Cidades

Filas para adoção têm mais interessados do que crianças

Quantidade de interessados em adotar um filho é 2,5 vezes maior do que a de crianças disponíveis. O problema é o perfil imaginado: distante da realidade da Vara da Infância

postado em 24/05/2009 08:14
No Brasil existem duas filas que não se encontram. A de homens e mulheres que sonham ter um filho e a de meninos e meninas que vivem em abrigos à espera de alguém a quem possam chamar de papai e mamãe. Quando se cruzam, as histórias se transformam. Mas leva tempo até que isso ocorra. A união de vidas forjadas por encontros e desencontros exige amor incondicional e grandeza de espírito. No Distrito Federal, a proporção é de 2,5 pretendentes para cada criança ou adolescente disponível para adoção. Ao contrário do que o senso comum pode sugerir, não é a burocracia ou a lentidão da Justiça que mantém os meninos e meninas nos abrigos, mas a expectativa dos pais em relação aos futuros filhos. Das 412 famílias habilitadas pela Justiça para acolher uma das 166 crianças e adolescentes, 390 (94,6%) querem uma que tenha até 2 anos, de cor branca ou morena clara e saudável. A realidade de quem vive em abrigos e sonha com um lar, contudo, é distinta. Dos 166 meninos e meninas disponíveis para adoção, 152 (91,5%) têm mais de 5 anos. ;O perfil de criança desejado é excludente porque não corresponde à realidade daquelas disponíveis para adoção;, afirma o coordenador da Sessão de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e Juventude, Walter Gomes de Sousa. Segundo ele, a maioria dos meninos e meninas é negra, tem mais de 2 anos e faz parte de grupos de irmãos. Alguns têm problemas de saúde. ;As famílias fantasiam uma criança. Elas não as veem como sujeito de direitos, mas como um objeto estético que vai suprir uma carência, um capricho, um desejo;, constata Walter. Não se trata, porém, de julgar ou criticar aqueles que elegem crianças com este perfil. ;Não podemos crucificá-los. Eles têm o direito de idealizar e de querer vivenciar essas etapas da vida das crianças;, destaca Vicente Faleiros, professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília e da Universidade Católica. O desafio, segundo ele, é muito maior e mais nobre. É preciso mudar a cultura de adoção no país. Sensibilizar quem está disposto a formar uma família de que o amor e a relação entre pais e filhos também são possíveis independentemente da idade, da cor da pele ou do sexo da criança. E quanto menores forem as restrições impostas pelos pretendentes, mais rápido eles terão a chance de completar a família. Sonho realizado O encontro das irmãs Vitória, 8 anos, e Rosilene, 7, com os pais adotivos, Vivian e Milton, mostra que amor também nasce a partir da adoção tardia ; aquela em que a criança tem mais de 2 anos. A impossibilidade de Vivian gerar um filho biológico fez com que Milton, pai de seis filhos em dois casamentos, propusesse a adoção. Assim como a maioria dos casais, eles tinham um perfil na cabeça: queriam uma menina com, no máximo, 3 anos. Na primeira palestra, mudaram de ideia. ;Caímos na realidade. Ampliamos a idade das crianças para até 6 anos e aceitamos acolher irmãos;, relembra Milton. Três meses depois da inscrição, o casal entrou na lista de espera. Certo dia, os dois foram chamados para conhecer a história de um casal de irmãos. ;Quando os vi não bateu, sabe? Mas me apaixonei por duas meninas. Quando saímos do abrigo, falei para o Milton: se fossem aquelas garotinhas, eu não pensaria duas vezes;, conta Vivian. A Justiça ainda tentava reintegrar as meninas à família biológica, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por isso, elas não estavam disponíveis para adoção. Meses depois, Milton recebeu novo telefonema. Queriam apresentar a ele o processo de duas crianças. Ao ler o documento, Milton quis conhecê-las. ;Eu não aguentei de emoção. Meus olhos ficaram cheios de lágrimas. Não tive nenhuma dúvida;, relembra ele. O aposentado seguiu direto para Ceilândia, onde a mulher leciona. Queria dar a notícia pessoalmente. ;Ele chegou na porta da sala e disse: você se lembra daquelas duas meninas? Elas são as nossas filhas. Nos abraçamos e minhas alunas, que já sabiam que eu estava na fila para adotar, vieram me perguntar se as minhas filhas tinham chegado. Foi um dia muito, muito feliz;, comenta. Vieram as visitas monitoradas no abrigo. Logo no primeiro encontro, as garotas perguntaram se eles seriam seus pais. E passaram a tratá-los como tais. Depois vieram as visitas à casa dos futuros pais, o primeiro Natal juntos. Em janeiro de 2008, passaram a viver definitivamente com Vivian e Milton. Os pais não pintam a adoção como um quadro cor-de-rosa. ;As crianças chegam com hábitos diferentes dos nossos. Mas quando você tem absoluta convicção de que quer ser pai, não falta amor;, ensina Milton. ;Elas têm lembranças ruins. Parte da personalidade já está formada. Mas estamos construindo agora a nossa vivência. E ela será diferente e feliz;, acredita Vivian. O início da conversa com as meninas é tímido. Qualquer coisa que remete ao passado gera um silêncio desconcertante. Melhor falar do presente. E do futuro. Para Vitória, que pretende ser médica, e Rosilene, a futura dentista e professora da família, a felicidade tornou-se algo possível. ;Ser feliz é amar o pai e a mãe;, resume Rosilene. ;Sou feliz porque tenho família;, afirmou Vitória. Dúvidas frequentes Quem pode adotar? Todo adulto maior de 18 anos, que seja pelo menos 16 anos mais velho que o adotando. Divorciados ou separados judicialmente podem adotar conjuntamente desde que o estágio de convivência com o adotando tenha se iniciado na vigência da união conjugal. Quem pode ser adotado? Toda criança ou adolescente (até 18 anos) que tenha ficado sem família. A falta de condições materiais não constitui por si só motivo para a retirada ou suspensão do poder familiar. Quem não pode adotar? Avós ou irmãos da criança ou adolescente. Nesse caso, cabe um pedido de Guarda ou Tutela. Também não pode adotar quem não ofereça ambiente familiar adequado e não ofereça reais vantagens à criança. Etapas da adoção Estudo psico-sócio-pedagógico Análise das condições ambientais e familiares do lar substituto. Equipe interprofissional atua para prevenir futuros sofrimentos e más adaptações. Deferimento da inscrição Decisão da Autoridade Judiciária sobre o pedido. Uma vez deferido, o autor pode inscrever-se em qualquer comarca do território nacional. Tempo de espera para acolhimento Varia conforme o perfil da criança ou adolescente que o interessado se disponibiliza a acolher e o fluxo de crianças que cadastradas para adoção. Apresentação de criança ou adolescente para adoção e estágio de convivência Etapa em que os futuros pais conhecem a história da criança ou adolescente e confirmam ou não o interesse em conhecê-la. Em se tratando de crianças maiores de um ano, é prevista a realização de um estágio de convivência, isto é, uma aproximação gradativa. Pedido de adoção No fim do processo, os interessados reúnem a documentação necessária, protocolam o pedido oficial de adoção e solicitam, por meio de advogado ou defensor público, a guarda provisória da criança até que saia a Sentença de Adoção. Fonte: Vara da Infância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal

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