Cidades

Correio revela relação entre a exploração sexual e o uso de entorpecentes

;

postado em 26/09/2008 07:47
Exploração sexual na Rodoviária tem relação com droga
Rafaela, de 15 anos, está constantemente drogada. Fuma crack antes de ir para o viaduto localizado ao lado do Conic. Lá, é abordada por homens interessados em sexo. O pouco dinheiro que recebe é todo usado no sustento do vício e acaba nas mãos de traficantes que fazem ponto na própria rodoviária. É o mesmo dinheiro que alimenta o vício de meninos e meninas de rua no centro da capital do país. O consumo de drogas ocorre à luz do dia. Na última segunda-feira, quando a reportagem do Correio esteve na rodoviária, adolescentes estavam reunidos do lado norte da plataforma inferior para cheirar cola. O relógio marcava 17h. Como boa parte dos meninos de rua, assim que recebe os trocados da madrugada, Rafaela compra mais droga. Por isso, está sempre com fome e com a mesma muda de roupa. ;Só vou para a pista noiada. Se não for assim, não dá para transar com ninguém;, resume a adolescente. Estar noiada é o mesmo que transtornada pelo uso da droga. Essa alucinação voluntária é fundamental para que a adolescente agüente a tortura que é a exploração sexual. ;Tem menina que diz que gosta do programa às vezes. Eu nunca gostei.; Nas duas vezes em que falou com a reportagem do Correio, uma delas no fim da manhã de segunda-feira, ela havia consumido crack. Em vários momentos, as palavras se perdiam no meio do relato, indicando falta de concentração. Mas o que mais chamava a atenção eram as marcas do uso do crack na menina. O rosto frágil estava cheio de queimaduras, principalmente ao redor dos lábios já inchados devido à quantidade de machucados provocados pelo cachimbo feito de latinha de refrigerante. O crack é apenas uma das drogas usadas por Rafaela, que veio de Tocantins há menos de um ano e desde então mora na rodoviária e é vítima de exploração sexual. Assim como os parceiros de rua, ela consome o que aparecer. Mas faz questão de ressaltar que existem preferências. Se um abusador oferece ecstasy ou cocaína durante o programa, ela e boa parte das adolescentes nem cobram pelo sexo. ;Eles dão ecstasy para a gente porque aí eles conseguem qualquer coisa e a gente nem se lembra;, resume Rafaela. Solvente e álcool No caso dos meninos, além do crack, o que mais faz a cabeça são o solvente e o álcool. Iuri, também de 15 anos, entra nos carros dos exploradores que oferecem cachaça. O menino bebe todos os dias e está quase sempre alcoolizado e ;noiado; pelo crack. ;Gosto de usar essas coisas porque não sinto frio e nem medo;, comenta. Iuri é de Santo Antônio do Descoberto (GO) e está ameaçado de morte pelos traficantes que fazem ponto no Setor Bancário Sul. O menino, que vive à margem das leis de proteção da infância, sabe que a regra das ruas é cumprida ao pé da letra. ;Recebo 10 pedras dos caras. São nove para vender e uma para mim;, conta. O problema é que, em um dia sem movimento, o menino não resistiu e acabou usando a cota do traficante. ;Saio com os homens para arranjar dinheiro. Ou eu pago ou eu apanho até... sei lá.; A relação das drogas com a rua é cruel. ;Já fui para a pista obrigada por traficantes que escolheram até o carro em que eu devia entrar;, diz Tatiana, de 16 anos. Nesse dia, o explorador percebeu que a garota entrou obrigada e pagou ainda menos. Em vez dos R$ 15, ela recebeu R$ 5. A adolescente tem medo de uma traficante que já foi como ela. O medo impediu, inclusive, que ela falasse o nome da mulher que, antes de vender drogas, foi abusada e explorada sexualmente. ;Melhor ficar quieta porque já rolou sujeira demais.; Tatiana é explorada sexualmente na rodoviária desde abril. Antes morava com a mãe e o padrasto em Águas Lindas (GO). Nunca tinha usado drogas e freqüentava a escola todos os dias. Depois de sofrer com a violência doméstica, fugiu e não voltou. ;Minha mãe já desistiu de mim porque gosta mais do marido dela;, conta. A violência sexual na família ou nas proximidades de casa é um dos motivos para que as meninas e meninos fujam rumo à rodoviária em busca de uma falsa liberdade. Há dois dias, o Correio denuncia histórias como a de Tatiana, Iuri e Rafaela. São meninos e meninas que sofrem na mão de pedófilos no coração de Brasília por R$ 3 ou R$ 10. Na primeira reportagem, o jornal contou a violência praticada contra crianças com menos de 10 anos. As meninas vendem balas e chicletes e acabam fazendo sexo oral em homens que trabalham no local ou usam a rodoviária diariamente. Na segunda matéria, o Correio contou o sofrimento de meninos com idades entre 14 e 17 anos que sofrem com o abuso e a exploração sexual em troca de comida, roupas ou poucos reais. *O nome de todos os personagens foi trocado em respeito à proteção dos direitos das crianças e adolescentes ;Só vou para a pista noiada. Se for diferente, não dá para transar com ninguém Eles dão ecstasy para a gente porque aí eles conseguem qualquer coisa e a gente nem lembra Gosto de usar essas coisas (drogas) porque não sinto frio e nem medo Saio com os homens para arranjar o dinheiro dos traficantes. Ou eu pago ou eu apanho muito Melhor eu ficar quieta porque já rolou sujeira demais; Legislação Constituição Federal Art. 227 ; É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Para saber mais, consulte www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/principal.htm Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Art. 5º ; Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 18 ; É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Art. 82 ; É proibida a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsável. Art.130 ; Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. Art. 240 ; Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003) Art. 241 ; Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. Art. 244-A ; Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual. Art. 245 ; Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maustratos contra criança ou adolescente: Art. 250 ; Hospedar criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável ou sem autorização escrita destes, ou da autoridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere. Lei dos Crimes Hediondos Com a Lei 8.072, de 25/07/90, o estupro e o atentado violento ao pudor passaram a ser considerados crimes hediondos e tiveram as penas aumentadas. Os autores não têm direito a fiança, indulto ou diminuição de pena por bom comportamento. Os crimes são classificados de hediondos sempre que se revestem de excepcional gravidade, evidenciam insensibilidade ao sofrimento físico ou moral da vítima ou a condições especiais das mesmas (crianças, deficientes físicos, idosos). Para saber mais, acesse www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8072.htm Lei da Tortura A Lei 9.455, de 1997, considera crime de tortura, entre outros, ;submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo;. No caso da vítima ser criança a pena pode ser aumentada de um sexto até um terço, de acordo com o dispositivo. Para saber mais, acesse www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9455.htm Código Penal O ECA contém vários artigos relacionados à proteção das crianças e adolescentes contra a Exploração Sexual, mas é o Código Penal que tipifica estes crimes e estabelece as penalidades. De acordo com o Código, são crimes sexuais no Brasil*: Estupro Art. 213 ; ;Constranger à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça;. Por conjunção carnal entende-se a penetração do pênis na vagina, completa ou não, com ou sem ejaculação. Assim, o estupro é um crime que só pode ser praticado por um homem contra uma mulher, incluídas, nesse caso, meninas e adolescentes. Pena: reclusão de 6 a 10 anos. Atentado violento ao pudor Art. 214 ; ;Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal;. Pena: reclusão de 6 a 10 anos. Corrupção de menores Art. 218 ; ;Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 e menor de 18 anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo- a a praticá-lo ou presenciá-lo;. Pena: reclusão de 1 a 4 anos. Favorecimento da prostituição Art. 228 ; ;Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone;. Pena: reclusão de 2 a 5 anos. Casa de prostituição Art. 229 ; ;Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso;. Pena: reclusão de 2 a 5 anos e multa. Rufianismo Art. 230 ; ;Tirar proveito da prostituição alheia, participando de seus lucros ou fazendo- se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça;. Pena: reclusão de 1 a 4 anos e multa. Tráfico de mulheres Art. 231 ; ;Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha a exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro;. Pena: reclusão de 3 a 8 anos. Pornografia Art. 234 ; ;Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio ou distribuição ou de qualquer exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno;. Pena: detenção de 6 meses a 2 anos ou multa. *Todos esses crimes são ainda mais graves quando praticados contra crianças e adolescentes com idade menor que 14 anos, pois fica configurada situação de violência presumida, de acordo com o Art. 224 do Código Penal. Para saber mais sobre o Código Penal, acesse www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm Fonte: III Congresso Mundial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação