Brasil

Mães de bebês com microcefalia no Recife relatam situações de preconceito

Além de lidar com a rotina de tratamento de um filho com a malformação, mulheres são vítimas de comentários intolerantes

Alice de Souza/Diário de Pernambuco, Diário de Pernambuco
postado em 19/02/2016 11:11
As barreiras para cuidar do filho com microcefalia são muitas na vida da auxiliar de cozinha Rayana Silva, 23. Acordar de madrugada para pegar o ônibus de Arcoverde ao Recife, percorrer hospitais, esperar até 15 horas com o filho no colo para voltar para casa. Diante de todas as dificuldades, uma é ainda difícil de superar: o preconceito. Situações de discriminação têm sido frequentes na rotina das mães de bebês com a malformação.

A avó Josefa Valdemar segura a neta que tem microcefalia e dá apoio à filha para superar as dificuldades

Rayana não precisou ir muito longe para descobrir que o preconceito existe. Foi no seio familiar que ouviu frases como ;seu filho é um doente, um babão; direcionadas ao filho de quatro meses. ;Sinto muita raiva, principalmente porque acontece dentro de casa. Sempre respondo que meu filho não tem nada. A gente enfrenta assim, cortando e pronto;, explica.

[SAIBAMAIS]O preconceito se apresenta de diversas formas. Dentre as situações mais corriqueiras, estão olhares abusivos, fotos indesejadas e perguntas inconvenientes. ;As pessoas ficam perguntando se anda, se fala, se escuta;, afirma Rayana. Questionamentos que sempre vêm acompanhados de um sonoro ;Bichinho, né?;.

Esse tipo de comportamento reflete uma sociedade onde são valorizados determinados padrões, explica a professora adjunta do Departamento de Psicologia e Orientação Educacional da UFPE Tícia Cavalcante. ;Há uma visão social do que é belo, ;normal;. As diferenças não são aceitas. Há ainda uma segregação histórica das pessoas com deficiência no Brasil, de sempre associar isso a uma doença. Quando, na verdade, a deficiência é uma condição. Isso implica até nas famílias, pois muitas vêem a situação como uma cruz;, explicou.
A descoberta da maternidade para Marcela Rodrigues, 19, veio acompanhada do medo. Vencer os próprios receios foi uma vitória. ;Chorei muito inicialmente, mas depois me acalmei;, conta ela, que ainda não conseguiu afastar de vez a tristeza diante do medo do preconceito que o filho de dois meses sofre.



Como na maioria dos pré-julgamentos diante do diferente, muitas vezes a discriminação acontece de forma velada. ;Minha mãe estava com meu filho no braço quando uma vizinha virou para o motorista do carro e disse ;cuidado, visse, com a cabecinha de microcefalia;, relata Marcela. Entre ela e o marido, o trato é não deixar de fazer nada por causa disso. ;Não deixo de sair com o bebê para canto nenhum.;

Enquanto Marcela acredita na força de sua presença, Rayana encontrou uma forma simples de permanecer acreditando na bondade das pessoas. Observar a relação do filho mais velho, de quatro anos, com o pequeno. A criança faz questão de contar a todo mundo que ganhou um irmão. Beija, abraça e diz que ama muito.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação