Brasil

Propagandas de cerveja fora da lei

Estudo da Unifesp com cinco marcas famosas mostra que as publicidades de cerveja desrespeitam 11 dos 16 principais tópicos do Conar; entre eles, o fato de os atores aparentarem menos de 25 anos e o uso da mulher como objeto sexual

postado em 05/06/2010 07:00
Por conta do apelo exagerado à sensualidade, o anúncio da marca Devassa, de propriedade do Grupo Schincariol, estrelado pela socialite Paris Hilton, foi retirado do ar no início deste ano. Entendeu-se, na ocasião, que uma das regras do Código de Autorregulamentação Publicitária havia sido violada. Tal documento, na ausência de uma lei federal que imponha critérios às propagandas de cerveja, tenta disciplinar o tema trazendo condutas consideradas proibidas na divulgação da bebida alcoólica mais popular do país. Um estudo recente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), porém, aponta que, dos 16 tópicos principais do código, 11 são desrespeitados pelas publicidades veiculadas na televisão.

Paris Hilton foi garota-propaganda da Devassa: o anúncio foi retirado do ar, mas a moça deu seu show ao vivoA Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp selecionou as cinco marcas de cerveja com mais apelo, conforme verificado em levantamento anterior, entre a população vulnerável aos anúncios ; crianças e adolescentes. Em seguida, exibiu os comerciais de Sol, Nova Schin, Antarctica, Brahma e Itaipava do verão 2009/2010 a dois grupos. Um formado por 35 profissionais da área de direito, educação e saúde ligados ao tema da infância e adolescência. O outro composto por 181 garotos, com idade entre 14 e 17 anos, estudantes de escolas públicas. A avaliação de ambos foi de que apenas um terço do Código de Autorregulamentação é cumprido.

Entre os tópicos desrespeitados, está a idade dos atores, que não deveriam aparentar menos de 25 anos; a utilização da mulher como objeto sexual, e a linguagem pertencente ao universo infanto-juvenil, tais como animais humanizados, bonecos ou animações. Para Ilana Pinsky, orientadora na pós-graduação em Psiquiatria da Unifesp, onde o trabalho foi executado, fica claro que a fiscalização por parte do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não funciona. ;É como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro;, afirma, referindo-se ao fato de a entidade ser formada por profissionais da publicidade. Gilberto Leifert, presidente do Conar, diz desconhecer a metodologia utilizada pelos pesquisadores no levantamento. ;Portanto, não posso comentar, mas considero um equívoco estabelecer o nexo causal entre publicidade e alcoolismo;, defende.

Leifert destaca como um dos principais problemas o acesso fácil que menores têm à bebida. ;Em vez de a doutora Ilana ficar se preocupando com a opinião dos adolescentes sobre as regras do Conar, deveria levantar os dados da fiscalização a estabelecimentos que vendem cerveja para esse público. Não temos notícia de nenhum alvará cassado por conta disso;, provoca. A Ambev, líder no mercado de cerveja no Brasil, e o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja foram procurados pela reportagem mas não retornaram as ligações. Para a pesquisadora Ilana, são muitos os trabalhos acadêmicos que já provaram a influência da propaganda entre pessoas de pouca idade. ;Sabemos que crianças com idade entre 6 e 9 anos, às vezes, não conseguem discernir entre o que é programação e o que é publicidade com o objetivo de vender;, afirma.

A regulamentação da propaganda de cerveja é assunto tão delicado e envolto por interesses que há mais de 100 projetos de lei no Congresso sobre o tema. Um deles chegou do Executivo, elaborado por ordem do ministro da Saúde, José Gomes Temporão. O projeto, encaminhado por ele em 2008, foi apensado a um mais antigo, de 1994, sobre o mesmo assunto. A ideia é incluir o produto na lei já existente sobre publicidade de bebidas alcoólicas com mais de 13; Gay-Lussac (ou GL). Como a cerveja tem entre 3;GL e, no máximo, cerca de 8;GL, não se submete às regras legais, como a restrição de horários para anúncios.

Lobby
Recentemente, o plenário da Câmara dos Deputados chegou a debater a criação de uma comissão para analisar, de uma vez só, as matérias referentes ao tema. Um outro projeto pretende incluir no Código Penal a venda de bebidas a menores como crime. Hoje, oferecer ou facilitar a ingestão da substância por adolescentes ou crianças é considerado nos tribunais uma contravenção penal. Na avaliação de Alan Vendramer, integrante da equipe que realizou o trabalho como parte do seu pós-doutorado em saúde pública na Unifesp, será difícil uma votação do Congresso pró-regulamentação. ;O lobby da indústria da cerveja é muito forte, há muito dinheiro envolvido;, lamenta. O trabalho da Unifesp se submeterá à análise de uma revista científica para publicação, de acordo com Alan.

Organização da categoria

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária nasceu de uma ameaça ao setor: no fim dos anos 1970, o governo federal pensava em sancionar uma lei criando uma espécie de censura prévia à propaganda. Diante dessa ameaça, o setor se organizou, inspirado no modelo inglês, para criar o documento. O objetivo era zelar pela liberdade de expressão comercial, defendendo os interesses das partes envolvidas no mercado publicitário, inclusive o consumidor.

A preferida

Pesquisa da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) mostra que, de todas as doses consumidas anualmente por brasileiros adulto, de qualquer idade, sexo e região do país, 61% são de cerveja ou chope, 25% de vinho, 12% de destilados e 2% de bebidas ;ice;. Entre os homens, os dados são mais elevados: 11% bebem todos os dias e 28% consomem bebida alcoólica de 1 a 4 vezes por semana ; caracterizando um consumo potencialmente arriscado do ponto de vista da saúde física e psicológica.

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