Brasil

Número de casamentos gays cresce no país mesmo com preconceito

Homens e mulheres têm deixado de lado o medo de se expor e assumido a homossexualidade depois de viver relacionamentos tradicionais

Aline Brito*, Maiza Santos*
postado em 26/12/2017 06:00
Thusnelda Frick (E), 63, e Patrícia Fernandes, 53 anos, estão juntas há 11 anos. Para elas, assumir a orientação sexual foi natural
A decisão de assumir a homossexualidade ainda é um processo complicado para muita gente, independentemente da idade. No entanto, admitir depois dos 50 anos, após um casamento convencional e filhos, tem um peso diferente. A preocupação passa a ser a exposição dos filhos e a manutenção de um relacionamento familiar saudável. Apesar do preconceito, que ainda é forte, um número crescente de pais e avós tem saído do armário provando que não há idade para ser feliz e revelar sua verdadeira orientação sexual.

;Essas pessoas já sabiam, de alguma forma, tinham esse desejo, essa orientação, mas por pressão social, para não decepcionar a família, elas desenvolvem uma atitude heterossexual, guardam o desejo. Quando os filhos crescem, já cumpriu com aquilo que é esperado socialmente, se casou, então, ela consegue viver sua própria orientação. É mais difícil, mas é libertador da mesma forma;, explica o psicólogo Claudio Picazio.

Esse é o caso de André (nome fictício), de 52 anos, pai de uma criança e dois adolescentes. Ele diz que sempre quis ter uma família e por muito tempo abdicou de um desejo por outro. ;Desde cedo percebi a situação, mas me atraía mais a ideia de construir uma família convencional. Depois que decidimos nos separar, resolvi explorar esse lado da sexualidade. Muita coisa havia mudado, pelo menos na esfera social em que vivo;.

Há três anos em uma união estável, ele ainda evita demonstrações públicas de afeto e exposição por causa dos filhos. ;Eles tomaram conhecimento aos poucos e foram se acostumando com a situação. Hoje, encaram tudo com certa naturalidade, mas como vivemos em uma sociedade preconceituosa, procuro evitar exposição. Não me sinto à vontade para trocar carinho em locais públicos. Acho bonito ver tantos jovens lidarem com isso com naturalidade, apesar de vivermos em uma sociedade bem preconceituosa;, relata.

Com os filhos adultos, o processo de assumir a orientação sexual foi natural para a aposentada Thusnelda Frick, 63 anos. ;Me apaixonei e conversei com eles. Eu disse: estou com 53 anos e não tenho tempo para esperar. O futuro é hoje e eu quero ser feliz hoje. Depois de um ano, resolvemos viver juntas. Não foi nada surpreendente, para eles é perfeitamente natural;, conta.

Casada por oito anos com um homem por quem, segundo ela, foi profundamente apaixonada, o relacionamento não deu certo e ela reencontrou o amor na relação com Patrícia Fernandes, 53 anos. ;A oportunidade de me apaixonar pela Patrícia aconteceu. Ela é amadurecida, temos uma identificação cultural muito forte, compartilhamos os mesmos interesses. Sou movida por paixões, tenho que me envolver e com ela foi isso;. Elas estão juntas há 11 anos.

Relações familiares

A coragem de viver a verdadeira orientação sexual tem criado novas configurações familiares, alterando o significado da palavra família. Laura (me fictício), de 57 anos, conta que assumir a transexualidade, há oito anos, não impediu que ela se relacionasse com os parentes. ;Até hoje não houve, literalmente, uma separação entre meus filhos, minha ex-esposa e eu porque ainda moramos juntos. Até um ano atrás, dormia na mesma cama com minha ex, mas ela resolveu dormir em quarto separado por questões religiosas;.

Para Maria Berenice Dias, presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, no caso de transexuais a aceitação costuma ser mais difícil por causa da visibilidade. ;A criança, no caso, passa a ter duas mães, ou dois pais. A pessoa que se assumiu trans troca o nome e dá para trocar também o nome na certidão de nascimento da criança;, explica.

O Brasil avança lentamente rumo a uma legislação mais inclusiva. A união homoafetiva é uma realidade no país desde 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a união homossexual à heterossexual. Há quatro anos, foi aprovada a Resolução n; 175 do Conselho Nacional de Justiça, que impede os cartórios brasileiros de se recusarem a converter uniões estáveis homoafetivas em casamento civil. A Dinamarca foi o primeiro país a fazer isso, em 1989. Atualmente, 26 países possuem legislação que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Desde 2013, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou um aumento de 51,7% nos casamentos gays. Entre 2014 e 2015, cresceu mais do que a formalização do compromisso entre casais heterossexuais. Enquanto as uniões entre héteros aumentaram 2,7%, as uniões igualitárias cresceram 15,7%.

*Estagiárias sob supervisão de Paulo Silva Pinto

51,7%
Percentual de crescimento das uniões homoafetivas no Brasil desde 2013

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação