Cidades

Artigo: a nova praça para Brasília

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postado em 25/01/2009 07:00
O projeto que elaborei de uma nova praça para Brasília criou tamanha polêmica que resolvi defendê-lo de uma maneira mais detalhada e convincente. Não vou aos jornais em que alguns, alheios aos assuntos da arquitetura e do urbanismo, vêm a público e, sem dizer nada de novo, participam do debate em curso. Se eles fossem mais informados das modificações que ocorrem em todas as grandes cidades, não se envolveriam certamente na discussão que surge sobre a praça por mim proposta para Brasília. Deveriam saber que todas as metrópoles mundiais vêm sofrendo mudanças que se justificam, impossíveis de conter. Estariam cientes das grandes avenidas que Haussmann criou em Paris como coisa inevitável, e, mais ainda, compreenderiam que, se o seu plano urbanístico original fosse mantido, não existiriam nem os Champs Elysées nem o Arco do Triunfo. Saberiam que foi necessário, nessa capital, demolir algumas construções para se erguer o Jardim das Tulherias. E, na Espanha, valeria considerar o caso de Barcelona, a cidade a se modificar, procurando a aproximação do mar por todos desejada. Até Nova York poderia servir de exemplo, com seus arranha-céus a dominarem a cidade ;horizontal; que antes existia. E, no Rio de Janeiro, deveria ser lembrada uma solução que uma cidade tombada não permitiria: derrubando morros e prédios, com o objetivo de abrir uma grande avenida, o prefeito Pereira Passos propôs uma reforma que até Le Corbusier elogiou, entusiasmado, em sua passagem por esta capital. Ah, como são irrecusáveis e necessárias essas modificações que se impõem nas grandes cidades! Ainda se poderia recordar a influência que o urbanista Agache teve no Rio, propondo que os prédios construídos em pilotis no centro da cidade criassem um passeio coberto sobre as calçadas. Diante de tudo isso, me espanta a discussão levantada ao apresentar uma nova praça a ser construída em Brasília. Em minha última visita pude sentir, com clareza, a necessidade de se criar uma praça com escala compatível com a capital de um país que se faz tão admirado como o nosso. E é meu direito e obrigação concebê-la e propô-la. Vêm-me à memória as grandes praças que encontrei por toda a parte ; tão importantes e bonitas que, como acontece com todo o mundo, nunca as esqueci. E isso, apenas isso, constitui a minha preocupação de arquiteto. Recordo-me como refleti antes de projetar a nova praça: desde o início de Brasília a minha participação na aprovação do Plano Piloto foi tal que me senti mais à vontade para agir. E lembro o dia em que o colega presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil me procurou: disse-me que a ideia do instituto era interromper o concurso para o Plano Piloto, em andamento, que esse órgão é que deveria se incumbir do assunto. Ele havia estado com Israel Pinheiro, que, surpreso com essa proposta, lhe pediu que me procurasse. E a nossa conversa foi curta e definitiva, eu a lhe afirmar claramente que encontrariam todos os obstáculos da minha parte. E, recordando tudo isso, fico tranquilo e feliz: minha resistência contribuiu para que o concurso chegasse a termo e para que Lucio Costa tivesse recebido a missão de conceber o urbanismo da cidade. E para justificar a minha intervenção, fico a lembrar minha atuação durante esses anos em Brasília, inclusive o dia em que deixei o conforto de meu escritório do Rio, atendendo JK e indo passar meses seguidos naquele então fim de mundo. Por seu lado, tranquilizame sentir a maneira pouco comum com que eu hoje projeto os prédios de Brasília. Das importâncias recebidas fico apenas com a parte referente à concepção da arquitetura; o resto destina-se aos meus colegas escolhidos para o desenvolvimento dos projetos. E, pouco a pouco, fui constatando que eu, mais do que qualquer um, estava em condições de propor essa praça a meu ver importante para a capital do país. Lembro que, quando a discussão sobre esse projeto teve início, Maria Elisa Costa, filha de Lucio, veio ao meu escritório, espontaneamente, para me dizer que estava de acordo com a praça projetada, que em nada prejudicava o Plano Piloto, e dela não se ouviria nenhuma crítica sobre o meu trabalho. Agradava-me a maneira gentil como me procurara. Dois dias depois, ela me escreveu uma carta, comunicando, para surpresa minha, que mudara de idéia: em sua opinião, o prédio destinado ao Memorial dos Presidentes prejudicava visualmente a Rodoviária. É claro que a atitude correta que teve me procurando ainda me sensibiliza, mas o argumento apresentado não me parece razoável nem forte o bastante para justificar uma revisão no projeto: o Memorial dos Presidentes, que não é ideia minha, mas uma sugestão do próprio governo, está afastado da Rodoviária 400 metros, previsto em pilotis, permitindo a ligação direta que, como um passeio, se poderá fazer entre os dois edifícios; em nada prejudica a visibilidade do conjunto e, pelo contrário, só valoriza a Rodoviária, integrando-a como acesso mais importante à grande praça. A campanha contra o meu projeto parece continuar. Pessoas até então desconhecidas se permitem ainda falar sobre o assunto. A construção da praça, daqui para a frente, não é problema meu; ao governador do Distrito Federal, lúcido e competente como é, caberá resolvê-la. O que me importa como arquiteto é, desinteressado nas opiniões que surgem, defender de uma vez por todas um trabalho que, com tanto entusiasmo, realizei. Os que contestam qualquer modificação em Brasília, se fossem mais curiosos e interessados no que ocorre neste velho planeta, saberiam que um dia ; como os cientistas preveem ; as calotas polares poderão derreter mais rapidamente, elevando o nível dos oceanos a mais de dois metros. E aí, meus amigos, o que mais importa não é uma imposição como a que eu vinha comentando, mas a própria natureza a intervir em todas as áreas litorâneas, exigindo da arquitetura e do urbanismo as soluções indispensáveis. E vou mais longe. A degradação ambiental começa a se agravar, determinando um dia, quem sabe, que as grandes áreas abertas venham a ser arborizadas, e que as coberturas de concreto, previstas na maioria dos edifícios, sejam também transformadas em terraços-jardim cobertos de grama. E fico a refletir sobre o texto que acabo de escrever, certo de que a vida, o progresso humano e a própria ciência justificam as grandes modificações que a arquitetura e o urbanismo vêm propondo em toda a parte.

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