Cidades

Plantas do cerrado substituem florais de bach

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postado em 08/02/2009 13:18
O fruto amarelo do pequi tem um óleo rico em ômega 9, combate os radicais livres e controla o colesterol. A casca do barbatimão transforma-se em uma pomada anti-inflamatória. A pata-de-vaca é capaz de baixar o nível de glicose no sangue de quem é diabético. O bacupari pode se tornar um anticoncepcional masculino. Essas plantas e dezenas de outras são velhas conhecidas dos raizeiros que se aventuram nos campos de mato rasteiro e árvores retorcidas do cerrado em busca de espécies medicinais. Agora, eles têm a companhia de farmacêuticos, agrônomos, biólogos e botânicos, todos pesquisadores interessados em comprovar cientificamente o poder terapêutico de folhas, flores, frutos e cascas da plantação nativa de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Tocantins, parte do Pará, Piauí, Bahia e Distrito Federal, centro desse bioma que abriga mais de 10 mil espécies vegetais. De acordo com a Embrapa Cerrados, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a região é considerada um celeiro de produtos naturais para a fitoterapia ; o uso terapêutico de plantas. Recente pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) comprovou com teste em humanos o poder terapêutico do pequi. ;Hoje, nossas empresas farmacêuticas só manipulam princípios ativos importados. Futuramente, poderão também extrair essas substâncias de plantas do cerrado para doenças como malária;, acredita a farmacêutica Laila Salmen Espíndola, pesquisadora-chefe do Laboratório de Farmacognosia da UnB e responsável pela guarda de mais de 2 mil extratos secos de arbustos e árvores medicinais do cerrado. A COMPROVAÇÃO DA CIÊNCIA A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu o primeiro registro para um medicamento elaborado a partir de uma planta do cerrado. É a pomada Fitoscar, um produto da Apsen Farmacêutica, de São Paulo, composto de Stryphnodendron adstringens, conhecido como barbatimão. O remédio, segundo o registro na Anvisa, tem efeitos cicatrizante, anti-inflamatório e antimicrobiano. A pesquisa clínica foi realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto. Enquanto o laboratório não define a data de lançamento do medicamento, o assistente de laboratório da Embrapa Cerrados, o goiano José Ferreira Paixão é categórico: ;A infusão da casca do barbatimão é excelente para fazer compressas em machucados;, diz, enquanto corta uma lasca do caule da planta e mostra o líquido espesso que escorre do corte. ;Ninguém, porém, deve beber o chá. Ele é tóxico e pode trazer danos ao fígado;, alerta. Paixão, 54 anos, aprendeu a reconhecer o poder medicinal das plantas do cerrado com os pais, em casa. Nascido em Pirenopólis, criado em Niquelândia, e vivendo em Brasília desde 1978, ele conhece bem os campos de árvores retorcidas. ;Quando criança, tive malária e fui curado pelo meu pai com remédio de uma planta da mato. Dizem que a doença volta, mas nunca tive outra crise;, conta. Com o trabalho que realiza, aperfeiçoou os conhecimentos adquiridos com a família. ;Só uso remédio do mato e várias pessoas me procuram em busca de conselho. Digo o que sei, mas sempre alerto que tudo em excesso faz mal. Não sou médico.; Uma das plantas conhecidas por Paixão é a pata-de-vaca. Essa sim já conta com estudos científicos comprovando a eficácia para controlar os níveis de glicose no sangue. Pesquisadores do Laboratório de Farmacologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB) confirmaram o que o povo já sabia há dezenas de anos. O professor Francisco de Assis Rocha Neves, coordenador do laboratório, e o orientando Marlon Duarte da Costa verificaram em ensaios in vitro, realizados com células humanas, que o extrato da planta ativa o receptor PPAR-gama ; um potente estimulador da ação da insulina, o hormônio responsável pela entrada de glicose na célula. A má notícia para os diabéticos é que, além de facilitar a ação da insulina, o extrato da pata-de-vaca ativa outros receptores, como o estrógeno, que pode aumentar o risco de câncer de útero e mama, e o da transcrição genética, que pode alterar o funcionamento da renovação celular. Apesar do experimento ter sido feito com o extrato, Neves acredita que os efeitos nas células seriam os mesmos que com a ingestão do chá. Os estudos científicos ainda estão em andamento, mas Crista Schops, 84 anos, usa cápsulas com extrato seco dessa planta há vários anos para evitar a diabetes. ;Sou pré-diabética e meu médico receitou esse remédio. Mantenho a glicose sob controle desde então;, diz a bibliotecária médica aposentada da Secretaria de Saúde. Defensora ardorosa das plantas medicinais, Crista fala também com entusiasmo da espinheira santa, um fitoterápico para tratar úlcera e gastrite. ;Precisamos valorizar a nossa vegetação terapêutica;, diz. FUTURO PROMISSOR Várias universidades brasileiras vêm confirmando o poder medicinal das ervas do cerrado. Pesquisa realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, ligada à Universidade de São Paulo (USP), demonstrou a ação anti-inflamatória da dedaleira no tratamento da asma. Os cientistas pesquisaram o extrato bruto etanólico e o princípio ativo isolado da casca do caule da planta. O trabalho, publicado na revista científica European Journal of Pharmacology, tem sua origem na tese de doutorado do pesquisador Alexandre de Paula Rogério. Algumas espécies são indicadas para problemas de pele. É o caso da copaíba, manipulada na forma de sabonete, loções e cremes pela empresa brasiliense Farmacotécnica para o tratamento da acne. ;Elaboramos o produto com base em resultados de literatura científica;, diz Leandra Sá de Lima, farmacêutica responsável pela linha de tratamento. Um outro estudo, desenvolvido por um grupo da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás, comprovou que a raiz da mamacadela tem a substância Furocumarinas fotossensibilizantes. ;O principal uso terapêutico é para tratar o vitiligo. Também avaliamos e podemos dizer que a planta tem baixo poder tóxico;, afirma José Realino de Paula, que liderou a investigação. O bioma do Planalto Central também poderá ser útil para doenças negligenciadas pelos grandes laboratórios farmacêuticos, como leishmaniose, malária, dengue e doença de Chagas. Um dos resultados das investigações em andamento na UnB é a recente descoberta da capacidade do extrato das folhas de jitó de matar o parasita causador da leishmaniose cutânea ; a leishmania amazonense. O princípio ativo obtido a partir da planta é letal ao parasita, sem atacar as células dos tecidos humanos. Daqui também poderá sair, no futuro, a pílula do homem. Com financiamento do Ministério da Saúde, a farmacêutica Renata Mazaro e Costa, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás, estuda o poder anticoncepcional de três plantas do cerrado. Entre elas está o bacupari. ;O princípio ativo demonstrou resultados interessantes para o controle da reprodução masculina. Observamos uma redução de 30% na produção espermática dos ratos expostos ao extrato dessa planta;, informa a pesquisadora. Segundo ela, os estudos estão em fase final, falta avaliar as alterações hormonais provocadas nos animais em laboratório. Enquanto cientistas fazem contato com os raizeiros e depois se trancam nos laboratórios em busca de novos medicamentos, farmacêuticos e pesquisadores ouvidos pelo Correio pedem cautela no uso dessas plantas. ;Ainda há poucas pesquisas clínicas em humanos;, alerta a doutora Laila Salmen Espíndola. Porém, há esperanças. O Ministério da Saúde reativou o programa de pesquisas em plantas fitoterápicas e deve aumentar os estudos com vegetação do Planalto Central. Das 74 plantas reconhecidas como medicinais pela Anvisa, ainda não consta nenhuma do cerrado. A pomada à base de barbatimão aprovada pela Anvisa é um medicamento alopático.

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