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Varjão, um endereço cobiçado

Com as obras de infraestrutura e outras melhorias, a antiga invasão, que fica a 10km do Plano Piloto, virou alvo de especulação imobiliária. Muitos estão deixando o lugar, que ficou mais valorizado

postado em 01/01/2009 09:00
As obras de infraestrutura e urbanização realizadas no último ano no Varjão tiveram efeito contrário ao esperado. Em vez de fixar os moradores na antiga invasão, abriram brechas para o crescimento da especulação imobiliária. Em uma visita ao local, é possível ver dezenas de terrenos e casas com faixas de ;vende-se; penduradas em muros e grades. Com localização privilegiada ; a cerca de 10km do centro de Brasília ; o Varjão virou ponto disputado por pessoas de fora da cidade. Os terrenos têm em média 160 metros quadrados e, apesar de não possuir escritura, estão sendo negociados por preços entre R$ 70 mil e R$ 150 mil. O valor depende do tamanho e da qualidade das casas construídas. Os interessados na compra são pessoas de classe média e alta de outras cidades, inclusive do vizinho Lago Norte. De acordo com pessoas que agem como corretores informais, até moradores de Anapólis e Luziânia, em Goiás, estão visitando o Varjão para realizar possíveis investimentos. Moradora da Quadra 8, a dona-de-casa Antônia Silva do Nascimento, 69 anos, está vendendo o sobrado de quatro quartos onde vive por R$ 135 mil. Ela afirma que pretende usar o dinheiro para voltar para a terra natal, a cidade de Barra de Santa Rosa, na Paraíba. ;Criei meus seis filhos aqui. Agora, eles estão casados e chegou a minha hora de descansar;, relata. Filho de dona Antônia, Jailson Silva do Nascimento, 36 anos, pede R$ 100 mil por uma casa de 90 metros quadrados na mesma quadra. ;O negócio está quase fechado com um empresário do Lago Norte;, afirma Jailson, que está desempregado e pretende acompanhar a mãe na viagem de volta à Paraíba. Na mesma Quadra 8, a aposentada Emília de Souza Oliveira, 54 anos, vive em um barraco de madeira que foi avaliado em R$ 70 mil. Uma faixa instalada em frente à casa do irmão de Emília, na Avenida Central, indica que o lote está à venda. Mas a aposentada garante à reportagem que desistiu do negócio. ;Queria vender porque não tenho dinheiro para construir. Mas vou esperar até que venha alguma ajuda do governo;, afirma Emília, que mora há 16 anos no local. Saída em massa O Varjão tem cerca de 9 mil habitantes. De acordo com o presidente da Associação de Moradores, José Maria Martins dos Santos, 33 anos, cerca de 40% deles não pertencem à comunidade original que brigou pela fixação no local. São pessoas que chegaram nos últimos cinco anos por conta da valorização do lugar. ;Não sou contra os imigrantes. São pessoas que vêm trabalhar pela cidade;, afirma José Martins dos Santos, que mudou-se para o Varjão na década de 1990. A cidade nasceu no início dos anos 80 como uma pequena invasão. A maioria dos moradores trabalhava em funções domésticas em casas do Lago Norte. De lá para cá, a população conseguiu asfalto, escola, polícia, posto de saúde e praças. As escrituras são esperadas ainda este ano. ;As ruas estão sendo asfaltadas, a criminalidade diminui, a cidade melhorou. Isso está atraindo gente de todos os lados;, afirma Luiza Werneck, administradora do Varjão. Para ela, entretanto, o êxodo da população original é encarado com lamentação. ;Eles lutaram por melhorias e agora estão cedendo à especulação imobiliária. Meu medo é que não consigam se estabelecer no DF ou que voltem a invadir;, afirma. Dona Dilva de Sousa, 60 anos, chegou quando o Varjão ainda era cerrado. ;Estou aqui há 32 anos, vi esta cidade nascer;, afirma a baiana. Ela recorda as constantes retiradas que afligiram a população no período. ;Era a gente construir e os fiscais derrubarem. Eu mesma já vivi em seis casas diferentes aqui;, lembra. Na parte mais alta da cidade, a casa de três quartos de Dilva está à venda por R$ 90 mil e tem vista para o Lago Norte. ;Não quero ir embora. Mas vou usar o dinheiro para comprar um lote lá embaixo.; Na opinião dela, a construção de um shopping center de luxo no bairro vizinho vai valorizar ainda mais a antiga invasão. Negócio irregular Os moradores do Varjão possuem apenas termos de concessão de uso, portanto a venda de lotes e casas na região é irregular. O negócio tem sido feito com contratos de gaveta, nos quais os assentados se comprometem a passar as escrituras para os compradores assim que elas sejam emitidas. A promessa é que os documentos denifitivos dos lotes saiam ainda no início do ano. Mas o governo pretende reagir com rigor ao processo de comercialização dos imóveis. O diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (CODHAB), Edo Antônio Ferreira de Freitas, afirma que tanto os assentados quanto os compradores terão prejuízos se realizarem este tipo de transação. ;É um negócio ilícito. O termo de concessão de uso não permite venda, transferência ou empréstimo;, esclarece o presidente da CODHAB. Segundo ele, os assentados que venderem não poderão receber lotes novamente no DF. Já os compradores terão de pagar outra vez pelos imóveis ao GDF. Para evitar o comércio de lotes que ainda estão em processo de regularização, o governo planeja ações de fiscalização em todo o DF. O expediente consiste em passar em casa por casa conferindo se o nome do morador bate com a lista daquele que foi assentado no local. Em caso de não conferência, os fiscais notificam o morador e comunicam o caso à CODHAB. ;Se o terreno não estiver com o assentado, faremos licitação para vendê-lo ao atual ocupante. Ou seja, as pessoas que pretendem se beneficiar serão obrigadas a pagar duas vezes;, garante Edo Antônio de Freitas. Em Samambaia, duas equipes do governo estão realizando ações de fiscalização nestes moldes. A ação se concentra na área de expansão da cidade, onde 800 lotes estão em processo de regularização. O presidente da CODHAB não soube informar quantas pessoas já foram apanhadas cometendo a irregularidade. ;Temos 100 mil pessoas aguardando a possibilidade de serem assentadas. Não é justo que os lotes sirvam para a especulação imobiliária;, afirma Edo Antônio de Freitas.

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