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Há 50 anos morria Bernardo Sayão, engenheiro que ajudou a construir Brasília

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postado em 15/01/2009 08:32
;Pela primeira vez na sua história, Brasília sustou a respiração, sentindo que lhe faltava ar nos pulmões. Havia tristeza e ansiedade. Respirava-se silêncio e consternação;. A frase de Juscelino Kubitschek lembra o único dia em que as obras da capital pararam, há exatos 50 anos. Do presidente ao operário, todos interromperam o trabalho quando souberam da morte do engenheiro Bernardo Sayão. Era 15 de janeiro de 1959 quando o rádio noticiou o acidente que tirou a vida de um dos primeiros diretores da Novacap. Uma árvore caiu na barraca de Sayão, durante as obras da estrada Belém/Brasília, em Açailândia (MA), e ele não resistiu. Sayão, que morreu aos 57 anos de idade, era responsável pela infraestrutura da capital ; redes de água, esgoto, luz, telefone, estradas, etc. Trabalhava lado a lado com os operários e não deixava a construção andar em marcha lenta. Por isso, fez-se questão que ele fosse enterrado em Brasília. O Cemitério Campo da Esperança, no fim da Asa Sul, teve de ser aberto em uma noite para receber o primeiro túmulo. O cortejo reuniu centenas de pessoas, que caminharam da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 Sul, até o cemitério. ;Aquilo para nós foi muito triste, todo mundo ficou abalado porque ele era quem comandava;, lembrou Francisco de Assis Coelho, 72 anos, que trabalhou como tratorista na Belém/Brasília. O acidente impediu o engenheiro de ver a inauguração de dois sonhos: Brasília e a rodovia que ligaria a cidade a Belém (PA). No fim dos anos 60, Sayão estava empenhado em colocar a estrada para funcionar. Faltando pouco mais de duas semanas para entregar a via, ele foi atingido pela árvore. Reza a lenda que o Curupira (figura do folclore brasileiro), irritado com o desmatamento, tenha provocado a morte do pioneiro. Outros creem que ele foi levado por tribos indígenas. Contemporâneos do engenheiro contam que ele não tinha pose de diretor, cargo que ocupava na Novacap. Gostava era de andar no mato e acompanhar os trabalhadores nas obras que comandava. ;Ele saía com a gente, chegava lá e ajudava a carregar o material. Era um homem forte, bom e popular;, lembrou o aposentado Antônio Macário da Silva, 78 anos, que trabalhou como operário na construção de estradas no DF. ;Uma vez, o motorista ficou com medo de atravessar uma ponte e o Sayão disse: ;Me dá o volante;. E atravessou. Ele fazia coisas demais, era um trabalhador;, comentou Francisco. O diretor não andava com segurança, terno ou sapato arrumado. ;Só usava calça de brim forte para aguentar o peso do campo;, disse o aposentado. Muitas vezes, ele acordava antes mesmo dos operários e os chamava para trabalhar. ;Sayão era dinâmico, as coisas com ele eram pra ontem. Trabalhávamos dia e noite. Ele era um desbravador e foi fazer a Belém/Brasília;, explicou o pioneiro Ernesto Silva, 94, que assumiu uma das diretorias da Novacap na mesma época de Sayão. Em família Bernardo Sayão se casou duas vezes e teve seis filhos. Os descendentes fixaram raízes em Brasília e hoje somam mais de 20, entre filhos, netos e bisnetos do engenheiro. Os frutos da família Sayão cresceram ouvindo histórias das aventuras do pioneiro a bordo de jipes, aviões e tratores no meio do cerrado. ;Ele saía de Goiânia, colocava os filhos no avião e os levava até Brasília para conhecer a obra;, lembrou um dos netos do engenheiro, Bernardo Sayão Neto, 34 anos, que seguiu a mesma profissão do avô. Era de avião que o pioneiro chegava aos lugares inóspitos das construções que encabeçava. Ele adaptava máquinas antigas para voar ; uma de suas invenções era um avião com freio de jipe. O meio de transporte também era usado pela família Sayão, que percorria o país para visitar o patriarca onde ele estivesse. Das lembranças do engenheiro, ficaram uma bússola, um cinto, facas e um tubo de carregar mapas. A fazenda de Alexânia (GO) deixada por Sayão hoje é cenário de encontros familiares e ainda preserva a represa construída por ele. Os seis filhos não herdaram o sobrenome Sayão, mas o passaram para os netos e bisnetos. Eles guardam algumas fotografias dos tempos da construção, mas a maior parte do acervo foi doada ao Arquivo Público do DF. Trajetória A trajetória de Sayão inclui o nascimento dos seis filhos. Léia e Laís vieram do primeiro casamento do engenheiro. Fernando é o primogênito da segunda união. Depois veio Bernardo, e, por último, Lia e Lílian. As duas últimas nasceram em Ceres, cidade de Goiás que até hoje se beneficia com o legado de Sayão. Durante o governo de Getúlio Vargas, Sayão ficou responsável por implantar o modelo de colônia agrícola em Goiás. A terra era doada a casais para incentivar a produção local. Além de organizar os lotes, Sayão construiu toda a infraestrutura do município. ;Ele tinha uma visão de mundo ampla: toda cidade tinha que ter cinema, igreja, salão de dança. Ele pensava em todos os aspectos. Criou uma hidrelétrica em Ceres que até hoje está lá;, comentou Bernardo Neto. O engenheiro organizou a mudança da família de Goiânia para Brasília em 1957. No ano seguinte, os filhos foram matriculados na escola de quatro salas de aula, no Núcleo Bandeirante, única opção dos filhos de migrantes na época. ;Morávamos em um acampamento de madeira na Candangolândia. O povo se perdia pra chegar no Congresso, parecia que era muito longe;, disse o aposentado Fernando Carvalho Araújo, 66 anos, filho de Sayão. Como diretor da Novacap, o engenheiro tinha direito de morar no Catetinho e dirigir um carro Chevrolet modelo rabo de peixe. Nenhuma das duas ofertas atraiu Sayão, que preferiu dividir acampamento com trabalhadores e andar de jipe pelo cerrado. ;Meu pai era um espetáculo;, emendou Fernando. SERVIÇO Missa de 50 anos da morte de Bernardo Sayão Hoje: às 18h30 Igreja Dom Bosco do Núcleo Bandeirante (antiga paróquia do Padre Roque) A partir das 17h30, uma exposição sobre o engenheiro poderá ser vista no local Amanhã: Lançamento da exposição Pioneiro Engenheiro Bernardo Sayão, promovida pelo Arquivo Público do DF, no saguão de desembarque do aeroporto (em cartaz até 2 de fevereiro) artigo A morte de Sayão Por Ernesto Silva Transcrevemos aqui trechos do depoimento do Presidente Kubitschek (;Por que construí Brasília;, Edições Bloch, 1975), sobre a morte de Bernardo Sayão Carvalho de Araújo, nosso companheiro de Diretoria da Novacap e líder da construção da estrada Brasília-Belém: ;1958 chegara ao fim. Olhando o caminho percorrido, cheguei à conclusão de que deveria estar satisfeito.; ;Contudo, são desconcertantes os desígnios da Providência. Em face de tão encorajadores acontecimentos, eis que, logo no início de 1959, um fato trágico enluta toda a Nação: a morte de Bernardo Sayão, em 15 de janeiro de 1959.; ;Vi-o pela última vez, dois meses antes. Foi em Imperatriz, por ocasião de uma viagem de inspeção.; ;Uma semana antes de 15 de janeiro, Sayão enviara um bilhete ao acampamento de Açailândia, dizendo: ;Se não mandarem mantimentos, estamos com os dias contados'. Um avião Cessna sobrevoava a frente de trabalho, e, dele, caíram os pára-quedas com os mantimentos pedidos.; ;Ameaçado de morrer de fome, Bernardo Sayão pensava, com determinação, na construção do campo de pouso. Era o objetivo imediato, importante, porque o presidente da República deveria ali descer no dia 31 de janeiro. Tudo ficara combinado, quando nos avistamos, pela última vez, em Imperatriz.; ;Enquanto as árvores eram derrubadas, ele, Gilberto Salgueiro e Jorge Dias discutiam debaixo da barraca. Gilberto saiu, por um momento, para conferir uma informação. Nesse momento, ouviu-se um estrondo. ;A árvore! a Árvore!’ ; gritaram os trabalhadores.; ;De súbito, sua figura hercúlea destacara-se entre a galharia deitada. Estava de pé. Mas mortalmente ferido. Uma enorme fratura exposta na perna esquerda e o braço do mesmo lado esmigalhado.; ;Pela primeira vez na sua história, Brasília sustou a respiração, sentindo que lhe faltava ar nos pulmões. Havia tristeza e ansiedade. Respirava-se silêncio e constenação.; ;Mais de uma vez, ele me disse: no dia em que a Belém-Brasília estiver concluída, posso partir para sempre. Não viveu para assistir a esse espetáculo. Mas deixou tudo pronto, para que a cerimônia se realizasse na data marcada.; Pioneiro e ex-diretor da Novacap

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