Brasil

Relatório indica 29 assassinatos por dia em 2013 no Brasil

É o equivalente a 3,6 chacinas da Candelária, ocorrida no Rio de Janeiro

Natália Lambert
postado em 30/06/2016 06:00

Criança de 11 anos é enterrada em São Paulo após ser morta por guarda


Os homicídios de dois meninos, de 10 e 11 anos, cometidos por forças de segurança de São Paulo neste mês, corroboram estatísticas reveladas pelo novo estudo divulgado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). O relatório Violência letal contra as crianças e adolescentes do Brasil mostra aproximadamente 29 assassinatos por dia em 2013, ano em que 10.520 foram mortos. A média equivale a 3,6 chacinas da Candelária por dia, onde oito jovens foram executados no Rio de Janeiro (veja Memória). Desde a década de 1980, houve um aumento de quase 30% nos óbitos por causas externas na faixa etária entre 1 e 19 anos.

;Se a chacina levantou indignação, protestos nacionais e internacionais e ampla mobilização da sociedade ; pelo brutal extermínio de crianças, adolescentes e jovens, exatamente nas idades de que estamos hoje tratando ;, esse outro extermínio, bem maior, contínuo e crescente, permanece oculto sob um véu de indiferença, da complacência e de uma boa dose de cumplicidade, tanto de grande parte da mídia e da população quanto das instituições encarregadas, paradoxalmente, de protegê-los;, destaca o relatório.

Encomendado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e pela Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em 2015, o documento foca nas causas externas de mortalidade no Brasil: acidentes de transporte, suicídios e homicídios; e tem como fonte o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde. Em conjunto, as causas externas vitimaram 689.627 crianças e adolescentes entre 1980 e 2013.

De acordo com o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do documento e coordenador do Programa de Estudos sobre Violência da Flacso, o estudo mostra uma tendência geral da sociedade brasileira de aumento da violência. ;Estamos observando, nas últimas décadas, um crescimento muito grande no número de homicídios, não só de crianças, mas de mulheres, idosos, negros e em todos os setores da sociedade. Somos um país de extrema violência. Estamos entre os 10 mais violentos do mundo em qualquer recorte;, comenta. Entre 85 nações analisadas, o Brasil está em terceiro no ranking de homicídios contra crianças e adolescentes.

Jacobo destaca que o relatório tem a função de desmistificar a noção de que o brasileiro é um povo ;bonzinho; e critica a cultura da culpabilização das vítimas. ;Criou-se uma história de que o brasileiro é boa praça, cordial, receptivo e que aqui existe democracia racial. Nessa visão, a violência aparece como algo natural. O Brasil tem que se assumir como violento. O primeiro passo para a cura é a consciência da enfermidade.;

O sociólogo afirma que projetos conservadores que estão em tramitação no Congresso, como a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e a revogação do Estatuto do Desarmamento, não contribuem para a diminuição dos índices. ;São retrocessos inaceitáveis que farão os jovens morrer com muito mais facilidade. Temos leis e políticas públicas muito boas. O que falta é investimento e implementação dessa legislação;, comenta. De acordo com Jacobo, o primeiro passo é a conscientização dos elevados níveis de violência. ;Depois, o combate tem que ser prioridade. Sem recursos e investimentos em políticas públicas corretas, não há caminho.;

Causas naturais
Contraditoriamente, no último ano, o governo federal comemorou uma redução significativa na taxa de mortalidade infantil. De acordo com o relatório Níveis e tendências da mortalidade infantil, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), houve uma redução de 73% do índice em 25 anos. Em 1990, para cada mil crianças abaixo de 5 anos, 61 morriam. De acordo com o documento, essa taxa reduziu para 16 mortes a cada cem mil crianças. Em 2013, a organização reconheceu que parte do avanço foi graças ao Sistema Único de Saúde (SUS) e de programas sociais como o Bolsa Família. O governo federal também afirma que a queda do índice de mortalidade infantil brasileiro atualmente supera a média mundial, de 53% nos últimos 25 anos.

Os números do relatório Violência letal contra as crianças e adolescentes do Brasil detalham que, em 2013, 75.893 pessoas, na faixa etária de 1 a 19 anos, morreram considerando causas externas e naturais. Mais da metade desse total, 38.966 crianças (51,3%), tinha menos de 1 ano. No primeiro ano de vida, 97,1% das mortes ocorrem por causas naturais e a proporção delas vai caindo até os 14 anos, idade em que as causas externas ultrapassam as naturais, alcançando o pico aos 18 anos, quando representam 77,5% do total de mortes.

A matéria completa está disponívelaqui, para assinantes. Para assinar, clique

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação