Brasil

Tempo de internação de jovens na pauta

Vinte anos após a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda há divergência sobre a restrição da liberdade de infratores

postado em 13/07/2010 07:00
; Renata Mariz
; Larissa Leite


Marco na legislação ligada à infância e fonte de inspiração para outros países, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) comemora 20 anos, hoje, cercado por avaliações distintas. Embora ninguém duvide da ousadia da lei que colocou no papel garantias básicas de uma parcela da população até então vista como sujeitos sem direitos, o documento ainda sofre questionamentos em um de seus pontos cruciais: a medida de privação de liberdade. As principais discussões, levadas inclusive para a seara política em forma de projetos que alteram o ECA, giram em torno do tempo máximo de internação dos adolescentes que cometeram atos infracionais ; hoje de três anos. Por outro lado, há quem se oponha, justificando que o problema está na falta de estruturas previstas na lei, inclusive na precariedade das unidades de reclusão.

;Para muitos, é como se o estatuto passasse a mão na cabeça do adolescente. Entendemos que os problemas vêm anteriormente ao ato infracional. É claro que pode haver questões de personalidade, mas quase sempre o adolescente comete o ato porque todas as políticas de base, como educação, lazer, esporte e saúde já falharam. Reduzir a maioridade penal não ajuda na ressocialização;, destaca Karina Figueiredo, da coordenação do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria). Na avaliação do juiz Francisco Oliveira Neto, vice-presidente para assuntos da infância e da juventude da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), uma alteração no período de internação deve ser discutida. ;Três anos ainda é válido como resposta do Estado em determinados casos?;, indaga.

Atualmente, existem cerca de 12 mil adolescentes privados de liberdade no país, enquanto 3,4 mil estão em internação provisória e 1,5 mil em semiliberdade. Outro problema no que diz respeito à garantia dos direitos da infância e da adolescência é a precariedade em que trabalham os conselhos tutelares. Em Alagoas, por exemplo, só 30% dos conselhos tutelares têm telefones. Carro para averiguar denúncias e fazer visitas é um verdadeiro luxo em quase todo o Brasil.

Reforço no texto constitucional

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 20 anos e pode ganhar um reforço no texto constitucional. Está prevista para hoje a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição n; 42/08, que estabelece a criação do Estatuto da Juventude e do Plano Nacional de Juventude. Os documentos ; que ainda tramitam no Congresso ; dispõem sobre os direitos dos jovens e oferecem diretrizes para políticas públicas.

O plano nacional considera jovens as pessoas entre 15 e 29 anos ; parte dessa faixa etária está compreendida também no ECA. Se aprovado, as pessoas de 15 a 17 anos serão atendidas tanto pelo Estatuto da Juventude quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ; que engloba dos recém-nascidos às pessoas com 17 anos. Em caso de conflito entre as normas, prevalecerá o ECA.

;Qualquer instrumento democrático embasado em direitos é positivo. Haveria um choque apenas se o estatuto contrariasse o ECA, o que não é o caso. Uma boa coordenação das políticas pode fazer com que os estatutos se complementem;, diz a representante interina da Unicef no Brasil, Cristina Albuquerque.(RM e LL)

Ouça trecho da entrevista com a secretária do Cecria, Karina Figueiredo


Ponto crítico
Você é a favor do aumento do tempo de internação para jovens infratores?

SIM
Demóstenes Torres
Tenho um projeto para aumentar o tempo máximo de internação, hoje de três anos, no caso de crimes graves, mas ele está na gaveta da senadora Patrícia Saboya (PDT-CE) desde que eu o apresentei. E nunca saiu de lá. É ridícula essa resistência à internação no Brasil, ainda mais porque a cada seis meses há um exame psicológico para ver se a pessoa tem condição de conviver em sociedade. Então, não é raro, embora haja o tempo máximo de três anos, sair antes disso. Alguns ficam três anos, é verdade. Em outra ocasião, tentei reduzir a maioridade penal para 16 anos. Mas não aceitaram. Da mesma forma que agora, quando eu tento estender esse prazo máximo de internação, obrigando o governo a dar emprego quando o adolescente sai da unidade, não aceitam. É um grupo fundamentalista. Acha que o Estatuto é uma perfeição, não aceita nada. Advoga até que o crime tem apenas raízes sociais, e que a coisa vai melhorar na hora em que o Brasil enriquecer, o que é uma bobagem. Até porque os Estados Unidos, um país riquíssimo, têm alta criminalidade. Essa vinculação é teoria de fim de século 19, não faz o menor sentido hoje.

Senador do DEM-GO e autor de projetos de revisão do ECA

NÃO
Márcia Guedes
Se o sistema de Justiça, no que diz respeito à internação, funcionasse como determina a lei, a sociedade não ficaria com esse descrédito que há hoje em relação à legislação. As pessoas pensam que o adolescente não é penalizado quando comete um ato infracional e, por isso, haveria um aumento da participação dos jovens nos crimes praticados pelos adultos. Isso não é verdade. Podemos dizer, inclusive, que, em alguns casos, o adolescente é punido até mais do que o adulto. Para pegar um exemplo, vamos pensar no dano ao patrimônio privado. Para o adulto, precisa haver vontade do ofendido para iniciar uma ação penal. No caso do adolescente, não. O Ministério Público age sem a necessidade de iniciativa. Não adianta modificar o tempo de internação ou propor qualquer outra alteração se continuarmos com unidades de atendimento precárias como as que existem, que em muitos aspectos não se diferenciam de presídios comuns. O que falta realmente é a lei funcionar, e com rapidez. Veja que o ECA faz 20 anos e as estruturas fundamentais para sua aplicação ainda estão por nascer.

Coordenadora do centro de apoio das promotorias da infância do estado da Bahia

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