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Pessoas com epilepsia podem dirigir, desde que observadas certas condições

Segundo entidades de trânsito, pessoas com condições delicadas de saúde são avaliadas caso a caso na hora de tirar a carteira de motorista. Pacientes com epilepsia precisam estar há um ano sem crise e comprovar acompanhamento médico

Mariana Fernandes
Mariana Fernandes
postado em 19/01/2018 18:00
Acidente no Rio: motorista alega que teve uma crise de epilepsia
Dois graves acidentes de trânsito na quinta-feira (18/1), um em Brasília e outro no Rio de Janeiro, têm como possíveis causas a condição de saúde dos motoristas. Na capital fluminense, o condutor que invadiu o calçadão de Copacabana com seu carro, atropelando 17 pessoas e matando um bebê de 8 meses, afirmou ter tido uma crise de epilepsia. No DF, a polícia averigua se a motorista que atropelou e matou um casal no Lago Norte estava com problemas de hipoglicemia na hora do acidente.

Essas possibilidades levantam a dúvida sobre o que diz a legislação de trânsito a respeito de condutores com problemas crônicos de saúde. Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), alterações no estado físico e mental de um condutor de veículos afetam diretamente a capacidade de dirigir com segurança e devem ser avaliados caso a caso no momento de tirar a carteira nacional de habilitação (CNH).

Os principais fatores que devem ser observados são deficiência visual, motora ou auditiva, doenças neurológicas e fatores psicológicos de risco. No caso específico da epilepsia, não é proibido que a pessoa tire ou renove a habilitação. No entanto, o condutor precisa estar há um ano sem crise convulsiva e demonstrar estar em acompanhamento neurológico (leia mais no quadro abaixo).

De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a avaliação sobre as condições físicas e mentais para que uma pessoa possa dirigir ocorre no ato da realização do exame de aptidão física e mental (EAFM), e o profissional que possui competência para avaliar cada caso é um médico perito.

O departamento esclarece que casos de acidentes que envolvam feridos ou mortos e sejam resultados de alguma alteração de saúde ; seja mental, psicológica, neurológica ou motora ; devem ser analisados por meio de perícia, caso a caso pela Justiça ou pela polícia, para especificar se são eventuais crimes dolosos (quando há intenção de matar) ou culposos (quando não há intenção de matar).


Há pena por omitir condição


Para Rita Moura, médica especialista em medicina de tráfego e diretora da Abramet, o maior problema é quando a pessoa omite problemas de saúde graves no ato da avaliação médica. ;O exame segue um padrão, por meio de um questionário formulado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e, assim, o médico tem ciência se o candidato está apto ou não para retirar a CNH. Porém, esbarramos no problema de muitos omitirem fatores de risco que podem gerar acidentes de trânsito;, diz. Prestar declaração falsa constitui crime previsto no artigo 299, do Código Penal Brasileiro. A pena é reclusão de um a três anos e multa.

;Durante a avaliação, seguimos o questionário básico, observamos o comportamento da pessoa e avaliamos se ela está apta. Caso seja relatada alguma situação mais grave de saúde, é necessário um laudo de especialista para comprovar se ela pode dirigir ou não. E, enquanto esse laudo não chega, ela pode ficar inapta a conduzir o veículo;, acrescenta.

Segundo Paulo César Marquez, professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília, cada caso deve ser investigado em suas particularidades, mas não isenta a responsabilidade do condutor. "Caberá a outras instâncias julgar e investigar cada situação. O máximo que pode acontecer é atenuar a responsabilidade do condutor, caso seja comprovada uma doença", explica.

Marquez orienta que a população se conscientize sobre os riscos de dirigir com alguma alteração física ou mental ou até mesmo sob efeito de algum medicamento. "É uma situação muito difícil de ser fiscalizada. Portanto, cabe ao condutor ter responsabilidade suficiente para não assumir a direção em casos de risco. Essa atitude garante a segurança de todos", diz.


O que diz a lei de trânsito sobre algumas doenças


Epilepsia

Segundo a Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), pessoas com a condição devem ser analisadas caso a caso, já que há diferentes tipos de evolução e gravidade clínica da doença. Segundo o órgão, a princípio a epilepsia e o fato de usar medicamentos antiepilépticos não incompatibiliza o cidadão à direção de veículos, salvo se o quadro não estiver controlado, sujeitando-o a frequentes crises. Pessoas com intervalos curtos entre as crises não devem dirigir e aquelas com longos intervalos entre as crises podem ser consideradas capazes de dirigir com segurança.

Já para quem estiver em retirada de medicação, a resolução n; 425/2012, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), explica que este deverá apresentar comprovação de que não é portador de epilepsia mioclônica juvenil, estar, no mínimo, há dois anos sem crise, ter retirado a medicação há, no mínimo, seis meses e apresentar o parecer favorável de um médico assistente. Caso contrário, estará inapto temporariamente ou inapto.

Nesses casos, mesmo que a pessoa seja considerada apta, estará adequada para a direção somente de veículos da categoria B. Além disso, fica a critério do médico orientar uma possível diminuição do prazo de validade da CNH, na primeira habilitação. Também é necessário repetir sempre os exames nas renovações da CNH. O prazo de validade poderá ser normal a partir da primeira renovação para os candidatos que estão em esquema de retirada do medicamento antiepiléptico.

Daltonismo e outros problemas de visão

Há testes de acuidade visual e campo visual que devem cumprir as exigências básicas previstas na resolução. Assim, o candidato deve possuir condições consideradas normais de visão periférica e visão central.

Os valores exigidos poderão ser obtidos sem ou com correção ótica, devendo-se, nesse último caso, constar na CNH a observação "obrigatório o uso de lentes corretoras". As lentes intraoculares não estão enquadradas nessa obrigatoriedade.

Portadores de estrabismo poderão ser aprovados somente para Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC) e nas categorias A e B, seguindo os parâmetros básicos exigidos.

Candidatos à direção de veículos também devem ser capazes de identificar as luzes semafóricas em posição padronizado, prevista no Código de Trânsito Brasileiro. Ou seja, daltônicos podem obter a CNH, desde que estejam nessas condições.

Diabetes

Na resolução do Contran, não há orientação legal para que o portador de diabetes não conduza veículos. O candidato deve citar essa condição apenas no questionário aplicado pelo examinador. Porém, a Sociedade Brasileira de Diabetes alerta que o indivíduo deve manter os níveis da normalidade e o controle glicêmico para garantir a segurança no trânsito. Um diabético controlado não apresenta maior risco na direção de veículos.

Incapacidade auditiva

O candidato fará testes de audição, sem auxílio, em local silencioso, a uma distância de dois metros do examinador. No caso de reprovação, o examinador solicitará a realização de audiometria, que deverá ser feita por algum especialista.

Será considerada inapta temporariamente a pessoa que apresentar perda auditiva igual ou superior a 40 decibéis no melhor ouvido. Este também deverá ser encaminhado a um especialista para avaliação complementar espeífica.

Tonturas

Caso a pessoa responda positivamente sobre ser portador de tonturas e/ou vertigens, o examinador deverá pedir exames otoneurológicos para avaliar a condição de segurança para a direção.

Problemas cardíacos

Deverá ser avaliada a pressão arterial e realizadas auscultas cardíaca e pulmonar. Assim, será considerado inapto temporariamente o candidato que apresentar valor da pressão arterial sistólica igual ou superior a 180mmHg e/ou diastólica igual ou superior a 110mmHg.

Lembrando que, nesses casos, o examinador poderá considerar relatórios comprovadamente emitidos por algum médico assistente que relatem o uso de medicação de pressão.

Quem é portador de doença cardiovascular capaz de causar perda de consciência ou insuficiência cardíaca deverá ser avaliado, observando-se o consenso estabelecido pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).

Distúrbios de sono

São analisadas síndromes de apneia obstrutiva do sono. Caso o candidato apresente valores de referência alterados também pode ser considerado inapto, a critério do médico ou ser encaminhado a um especialista.

Avaliação psicológica

Todos deverão seguir uma série de condições para obter a habilitação. Entre elas, serão analisadas itens como a capacidade de tomada de informação, processamento de informação, tomada de decisão, comportamento e os traços de personalidade.

Os itens contidos no roteiro de entrevista psicológica deverão seguir as normas e legislações estabelecidas pelo Conselho Federal de Psicologia.

Além disso, o questionário indaga se o cidadão toma algum remédio, se tem deficiência física, se já sofreu tonturas, desmaios, convulsões ou vertigens, se já necessitou de tratamento psiquiátrico, se possui diabetes, epilepsia, doença cardíaca, neurológica, pulmonar, se já foi operado, se faz uso de drogas ilícitas e se faz uso não moderado de álcool.

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