Brasil

Lama de mineração acelera degradação do já poluído Rio Doce

Rio Doce, que já sofria a pior crise da história com a escassez de água associada à degradação, agora enfrenta a mancha de rejeitos liberada pelo desastre da Samarco

Renan Damasceno/Estado de Minas
postado em 10/11/2015 09:47
Rio Doce, que já sofria a pior crise da história com a escassez de água associada à degradação, agora enfrenta a mancha de rejeitos liberada pelo desastre da Samarco
Um manancial que já é um dos mais degradados de Minas, sofrendo com a estiagem e a superexploração, agora é assolado por milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, entulho, galhos, sujeira, animais e peixes mortos. Essa é a dupla agonia enfrentada pelo Rio Doce, historicamente pressionado por esgoto, assoreamento e desmatamento que passa a enfrentar a onda de lama liberada pelo rompimento de barragens da Samarco em Mariana. O rio sofre o impacto desde o início do seu curso, na Zona da Mata, até o Espírito Santo, onde a cheia liberada pelo desastre deve chegar hoje. Especialistas acreditam que o novo episódio de degradação, que culminou com a suspensão da captação de água para abastecimento humano em pelo menos cinco cidades mineiras e causou grande mortandade de peixes, é o golpe de misericórdia no curso d;água que já não tinha forças para chegar à foz por seu caminho mais tradicional, conforme mostrou o Estado de Minas na série de reportagens ;Amarga agonia;, publicada em julho.

A habitual cor do rio deu lugar a tons de marrom e vermelho-escuro, de aspecto denso, por causa do minério. O cheiro forte do barro com reagentes químicos piorou nos últimos dias, devido aos animais mortos, como cavalos e capivaras, que não conseguiram escapar da força da avalanche e agora se misturam ao rastro de destruição nas margens. ;A lama que chegou ao Leste de Minas é o golpe de misericórdia no Rio Doce, que este ano atingiu seu nível mais baixo;, reagiu, com indignação, o professor de agroecologia e botânica Reinaldo Duque-Brasil, do câmpus avançado de Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Para ele, mestre em ecologia e doutor em botânica, são devastadores os efeitos do rompimento das duas barragens da Samarco. ;Vivemos um clima de apreensão, principalmente com a interrupção no fornecimento de água em Valadares. Ficamos só com o que tem na caixa-d;água;, disse.



Ontem à tarde, a Prefeitura de Governador Valadares interrompeu completamente o funcionamento das bombas de captação no Rio Doce, que abastecem 280 mil pessoas. A prefeita Elisa Maria Costa (PT) solicitou da Samarco, responsável pelo desastre, 80 caminhões-pipa para suprir a demanda por 800 mil litros de água por dia, exclusivamente para locais prioritários, como creches, escolas, postos de saúde e hospitais. "Até o fim da tarde de amanhã (hoje) não teremos mais nenhuma água armazenada, e o sistema vai entrar em colapso", alertou a prefeita. Para evitar que os moradores fiquem sem amparo, Elisa Costa disse solicitou da mineradora 80 mil litros de diesel, R$ 70 mil para serem usados na comunicação via rádios e televisões, 100 agentes de endemias, 50 reservatórios de 30 mil litros, um barco a motor e um veículo de tração 4x4 para transporte de integrantes da Defesa Civil. A empresa não havia se manifestado sobre nenhuma das demandas até o fechamento desta edição.

O prefeito de Periquito, Geraldo Godoy (PMDB), chama a atenção para o desabastecimento que enfrentam os cerca de 7 mil moradores. A Copasa precisou interromper a captação no Rio Doce para atender ao distrito de Pedra Corrida e foi impedida de usar o manancial para suprir a seca do Rio Periquito, que normalmente abastece o restante do município. "Desde ontem (domingo) a população está sentindo falta de água. Tivemos que fechar a prefeitura hoje (ontem) antes do fim do expediente, porque não tinha água", conta Godoy.

Em Naque, a onda de lama amontoou peixes mortos na beira do Rio Doce e também causou a suspensão da captação. A Copasa precisou interromper o sistema mesmo se abastecendo do Rio Santo Antônio, já que a mancha de lama invadiu o afluente. Em Resplendor e Tumiritinga, a companhia de saneamento também teve que desligar as bombas para não distribuir água sem condições de tratamento.

Na avaliação do professor Duque-Brasil, a biodiversidade foi arrasada no Vale do Rio Doce. ;O dano ambiental é irremediável, pois tudo o que respira no ecossistema está morrendo: peixes, tartarugas, pequenos mamíferos e aves. Houve interrupção na cadeia alimentar;, diz. Para as matas ciliares, as consequências foram igualmente nocivas. Com a lama de mineração, o assoreamento do Rio Doce vai aumentar. ;É engano dizer que esta lama não é tóxica. São resíduos do minério que estão lá e vão formar uma camada, em todo o curso, liberando, aos poucos, substâncias tóxicas. Este ano o rio não conseguiu chegar ao mar, no Espírito Santo. Imagine uma situação dessas em um rio que recebe uma carga desse tipo, de repente;, afirmou.

SETOR PRODUTIVO Os problemas para os ribeirinhos não foram menores. Ao longo do curso d;água, diz o biólogo, há muitas comunidades que vivem da agricultura e que precisam do rio para produzir. Além disso, há comunidades indígenas, como o povo krenak. ;A situação é muito triste para quem precisa da irrigação. Nesse tempo seco, sem poder usar a água do rio, tudo fica inviável;, diz o agroecólogo Filipe Fernandes de Souza. Atuando no Centro Agroecológico Tamanduá, organização não-governamental que dá assessoria a 20 municípios no entorno de Valadares, Filipe diz que a lama quebrou a cadeia de produção. ;Tememos a contaminação do solo por metais pesados;, afirma.

ESPÍRITO SANTO Enquanto a mancha de lama varre o curso do Rio Doce ainda em Minas Gerais, autoridades capixabas tomam providências para tentar minimizar os impactos da passagem dos resíduos por cidades como Baixo Guandu, Colatina e Linhares. A Defesa Civil do estado vizinho já removeu comunidades ribeirinhas das margens do rio em Colatina. Ontem, a Prefeitura de Linhares começou a abrir passagem para a carga extra na foz, no distrito de Regência Augusta. Máquinas trabalharam para remover o banco de areia que vinha impedindo o rio de chegar ao mar por seu principal caminho, como mostrou em julho o Estado de Minas.

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