Brasil

Bandidos teriam usado construções do PAC na fuga

Documentos mostram que falta de segurança para a realização das obras foi relatada ao governo e à CEF

postado em 03/12/2010 08:23
O PAC começou no Alemão em junho de 2007, quando foram selecionadas as empresas de urbanização, mas no ano seguinte o governo do Rio listou as dificuldadesOgoverno do estado do Rio de Janeiro já havia identificado, dois anos atrás, detalhes sobre a influência do narcotráfico na execução das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Complexo do Alemão. Documentos obtidos pelo Correio mostram que o governo do Rio, responsável pelo PAC nos complexos de favelas cariocas, relatou à União e à Caixa Econômica Federal (CEF) dificuldades enfrentadas nos morros, como problemas para acessar áreas dominadas pelo tráfico, impossibilidade da entrada de policiais para garantir a execução das obras e completa insegurança de operários, técnicos e fiscais.

Diante das condições de insegurança, o Ministério das Cidades e a CEF concordaram com o apelo feito. Decidiram antecipar repasses de recursos e facilitar a fiscalização do uso do dinheiro. Mesmo assim, traficantes da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão teriam utilizado operários e obras do PAC para fugir da ocupação policial, como apontam as primeiras investigações da polícia do Rio.

O PAC se tornou uma realidade para o Complexo do Alemão em junho de 2007, quando foram selecionadas as primeiras empresas para executar as obras de urbanização das favelas. Em novembro de 2008, o governo do Rio encaminhou diversos documentos ao Ministério das Cidades e à CEF alegando dificuldades para concretizar redes pluviais, intervenções de saneamento básico, pavimentação de ruas, edificação de novas casas e a construção do teleférico com capacidade para transportar 30 mil pessoas e integrar sete comunidades.

Quatro conjuntos de favelas que recebem obras do PAC ; Alemão, Manguinhos, Rocinha e Pavão-Pavãozinho ; têm ;altíssimo grau de complexidade; e, por isso, precisariam ser beneficiados com a antecipação dos recursos da CEF e com mudanças na forma de conferir a aplicação dos recursos. Aditivos contratuais garantiram essas alterações para os quatro complexos. Mesmo com a constatação da interferência do narcotráfico no PAC, os trabalhos não foram acompanhados de um incremento das forças de segurança, como reconhece a Secretaria de Obras.

A retomada da Vila Cruzeiro na quinta-feira, 25 de novembro, e do Morro do Alemão no domingo, 28 do mesmo mês, ocorreu sem a prisão das centenas de traficantes que comandavam a criminalidade nos dois espaços. Depois da primeira ocupação pela polícia, na Vila Cruzeiro, cerca de 200 traficantes fugiram para o Complexo do Alemão. Eles se juntaram a mais 300 traficantes que atuavam no morro. A grande maioria desses criminosos conseguiu fugir do cerco montado pelas polícias Civil e Militar (PM) do Rio, pela Polícia Federal (PF) e pelas Forças Armadas.

A principal suspeita investigada é de que os traficantes conseguiram fugir pelas galerias pluviais recém-construídas nas favelas com recursos do PAC. Moradores relataram à polícia que alguns traficantes obrigaram funcionários das obras a construírem dutos mais largos para eventuais fugas. Um túnel de 400 metros, conectado às galerias policiais, foi descoberto após a ocupação do Morro do Alemão.

Exceções

O tratamento ;excepcional; e ;diferenciado; às obras no Alemão, em Manguinhos, na Rocinha e no Pavão-Pavãozinho foi analisado por diferentes instâncias no Ministério das Cidades e na CEF. Em 1; de dezembro de 2008, o secretário executivo do ministério, Rodrigo Figueiredo, concordou com as manifestações favoráveis e permitiu a antecipação dos repasses de recursos, além de aceitar que o governo do Rio de Janeiro, por meio de boletins mensais, medisse os serviços executados e informasse o andamento das obras à CEF. A medida valia ;excepcionalmente; para as obras do PAC nos quatro complexos.

Uma dessas análises técnicas da CEF reproduz as justificativas apresentadas pelo governo do Rio. Os ;graves problemas; de segurança pública dificultaram o andamento das obras, restringiram as jornadas de trabalho dos operários do PAC e chegaram a suspender alguns serviços, como ocorreu nas favelas do Pavão-Pavãozinho. ;Devido aos conflitos havidos entre grupos armados ligados ao narcotráfico e as forças de segurança pública do Estado, as obras nesse complexo de favelas estão suspensas;, cita o relatório.

No documento, a topografia dos morros e a insegurança são apontadas como os dois principais problemas para a execução das obras do PAC. Eram impeditivos, conforme a nota técnica, para a entrada de policiais nas áreas diretamente beneficiadas com os serviços em andamento. Uma outra nota técnica ainda no mês de novembro de 2008, do Ministério das Cidades, é mais incisiva em relação aos riscos de se empreender as obras do PAC sem acompanhamento de forças de segurança. A nota fala em ;inevitáveis adequações que são necessárias para compatibilizar o projeto;, principalmente em razão das condições de insegurança de fiscais e de operários e técnicos das empresas construtoras.

Deputados da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara levantaram suspeitas de irregularidades nos repasses para obras do PAC no Rio de Janeiro e pediram uma apuração ao Tribunal de Contas da União (TCU). O TCU, então, solicitou que a Caixa encaminhasse documentos a respeito do PAC no Alemão, em Manguinhos, na Rocinha e em Pavão-Pavãozinho. A primeira análise mostrou que o estado do Rio firmou 239 contratos de repasse para execução de obras do PAC. O estado solicitou alterações de cláusulas somente em seis contratos.

O Correio mostrou no último dia 30 que os investimentos do PAC no Complexo do Alemão, neste ano, estão atrasados. Somente 36% do previsto para 2010 foram executados até agora.

CEF e Governo se defende
A Secretaria de Obras do governo do Rio de Janeiro nega que a falta de segurança e a ação do narcotráfico influenciaram o andamento de qualquer obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas favelas beneficiadas com o programa. A assessoria de imprensa da secretaria diz ser ;impossível; a alteração de um projeto do PAC em benefício de traficantes, como investiga a polícia do Rio. ;A complexidade que se fala é de engenharia, como é o caso do teleférico, e não por questões de segurança.; O que existe, segundo a assessoria, são apenas ;momentos de tensão;, com paralisações rápidas das obras.

Em nota ao Correio, a Caixa Econômica Federal (CEF) diz não ter confirmação de ;alterações de projeto injustificadas;. Quanto às justificativas apresentadas pelo governo do Rio para obter a antecipação de recursos e uma forma diferenciada na prestação de contas, a CEF entende que a mais relevante é a necessidade de fazer adaptações em alguns projetos, ;em função de situações imprevisíveis;. ;A fiscalização de obra, em qualquer caso, sempre é atribuição do governo do estado, com equipe presente no dia a dia da obra;, diz a nota.

Além do PAC nos quatro complexos de favelas no Rio, empreendimentos na Bahia e no Ceará foram beneficiados com as medições diferenciadas da execução dos serviços, segundo a secretária de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães. ;Numa obra com a dimensão da que é executada no Complexo do Alemão, verificação e alterações devem ser feitas in loco.; Inês explica que, em situações normais, a liberação de recursos do PAC é feita assim que municípios e governos apresentam as medições sobre a execução das obras. Se há algum erro, a correção de valores é feita no pagamento seguinte. (VS)

Os Infiltrados
Alana Rizzo

Engenheiros que trabalharam nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas comunidades do Rio de Janeiro denunciaram um esquema de contratação irregular nos projetos. Segundo funcionários dos consórcios de engenharia, alguns criminosos foram contratados pelas empresas. Porém, eles nunca trabalharam. O único objetivo era garantir um vínculo empregatício. Assim, na visão dos traficantes, eles se enquadrariam como ;trabalhadores; e diminuiria a chance de serem pegos pela Polícia Militar (PM) em operações nessas áreas.

Os funcionários denunciaram ainda que os chefes do tráfico de drogas acompanham de perto as obras do PAC, fazendo, inclusive, ;escolta; para os engenheiros em áreas de maior conflito.

Documentos mostram que falta de segurança para a realização das obras foi relatada ao governo e à CEF

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