Cidades

Filhos da imigração ilegal

A história dos adolescentes de Goiás que entram no mundo do crime quando os pais decidem buscar uma vida melhor no exterior

Renato Alves
postado em 28/06/2009 08:10
Faz um mês e meio que Cristiano morreu estrangulado no Centro de Internação para Adolescentes de Anápolis. A mãe do garoto de 17 anos sequer apareceu no velório. Nascida e criada na cidade goiana distante 140km de Brasília, a mulher deixou a terra natal quando o menino tinha sete meses. Como milhares de conterrâneos(1), foi para a Europa em busca de vida melhor. Os parentes não sabem o que ela realmente faz no exterior. O certo é que Anápolis e adjacências exportam o maior número de prostitutas brasileiras para o Velho Mundo. Já os homens do município geralmente atravessam o Atlântico atrás dos euros de subempregos. Os adultos deixam os filhos com parentes a até desconhecidos. Boa parte(2) dos meninos e das meninas acaba adotada pelo crime, como Cristiano. [SAIBAMAIS]Criado pelos avós paternos, Cristiano havia sido internado duas vezes por causa de furtos. Precisava de dinheiro para manter o vício do crack, a droga barata e mortal derivada da cocaína. Acabou assassinado por um colega de cela em 11 de maio por ser considerado caguete, o dedo-duro no dicionário do banditismo. O avô, que o educou com os R$ 400 da aposentadoria, admite o vício do neto. No entanto, busca explicação para o fim do menino que o chamava de pai. ;Sempre dei tudo, comprei todos os livros pra ele estudar;, comenta, sem esconder a decepção e a tristeza. O homem doente de 76 anos, vítima de sete derrames, e a mulher, de 63, ganharam a guarda de Cristiano quando o pai biológico do garoto morreu assassinado num boteco de Anápolis. Na época, o menino tinha 1 ano. Desde então, Cristiano viu a mãe uma vez, quando ainda era criança. Para ele, a mulher morava em Portugal. Para os avós, ela estava na Irlanda, casada, com dois filhos. Bem de vida ou não, a mãe de Cristiano nunca mandou dinheiro para o único filho brasileiro. Mesmo com escassos contatos por telefone ; as ligações internacionais não passavam de uma por semestre ;, o menino alimentava o sonho de morar na Europa com a mãe, o padrasto e o casal de irmãos europeus. ;Mas ele falava nisso apenas quando era pequeno. Depois, só chamava a gente (os avós) de pai e mãe;, conta o avô. Cristiano largou os estudos aos 12 anos, na 5; série do ensino fundamental. No mesmo período, os três tios paternos e primos descobriram o envolvimento dele com as drogas. Avô chora a morte do adolescente de 17 anosO garoto começou com a maconha. Logo veio a merla, droga pastosa feita de resíduos da cocaína. Em seguida, descobriu o crack. Sem emprego e dinheiro, passou a furtar. Inclusive o avô, a quem extorquia de forma indireta. Os colegas viciados batiam à porta do homem doente e, aos berros, diziam estar atrás do neto dele. Ameaçavam matar Cristiano por causa de supostos roubos. Desesperado, o avô perguntava quanto custava tal bem. Apoiado em uma vassoura improvisada como muleta, voltava à casa, de onde trazia o valor correspondente ao produto e entregava às falsas vítimas. O dinheiro das economias do homem se transformava em pedras de crack, divididas entre Cristiano e sua turma. O golpe consumiu mais de R$ 8 mil, toda a poupança do avô. A fonte secou pouco antes da morte do neto. Ameaçado de morte Para evitar o mesmo destino do colega Cristiano, Paulo foi atrás da mãe e da irmã, clandestinas na Suíça, um dos principais destinos das prostitutas goianas. O rapaz, hoje com 21 anos, reencontrou as duas após cinco anos separados e seis passagens pela polícia. Na adolescência, acabou flagrado furtando, roubando e consumindo drogas. Começou a vida criminosa após conhecer a maconha. Assim como Cristiano, também era criado pelos avós, usou merla e crack. Nunca soube quem era o pai. Aos colegas, dizia apenas que a mãe trabalhava na Europa e havia levado a irmã mais nova para morar com ela. Vizinhos e amigas da mãe do jovem afirmam que a mulher fazia programas na Suíça. O dinheiro que a mãe mandava para o filho era insuficiente para sustentar o vício em drogas. O garoto passou a furtar e a roubar. Após os quase dois anos de cumprimento das consecutivas medidas socioeducativas, voltou à casa dos avós. Mas, por ter contraído dívidas com traficantes e alimentando rixas com outros tipos de bandidos, temia pela vida. Implorou para a mãe o buscar. Ela mandou o dinheiro da passagem de ida. Há mais de um ano o jovem não é visto em Anápolis. 1- GOIÁS É a unidade da Federação que mais exporta brasileiros. São mais de 250 mil cidadãos goianos no exterior. A maioria nascida em Goiânia, Anápolis e cidades vizinhas. Do total, cerca de 100 mil moram na Europa e 150 mil estão nos Estados Unidos. 2- MUNDO DO CRIME Em média, cerca de 30% dos adolescentes que cumprem alguma medida socioeducativa em Anápolis não moram com os pais. Dos 245 meninos e meninas internados ; punição equivalente a uma prisão para o adulto ; na cidade desde 2006, 27 (11%) tinham o pai, a mãe ou os dois morando na Europa. <--
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--> <-- --> Os nomes dos infratores e seus familiares foram trocados em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

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