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Geneton Moraes deixa livros e filmes para construção da memória do país

O pernambucano Geneton Moraes Neto era um grande entusiasta do jornalismo em todas as suas formas

postado em 23/08/2016 08:49

O pernambucano Geneton Moraes Neto era um grande entusiasta do jornalismo em todas as suas formas

Morreu na noite desta segunda-feira (22/8), no Rio de Janeiro, o jornalista Geneton Moraes Neto, aos 60 anos de idade. Geneton sofreu um aneurisma da aorta em maio. Ele deixa mulher, duas filhas e netos. Em julho, Geneton foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Clínica São Vicente, na Zona Sul do Rio de Janeiro e precisava de doação de sangue. No Twitter, amigos como Xico Sá, Miriam Leitão e Alberto Villas reforçaram o pedido de doação.

O pernambucano Geneton Moraes Neto era um grande entusiasta do jornalismo em todas as suas formas. Gostava de dizer que era uma excelente profissão para quem não conseguiu ser outra coisa na vida. Em entrevista ao Correio, em fevereiro de 2013, brincou que pertencia ao PPB, o Partido dos Perguntadores do Brasil. ;Sem pretensões, sem delírios megalomaníacos (tão comuns em jornalistas) penso que posso, como jornalista, dar uma contribuição mínima ao meu país: fazer do jornalismo que pratico uma fonte de produção de memória;, disse. Para ele, o jornalismo contemporâneo sofria uma ditadura da objetividade e era necessário recuperar uma certa qualidade de texto e deixar de lado a burocracia. ;O jornalismo brasileiro precisa levar um choque de jornalismo;, disse.

[SAIBAMAIS]Geneton encarava a profissão como uma questão de produção de memória. E, para isso, era preciso perguntar e, sobretudo, ouvir sempre todos os lados. Ele dizia se interessar na mesma medida por um general do Exército e um guerrilheiro capaz de pegar em armas. Não fazia patrulhamento de jeito nenhum. Assim, foi o autor reportagens memoráveis do jornalismo brasileiro. É dele a série de entrevistas com os ex-presidentes Fernando Collor, José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, nas quais conseguiu revelações de segredos que ficaram guardados nos bastidores da Presidência. Com a mesma curiosidade, entrevistou duas sobreviventes do Titanic, o assassino de Martin Luther King, os astronautas que foram à Lua e o co-piloto do avião que despejou a bomba atômica sobre Hiroshima.



A insatisfação com o superficial e a vontade de esbarrar numa verdade nem sempre aparente levaram Geneton a não se satisfazer com qualquer resposta. Ele contava que, quando começava uma entrevista, costumava sempre se perguntar: ;Por que será que esses bastardos estão mentindo para mim?;. Isso o ajudava a se manter alerta para o valor da notícia. Geneton lamentava que o jornalismo contemporâneo sofresse do que chamava de Síndrome da Frigidez Editorial. Uma doença terrível, segundo ele. ;É assim: por natureza, o jornalista passa a vida lidando com o que é extraordinário. O problema é que, depois de lidar com o extraordinário durante anos a fio, o jornalista corre o sério risco de achar que o extraordinário é ordinário;, explicou, em entrevista ao Correio.

Essa postura, ele mantinha desde pequeno. Aos 10 anos, gostava de se sentar no muro de casa, em Recife, e anotar as placas de carros que passavam. Transformava o ordinário em extraordinário. Quando participava de campeonatos de futebol de botão, fazia um pequeno jornal no qual narrava as partidas. Mas foi aos 16 que a coisa ficou séria. Em 1972, o adolescente precoce foi trabalhar na editoria Geral do Diário de Pernambuco e deu oficialmente os primeiros passos no que se tornaria uma vida dedicada à paixão pelo jornalismo.

A carreira no Diário de Pernambuco durou três anos. Em 1975, Geneton foi trabalhar na sucursal de O Estado de S. Paulo, antes de integrar a equipe da Rede Globo, emissora da qual nunca mais saiu. Nos últimos 10 anos, como repórter especial do canal GloboNews e editor do programa Dossiê, o pernambucano colecionou alguns dos melhores momentos do jornalismo brasileiro. Antes da GloboNews, Geneton foi editor do Jornal da Globo, Jornal Nacional e Fantástico. Durante alguns anos, viveu em Londres como correspondente de O Globo.

Livros
; Caderno de confissões brasileiras: dez depoimentos, palavra por palavra (Editora Comunicarte,1983)
; Cartas ao planeta Brasil (Editora Revan, 1988)
; Hitler/Stalin: o pacto maldito (em parceria com Joel Silveira - Editora Record, 1990)
; Nitroglicerina pura (em parceria com Joel Silveira - Editora Record, 1992)
; O Dossiê Drummond (Editora Globo, 1994)
; Dossiê Brasil (Editora Objetiva, 1997)
; Dossiê 50: os onze jogadores revelam os segredos da maior tragédia do futebol brasileiro
(Editora Objetiva, 2000)
; Dossiê Moscou (Geração Editorial, 2004)
; Dossiê Brasília: os segredos dos presidentes (Editora Globo, 2005)
; Dossiê História (Editora Globo, 2007)
; Dossiê Gabeira (Editora Globo, 2009)
; O livro das grandes reportagens (Organizador - Editora Globo, 2006)
; Diário do último dinossauro (Organizador - Travessa dos Editores, 2004)

Documentários

; Canções do exílio (2011) ; Série em três partes reúne os depoimentos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner sobre cárcere e exílio durante a ditadura.
; Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças (2013) ; Primeiro documentário de longa-metragem exibido na GloboNews, reúne entrevistas gravadas ao longo de dos 20 anos de convivência de Geneton com o jornalista Joel Silveira.
; Dossiê 50: comício a favor
dos náufragos (2013) ; O filme traz entrevistas com todos os 11 jogadores da Seleção Brasileira que participaram da final da Copa de 1950, quando o Brasil perdeu para o Uruguai no Maracanã.
; Cordilheiras do mar (2015) ; No documentário sobre Glauber Rocha, Geneton não aborda a produção cinematográfica do artista, mas questões políticas relacionadas ao cineasta, que chegou a elogiar o militar Ernesto Geisel durante a ditadura, em correspondência com Zuenir Ventura.
; Boa noite, Solidão (2016) ; Aqui, o diretor conta a histórias de pessoas do município de Solidão, no Sertão de Pernambuco, que preferiram se manter no interior em lugar de ir para um grande centro. A escolha da cidade foi aleatória: Geneton achava o nome curioso.

Prêmios
; Embratel de Telejornalismo (2010), pelas entrevistas com os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves
; Medalha João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras (2012), como destaque na área da cultura

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