Brasil

Rebeliões, mortes e fugas em presídios marcam o início de 2018

As 133 mortes registradas em janeiro de 2017 não foram suficientes para provocar uma resposta eficiente das autoridades

Renato Souza
postado em 15/01/2018 06:00
Este ano, nove presos foram mortos no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia Um ano após as violentas rebeliões que atingiram unidades prisionais nos estados do Norte e Nordeste, o país volta a se deparar com o derramamento de sangue e fugas nos presídios. Mesmo com diversos estudos, avisos de especialistas e ameaças de facções criminosas, o Estado deixou que o caos se instalasse nos centros de reclusão. A região central do país vive sob tensão, e Goiás é o estopim da violência entre detentos. As 133 mortes registradas em janeiro de 2017 não foram suficientes para provocar uma resposta eficiente das autoridades.

As nove mortes que ocorreram no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia no primeiro dia de 2018 revelam a falência do sistema prisional no Brasil. As tragédias ocorrem no momento em que o Plano Nacional de Segurança Pública completa um ano de seu lançamento.

Em janeiro do ano passado, um motim ocorreu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. O conflito provocou 56 mortes. Investigações posteriores apontaram que o confronto ocorreu entre integrantes do Sindicato Família do Norte e do Primeiro Comando Capital (PCC). Essa foi apenas a primeira de uma série de rebeliões que escancararam para a sociedade a guerra do narcotráfico nas prisões brasileiras. As cenas do massacre, fugas e a crueldade dos criminosos rodaram o mundo. Em 6 de janeiro, mais uma chacina deixou 31 detentos mortos na penitenciária agrícola de Monte Cristo, a maior do estado de Roraima. Diversos internos foram decapitados e esquartejados nos corredores da unidade.

[SAIBAMAIS]Exatamente um ano depois, no primeiro dia de 2018, internos da Ala C do Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia invadiram outras três alas. Portando armas de fogo, barras de ferro, facas e até explosivos, os internos mataram nove presos e deixaram 14 feridos. Uma investigação do Serviço de Inteligência da Polícia Militar de Goiás apontou que a briga entre facções criminosas motivou o ataque. Na sequência, mesmo com os olhos da sociedade voltados para a capital goiana, dois motins ocorreram na mesma unidade. Rebeliões também foram realizadas no Centro de Inserção Social (CIS) de Luziânia e no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Goiânia.
Nos últimos 12 meses, o plano de segurança lançado pelo Ministério da Justiça como resposta para as primeiras rebeliões foi engavetado. Promessas que previam o aumento do contingente da Força Nacional, lançamento de um sistema nacional de vigilância por câmeras e controle da entrada de armas pelas fronteiras foram abandonadas. O especialista Cássio Tione, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que os últimos acontecimentos dão sinais claros de que a situação tende a piorar. ;Nenhuma das diretrizes criadas pelo plano foi implantada do ponto de vista de uma ação concreta. O próprio ministro falava de integração, cooperação e colaboração. Mas não vimos os objetivos do plano serem colocados em prática. A situação da dominação das facções nos presídios não está resolvida e as mortes continuam aumentando;, afirma.

O programa que prometia revolucionar o combate ao crime foi apresentado pelo então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Ele deixou o cargo após ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal (STF). Após a gestão de Moraes, quem assumiu foi o deputado Osmar Serraglio, que ficou apenas dois meses no cargo. O parlamentar deu lugar ao atual ministro, Torquato Jardim, que ao ser empossado destacou a intenção de dar continuidade ao plano apresentado pelo seu antecessor. Procurada pela reportagem, a pasta não se pronunciou até o fechamento desta edição.

Entre as propostas estava o chamado ;DNA das armas;. A intenção era de mapear os locais de entrada e criar um banco de dados com o cadastro do armamento que circula no país. A Polícia Federal produziu um relatório indicando os pontos mais críticos da segurança, como é o caso da tríplice fronteira, em Foz do Iguaçu, no Paraná. No entanto, o levantamento ocorreu por iniciativa da própria corporação.

Superlotação

Dois estudos independentes, realizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que o sistema penitenciário nacional está se deteriorando a cada ano. A população carcerária chegou a 726 mil no ano passado. A auditoria do TCU, divulgada há poucos dias, apontou que 18 estados brasileiros registram superlotação nos presídios.

A situação pode ser ainda pior, já que essa foi exatamente a quantidade de unidades da federação avaliadas. As unidades com excesso de detentos favorecem a atuação e expansão de facções criminosas. Isso ocorre por conta da dificuldade em separar presos provisórios dos definitivos, o que permite que pessoas que ainda não foram julgadas sejam cooptadas pelo crime.

O auditor Daniel Cubas Ferreira, que integrou o grupo do TCU que realizou o estudo, afirma que é necessária uma integração entre os diversos órgãos públicos do setor. ;A facção atua quando o Estado deixa de fazer seu papel. O sistema prisional é muito complexo e não funciona somente com o presídio. Envolve a polícia, Defensoria Pública, Ministério Público, a Justiça e a penitenciária. Mas esses atores não agem de forma integrada. Esses órgãos nem se quer sabem quem são e em quais situações essas pessoas estão presas;, afirma. Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça não se manifestou.

Combate

Na iminência do aumento dos casos de homicídio e feminicídio, o governo lançou a promessa da criação de grupos especializados no combate a esses delitos. A intenção era fortalecer operações policiais, a investigação e atuação do Ministério Público. Um dos pontos mais críticos apontados pelos especialistas era a cidade do Rio de Janeiro, onde comunidades inteiras foram dominadas pelo tráfico de drogas. A promessa não saiu do papel.

O ano de 2017 foi o mais sangrento para a PM carioca. Em dezembro, a corporação contabilizou a morte de 130 policiais. O número de civis mortos passou de 1 mil em maio e pode ter superado os 3 mil até o final do ano. Os dados são levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em todo o país, os crimes contra a vida produzem números de guerra. Em 2016, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas 61 mil mortes intencionais, frente a 59 mil de 2015.

As 133 mortes registradas em janeiro de 2017 não foram suficientes para provocar uma resposta eficiente das autoridades


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