho de 2009 ao mês passado, foram feitos 3.903 testes em Minas Gerais. Geneticista destaca revolução causada pela técnica

postado em 30/05/2010 02:37

[SAIBAMAIS]Foram necessários sete anos até que Maria (nome fictício) se decidisse por conceder à filha o direito de ver preenchido o espaço em branco na certidão de nascimento referente ao nome do pai. A menina, hoje com 21 anos, é fruto de um namoro desfeito antes do seu nascimento. Maria, à época, preferiu não polemizar com o antigo namorado, mas depois se convenceu: ;Não adianta tapar o sol com a peneira, pois existe preconceito enorme contra o registro de pai desconhecido. É muito desagradável ver a expressão pai desconhecido na certidão. Tinha medo que ela sofresse preconceito. Fiz para proteger. A além do mais minha filha não nasceu de um pé de couve. Ela tem mãe e pai; .

Oferecer à filha uma identidade biológica era uma determinação que parecia muito distante de sua realidade ainda nos idos de 1996, em razão do alto custo do exame de DNA. Em Minas, os testes eram feitos pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, dono da clínica Gene e o pioneiro da técnica na América Latina, e tinham um alto custo. Mas com ajuda da família, que cotizou para pagar as despesas, a paternidade foi identificada. A ação de investigação de paternidade, no entanto, garantiu o pagamento simbólico de uma pensão no valor de um salário mínimo, mas não teve a força de assegurar um relação de afeto entre pai e filha, que se encontraram apenas uma única vez no momento da coleta de material.

Direito

O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, diz que mesmo com toda a revolução que o DNA trouxe para o direito de família, ele não consegue, entretanto, forçar o vínculo afetivo. ;Hoje, muitas pessoas se submetem ao exame apenas para conhecer sua origem genética, porque já mantém uma relação de paternidade sócio-afetiva;, explica o advogado. Para ele, nos dias atuais, se admite a existência de pelo menos três tipos diferentes de pai. ;Temos o pai registral, o pai biológico e o pai afetivo que é o verdadeiro, sendo que a paternidade, de fato, reúne tudo isso;, conclui Rodrigo Pereira.

Segundo o advogado, antes do exame de DNA ; hoje acessível à maioria da população -, os processos de investigação de paternidade tinha como foco não uma prova técnica, mas o conceito subjetivo de moral. Ou seja, o julgamento da ação partia da investigação do comportamento da mãe para decidir se o pedido era procedente. ;Nestes casos, o foco da apuração era desviado e a vida sexual da mulher virava o alvo da investigação. Dessa forma, da para se imaginar que os filhos de uma prostituta jamais teriam acesso a direitos, mesmo que tivessem pai conhecidos;, diz Rodrigo Cunha.

A gratuidade dos testes é garantido por lei em processos judiciais, mas para evitar a fila, muitas pessoas estão arcando com os custos em razão do barateamento da técnica. De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas, no ano passado foram realizados, no período de junho de 2009 a abril de 2010, 3.903 exames, sendo 2.099 em Belo Horizonte e 1.804 no interior do estado. Até agora, 283 comarcas mineira mantêm convênio com laboratórios para a realização do teste. Não existem estatísticas em todo o país, segundo informação do Conselho Nacional de Justiça, que, somente agora, deu início ao processo de levantamento do número de ações de investigação de paternidade em andamento.

O pioneiro da técnica no Brasil, o geneticista Sérgio Pena, também acredita que os testes de DNA, ;revolucionaram judicialmente a determinação de paternidade, pois quando bem feitos permitem resultados com certeza absoluta;. ;Eles constituem a única prova de existência ou inexistência da paternidade, pois a concepção ocorre no interior do corpo da mulher e assim não admite nenhuma testemunha;, atesta o geneticista.

Pena diz que, depois de 20 anos de experiência, é possível determinar todos os tipos de vínculos de parentesco ; paternidade, maternidade, irmandade, meia-irmandade e relações tios-sobrinhos ;, com índice de confiabilidade muito próximo de 100%. Também é possível fazer o teste após a morte do possível pai e antes do nascimento do possível filho.

Negativas

Figuras ilustres como o piloto de Fórmula Ayrton Senna e o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL) tiveram que enfrentar ações de investigações de paternidade, mesmo depois de mortos (veja quadro). A modelo Edilaine Barros Gonçalves, a Marcela Prado, propôs em 1995 uma ação contra o tricampeão, morto em uma acidente em 1994. O teste deu negativo, mas foi repetido quatro anos depois, desta vez, com material colhido por Milton Guinardo da Silva, pai de Senna. Novamente a paternidade foi descartada. No caso de ACM, apontado como pai de um homem, fruto de uma relação extraconjugal, a Justiça indeferiu pedido de exumação de seu corpo no ano passado.

Em reverência à força do DNA, até mesmo o presidente do Paraguai, o bispo Fernando Lugo, teve que pedir desculpas à nação e se submeter ao teste depois que três mulheres revelarem ter filho com ele.

Auxílio à polícia

Não menos importante do que conceder a origem genética àqueles que a desconhecem, os exames de DNA também têm sido aplicado para pôr fim à impunidade ao auxiliar no esclarecimentos de crimes, nestes últimos 25 anos. O delegado Wagner Pinto ; um dos maiores especialistas em apuração de homicídios do pais, responsável pela investigações de repercussão internacional como o assassinato de fiscais do trabalho ;, é um dos que se rende à importância da técnica.

Somente no primeiro semestre deste ano, ele esclareceu com ajuda do exame crimes que chocaram o pais: a identificação do serial killer Marcos Trigueiros, responsável pelo estupro e morte de cinco mulheres na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e do Bando da Degola, organização criminosa liderada pelo universitário Frederico Flores, responsável por assassinatos e extorsões.

;O exame de DNA é uma prova objetiva, mas não é possível descartar outras técnicas de investigação porque para seu uso é necessário identificar um suspeito. Mas é indiscutível sua importância, especialmente em crimes de natureza sexual, onde não há testemunhas;, afirma Pinto.

O delegado, que tem 24 anos de Polícia Civil ; 21 deles trabalhando apenas no esclarecimentos de homicídios ;, lembra que ele foi fundamental também para identificação de vítimas desconhecidas. ;Não teríamos como saber de quem pertencia os dois corpos decapitados por Frederico Flores se não fosse esse tipo de exame. Foram os testes que nos levaram até os nomes das vítimas que resultou na investigação;, explica.

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