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Leishmaniose: cachorros no corredor da morte

Exames realizados entre janeiro e agosto indicam que 30% dos cães avaliados em Sobradinho, Lago Norte e Varjão estão contaminados. Ministério recomenda sacrifício para evitar quarto caso do ano em humanos

postado em 15/11/2008 09:00
Bruce Dickson é o xodó da família Santoro. Mas o cão da raça daschund, de apenas um ano, começou a apresentar sintomas da leishmaniose. As unhas crescem rapidamente, os pêlos caem em excesso e Bruce está inchado. Com medo, a bancária Valéria Santoro, 29 anos, procurou a Gerência de Zoonoses ontem à tarde. ;Eles sugeriram que eu sacrificasse o meu cachorro;, contou Valéria entre lágrimas. O exame que vai revelar se Bruce está ou não contaminado pelo protozoário Leishmania fica pronto na quarta-feira. ;Mas já me informaram que, pelos sintomas, tudo indica que ele está doente;, acrescenta a moradora da QI 8 do Lago Norte. A preocupação de Valéria não é em vão. A Secretaria de Saúde já registrou três casos de leishmaniose em humanos em 2008. Não houve mortes, mas foi o suficiente para que o governo abrisse guerra contra a doença. O cão é hospedeiro e se o animal for picado pelo mosquito transmissor, o mal pode chegar ao ser humano. Um levantamento realizado de janeiro a agosto deste ano em Sobradinho, Lago Norte e Varjão mostrou que, dos 6.510 cães analisados no período, 1.953 estavam contaminados. Valéria Santoro é mãe de Carlos Eduardo, um menino de nove anos apaixonado por Bruce. ;Morro de medo de que meu filho pegue a doença, mas ao mesmo tempo tenho pena de sacrificar o cachorro;, conta a bancária. Depois de receber a notícia do técnico da Zoonoses, Valéria ligou para amigos e correu para o consultório veterinário. ;É uma absurdo eles sugerirem o sacrifício antes mesmo de o exame ficar pronto;, reclama o amigo da bancária, Sidney Kronemberger, que a acompanhou durante a consulta. Sacrifício Pelas normas técnicas do Ministério da Saúde, todos os cães que apresentarem resultado positivo ao exame de leishmaniose devem ser sacrificados para evitar novos casos da doença em humanos. Os três registros da doença em humanos foram na região de Sobradinho. O inquérito sobre a situação dos cães foi estendido até o Lago Norte porque muitos dos moradores da Fercal e da Vila Rabelo, em Sobradinho, viviam antes no Varjão. O Ministério Público do DF teme que o alto número de registros em animais se transforme em um risco à saúde pública. O promotor de Defesa dos Direitos dos Usuários do Sistema Único de Saúde, Jairo Bisol, convocou representantes da Secretaria do Saúde do DF a darem explicações sobre as medidas para conter o avanço da leishmaniose em cães e, principalmente, em humanos. Na próxima terça-feira, o promotor vai se reunir com técnicos da Vigilância Ambiental e da Vigilância Epidemiológica para saber a estratégia do governo para enfrentar o problema. Jairo Bisol não tem dúvidas de que a situação é preocupante. ;A Secretaria de Saúde tem técnicos de alta qualidade, mas temos informações de que faltam equipamentos, carros e pessoal de apoio para o trabalho de combate ao vetor e para examinar os cães com suspeita da doença;, justifica Bisol. ;É preciso fazer um combate ostensivo ao mosquito que transmite a leishmaniose. Queremos saber que medidas o governo tomou e vai tomar para evitar novos casos;, acrescenta o promotor. Moradores em estado de alerta No Lago Norte, onde existem cerca de 5 mil cães, os donos de animais estão com medo da leishmaniose e com receio de terem de sacrificar os bichos. A medida radical preconizada pelo Ministério da Saúde é seguida pela Secretaria de Saúde. Veterinários defendem que os cachorros doentes podem ser tratados, mas os técnicos do governo garantem que o tratamento não é eficaz para excluir totalmente o risco de transmissão da doença. A Secretaria de Saúde já sacrificou cães doentes este ano, mas não informa o total de mortes. A subsecretária de Vigilância à Saúde, Disney Antezana, explica que o inquérito sorológico canino é realizado sempre que são registrados casos humanos da leishmaniose. ;Quando o exame dá positivo, entramos em contato com os donos para orientar sobre o que deve ser feito;, explica Disney. Ela reconhece a dificuldade em convencer as pessoas a entregarem os animais para sacrifício. ;É complicado, principalmente nos casos em que o animal não tem sintomas. Mas independentemente do estado clínico, a recomendação é para o sacrifício, já que o cachorro tem um reservatório da Leishmania;, justifica. Campanha A Sociedade Protetora dos Animais do DF (Pro-Anima) está fazendo uma campanha entre os moradores do Lago Norte. A entidade é contra o sacrifício de cães, mesmo depois da confirmação da doença. ;Uma das nossas campanhas é para exigir mudanças na política pública de controle da leishmaniose;, diz a diretora-geral da Pro-Anima, Marina Corbucci. Ela argumenta que o governo deveria focar esforços no combate ao vetor, em vez de exterminar os cães doentes. ;Estamos distribuindo folhetos em todas as casas do Lago Norte. Nossa orientação é que, em caso de exame positivo, o dono faça contraprova com veterinário particular. Matar um animal sadio ou passível de tratamento é assassinato;, reclama Marina. A subsecretária de Vigilância à Saúde, Disney Antezana, explica que o combate ao vetor, com aplicação de inseticida, é feito somente em regiões onde há registros de casos em humanos. O procedimento foi realizado na região de Sobradinho. ;Atualmente, estão sendo feitas recomendações de medidas ambientais. Os técnicos explicam o que fazer para reduzir a possibilidade de aparecimento do vetor;, explica Disney. O veterinário Cássio Ricardo Ribeiro, que fez uma tese de doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre leishmaniose, também é contra o sacrifício. ;Tenho que prezar pela saúde pública, mas não posso culpar um cachorro pela irresponsabilidade do governo. Existem inúmeros trabalhos que comprovam que um tratamento adequado salva de 60% a 80% dos cães;, ressalta o especialista.

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