Cidades

Ressocialização é principal gargalo do ECA

Falta estrutura para aplicar medidas de recuperação sobre crianças e adolescentes em conflito com a lei. O DF tem apenas 17 unidades de liberdade assistida ou semiliberdade. Ideal seriam 60, uma de cada por região administrativa

postado em 13/07/2009 08:53
É unânime entre os especialistas e atores dos direitos da infância e adolescência a opinião de que o principal gargalo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está na aplicação de medidas de recuperação para meninos e meninas que estão em conflito com a lei. O motivo seria a falta de estrutura da Justiça e do sistema de aplicação de medidas de responsabilização. A realidade aparece em números. Nada menos que 85% das medidas de internamento ; provisórias ou não ; no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) resultam em reincidência. ;Por falta de estrutura para outras medidas socioeducativas, como a liberdade assistida, quando há responsabilização, ela vem na forma de internação;, afirma a promotora de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude Luísa de Marillac.

[SAIBAMAIS];As medidas relacionadas aos atos infracionais são o gargalo do ECA;, admite o subsecretário de Justiça do GDF e defensor público, João Marcelo Feitosa. ;O problema do sistema é que é muito dispendioso e a implantação é mais morosa;, justifica. No entanto, segundo ele, o ECA trouxe avanços. ;Quando ele foi sancionado só havia uma unidade de internação, hoje são quatro;, completa. No que diz respeito às unidades de liberdade assistida e semiliberdade, o avanço foi tímido. Deveriam ser, de acordo com o próprio subsecretário, uma unidade de cada por região administrativa. No entanto, são apenas 14 de liberdade assistida e três de semiliberdade. Vale destacar que o estatuto determina que as medidas devem ser aplicadas próximas à casa do adolescente.

Além das estruturas para a responsabilização, a Justiça para cuidar dos direitos da infância também é precária. A média nacional de varas da infância e juventude (VIJ) é de um tribunal especializado para cada 500 mil habitantes. No DF, são apenas dois para uma população de 2,5 milhões de pessoas. E a Vara de Samambaia tem atribuição apenas para julgar atos infracionais. ;Sem estrutura, a VIJ cuida apenas de alguns casos. Muitos acabam na Justiça comum e, por isso, demoram anos;, diz o advogado Joaquim Lemus, especialista em direitos da infância.

Diretrizes
No Caje, medidas resultam em reincidência;E o artigo n; 88 do estatuto diz que uma das diretrizes do ECA é a criação de um espaço com junção de mesmos órgãos de atendimento como Ministério Público, Defensoria, Judiciário, polícia;, completa o advogado Vítor Alencar. O juiz titular da Vara da Infância e Juventude, Renato Scussel, foi procurado para comentar as críticas mas, por meio da assessoria, informou que não iria opinar.

Tão grave quanto a desestrutura do sistema são as causas da violência cometida pelos adolescentes. Apesar de manifestações diferentes da violência, os infratores têm perfil com características comuns. Vêm de famílias desestruturadas, consomem álcool e são viciados em drogas.

Segundo especialistas, são dois os caminhos a serem adotados: o da prevenção e o da repressão. Ambos aparecem no estatuto com as garantias fundamentais de saúde, lazer, cuidado familiar e respeito. Evitar que o jovem dê o primeiro passo na direção da trilha que conduz à brutalidade e ao descontrole é o principal desafio. ;Impõe-se engajar as famílias, os clubes de serviço, as organizações não governamentais e o Estado na cruzada em favor da juventude;, observa Neide Castanha, coordenadora do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria).

Índices
Os altos índices de reincidência atingem apenas os adolescentes e jovens que estão internados. A Vara da Infância e Juventude do DF monitora a reincidência nos casos de liberdade assistida e de prestação de serviço comunitário. Em 2002, data do último levantamento, os índices eram de 68,5% e 13%, respectivamente. De acordo com a VIJ, as médias se mantêm.

Mais conselhos tutelares
O Distrito Federal deve ganhar, a partir de outubro deste ano, 14 novos conselhos tutelares. O número ainda é bem menor do que queria a Vara da Infância e a sociedade civil, mas está sendo comemorado pelos setores de proteção dos direitos da infância. O Ministério Público e o governo do Distrito Federal negociam um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que deve ser concluído em agosto, para a abertura de novos conselhos. ;Estamos definindo as áreas que serão atendidas. Se tudo der certo, podemos até adiar a demanda dos outros nove conselhos;, observa a promotora de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude Luísa de Marillac.

Existem hoje 10 conselhos para de 2,5 milhões de habitantes em todo o DF. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) determina que municípios com mais de 200 habitantes tenham mais de um conselho. Além disso, locais divididos em regiões administrativas também devem receber conselhos independentemente do tamanho. De acordo com a promotora, já é praticamente certo que Brasília terá dois órgãos, ao contrário de apenas um, como é hoje, e que o mesmo deve ocorrer com Ceilândia. Além disso, provavelmente, Samambaia terá conselho separado do Recanto das Emas e Paranoá será separado de São Sebastião.

Decisão judicial
Em abril, uma decisão judicial, assinada pelo juiz titular da Vara da Infância e Juventude, Renato Scussel, determinou a abertura de 23 novos conselhos até 5 de outubro. O GDF recorreu e o processo está suspenso até julgamento do mérito, que não tem data para ocorrer. Além disso, tramita na Câmara Legislativa uma lei de iniciativa popular com mais de 30 mil assinaturas para abertura de 22 conselhos no DF.

Os conselhos atendem crianças e adolescentes que tiverem seus direitos ameaçados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis ou em razão de própria conduta. Além disso, o conselho tutelar tem que receber a comunicação obrigatória dos casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos, de reiteradas faltas injustificadas ou de evasão escolar e de elevados níveis de repetência.

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