Brasil

Perdão de dívida de US$ 21 mi deixa EUA acompanhar biomas brasileiros

Americanos já usaram a mesma estratégia em países como Bangladesh, Guatemala e Botsuana

postado em 13/08/2010 08:55
O mecanismo encontrado pelos Estados Unidos para acompanhar de perto biomas megadiversos ; e para ter acesso a informações privilegiadas desses biomas ; chegou com pompa ao Brasil. O governo norte-americano decidiu perdoar uma dívida do governo brasileiro de US$ 21 milhões (R$ 37,1 milhões), dinheiro que deverá ser depositado em um fundo voltado para projetos de conservação da biodiversidade na Mata Atlântica, no cerrado e na caatinga. Ao abrir mão de uma dívida contraída pelo Brasil há quase 50 anos, insignificante para o Tesouro norte-americano, os Estados Unidos passam a fazer parte das decisões sobre o destino dos três biomas brasileiros.

Os americanos já estão no centro das decisões sobre a conservação dos biomas em mais de 13 países (leia lista ao lado). Endividados, com compromissos financeiros que dificilmente seriam pagos aos EUA, esses países aceitam a interferência americana nos comitês formados para gerir os recursos e para administrar os projetos de conservação da biodiversidade.

É o caso do acordo assinado ontem entre Brasil e Estados Unidos. O dinheiro da dívida, que não será mais paga aos norte-americanos, deve ser gasto com projetos fora da Amazônia. Primeiro serão beneficiadas propostas de conservação e uso sustentável na Mata Atlântica. Depois, será a vez de cerrado e caatinga.



O governo dos Estados Unidos terá um dos quatro representantes governamentais no comitê criado para avaliar os projetos para os três biomas. Pelo Brasil, serão indicados um representante do Ministério do Meio Ambiente (MMA), um do Ministério da Fazenda e outro do Itamaraty. Ainda serão nomeados mais cinco membros da sociedade civil brasileira. O Correio apurou que, por trás da questão ambiental, há interesses de mercado dos norte-americanos para fora dos limites da Amazônia. Os Estados Unidos têm empresas que dominam o manejo florestal e poderiam, por exemplo, exportar tecnologia e serviços para um projeto de restauração na Mata Atlântica.

Dificuldades
Na Amazônia, os Estados Unidos já têm uma presença consolidada. A própria agência do país para quem o Brasil devia os US$ 21 milhões desenvolve diversos projetos em território amazônico. A dívida corresponde a oito contratos firmados entre o Brasil e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) nas décadas de 1960 e 1970. Nem o Tesouro Nacional sabe como e para que esses empréstimos foram contraídos. ;Tivemos dificuldades para rastrear essas dívidas;, diz a procuradora da Fazenda Fabíola Saldanha.

A Usaid é um órgão independente do governo federal dos Estados Unidos e desenvolve, em diferentes partes do mundo, programas de ;assistência econômica e humanitária;. No Brasil, na área de meio ambiente, só há projetos na Região Norte. Dos dez projetos tocados ali, oito se referem a empreendimentos florestais, produção sustentável e populações indígenas. Já nas outras quatro regiões brasileiras, os projetos são exclusivamente na área de saúde.

Cem vezes
Os recursos, que devem ser depositados num fundo criado especificamente com essa finalidade, são aceitos pelo MMA sem qualquer contestação. E não é para menos ; basta analisar o dinheiro destinado à pasta pelo Orçamento da União. Os US$ 21 milhões ; ou R$ 37,1 milhões ; equivalem a mais de um terço de tudo o que foi gasto pelo Ministério no ano passado. Ao aceitar os Estados Unidos nas decisões sobre a Mata Atlântica, o cerrado e a caatinga daqui para a frente, a área ambiental do governo vai contar com um dinheiro que corresponde a quase cem vezes o montante repassado em 2009 para a Secretaria de Biodiversidade e Florestas, por exemplo.

;O nosso interesse é diminuir o desmatamento, preservar espécies ameaçadas e propiciar atividades sustentáveis para comunidades locais;, argumenta a encarregada de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Lisa Kubiske, que assinou o acordo pelo país. ;Meio ambiente é algo que afeta o mundo inteiro e há benefícios em vários aspectos, econômicos e ambientais.; Para a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o acordo é um ;momento de festa;. ;Ampliamos os instrumentos financeiros de conservação da biodiversidade.;

O primeiro desembolso, de US$ 6,7 milhões (R$ 11,8 milhões), deve ser feito em outubro. Uma cláusula do acordo prevê que, ;em circunstâncias excepcionais;, o governo brasileiro pode estar entre os beneficiários dos recursos para projetos ambientais.

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