Cidades

MP de olho nos empresários

Ações judiciais contra os comerciantes que não padronizarem os fundos das lojas serão retomadas a partir de abril do ano que vem

Helena Mader
postado em 05/10/2009 08:23
Além das ameaças de multas e demolições, os comerciantes que não adequarem os puxadinhos às novas regras até abril do ano que vem poderão ser alvos de processos judiciais. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) vai entrar com ações contra os empresários que tiverem construções irregulares em área pública. O MPDFT estuda até a possibilidade de determinar a remoção completa dos puxadinhos que estiverem em desacordo com a lei, com a retomada do gabarito original.

Ações judiciais contra os comerciantes que não padronizarem os fundos das lojas serão retomadas a partir de abril do ano que vemO promotor de Defesa da Ordem Urbanística Paulo José Leite diz que havia algumas ações em curso contra empresários, mas esses processos foram suspensos por conta do prazo de um ano estabelecido pelo governo. ;Resolvemos aguardar esse período na expectativa de uma solução para o problema. Mas, a partir de abril, vamos retomar essas ações, que estão na Vara de Desenvolvimento Urbano e Fundiário e ingressar com novas. Todos estão tendo um prazo bem amplo para regularizar as construções e adequá-las à lei;, alerta o promotor.

Paulo José Leite explica que a grande preocupação da promotoria e do MP é a proteção ao tombamento de Brasília. Pelo projeto original de Lucio Costa para o Plano Piloto, as lojas da Asa Sul deveriam respeitar a escala residencial, sem provocar barulhos ou outros distúrbios que incomodem os moradores das quadras. ;O objetivo da lei é fazer uma padronização e garantir proteção acústica. Conversamos com a Agência de Fiscalização para que haja uma punição efetiva;, acrescenta o promotor de Defesa da Ordem Urbanística.

Regularizar os puxadinhos não tem um custo muito alto para os comerciantes. O projeto para padronizar um prédio inteiro, com uniformização dos fundos ou a colocação de cobogós sai por, no máximo, R$ 15 mil. Como cada bloco tem até seis lojas, os comerciantes pagariam R$ 2,5 mil cada ; valor que pode ser financiado pelo Banco de Brasília ou pelo Banco do Brasil, com facilidades negociadas por representantes do comércio.Ações judiciais contra os comerciantes que não padronizarem os fundos das lojas serão retomadas a partir de abril do ano que vem

Consenso difícil
Depois de elaborados, os projetos de regularização têm que ser aprovados pela Administração de Brasília. Apenas três propostas foram submetidas ao órgão e somente uma foi liberada até agora. A administradora de Brasília, Ivelise Longhi, diz que uma das principais dificuldades dos empresários é chegar a um consenso com os vizinhos, já que os projetos têm de ser feitos por bloco. ;Algumas vezes, é complicado até mesmo localizar o proprietário da loja. Essa necessidade de obter maioria em assembleia é uma grande dificuldade dos comerciantes;, afirma Ivelise.

A administradora de Brasília diz que o governo está identificando as principais dúvidas dos lojistas para esclarecer cada ponto. ;Bancos se dispuseram a abrir linhas de crédito especiais para isso e foi criada uma cartilha explicativa. Buscamos facilitar a vida dos empresários, mas é preciso empenho da parte de todos;, afirma Ivelise. Ela está preocupada com a possibilidade de muitos empresários apresentarem os projetos de regularização perto do fim do prazo. ;Estamos com uma boa estrutura para trabalhar, mas é bom não deixar para em cima da hora;, destaca.

[SAIBAMAIS]Os comerciantes que respeitaram a lei e nunca ocuparam os fundos das lojas serão beneficiados. Eles poderão construir até o limite de seis metros. Há sete anos, Roberto Rosa de Souza, 45 anos, é dono de uma loja de eletrônicos na 310 Sul, mas nunca usou os fundos do comércio. Agora, está com projeto pronto para expandir os negócios e vai pagar pela área. ;Já apresentei o projeto à administração há cerca de três meses, mas até agora não liberaram;, reclama. Com espaço extra, Roberto pretende contratar mais funcionários. ;Já cheguei a um consenso com meu vizinho (um banco) e vamos fazer o fundo padronizado;, conta o empresário.

Contra o planejamento
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, critica o descaso dos comerciantes com o cumprimento das novas regras. ;Muitos estão apostando que a lei não vai pegar, mas eu acredito na capacidade de o governo de fazer cumprir a legislação;, diz Gastal. ;O GDF não poderia proteger os puxadinhos do plano e descer a lenha nas invasões das cidades fora do Plano Piloto. Espero que os empresários cumpram o acordo que eles mesmo firmaram;, finaliza.

As invasões de áreas públicas e a favelização no fundo das lojas são criticadas por especialistas em arquitetura e urbanismo. O pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos Regionais da Universidade de Brasília Sérgio Ulisses Jatobá diz que os puxadinhos depõem contra toda a história de planejamento da cidade. ;Além de deixar a capital muito feia, isso agride o projeto de Lucio Costa. O poder público fez a sua parte, negociou e impôs limites. Agora, cabe aos empresários colaborar também;, diz Jatobá.

O urbanista e professor da UnB Aldo Paviani entende a necessidade dos comerciantes de ampliar as lojas. Mas, para ele, os abusos não podem comprometer o tombamento. ;O terreno destinado aos comércios é muito pequeno. Concordo com o uso do espaço pela coletividade. Mas tivemos alterações brutais na paisagem do Plano Piloto e, agora, precisamos preservar o projeto original;, afirma o especialista.

Pagar pela área
A utilização dos seis metros nos fundos é permitida, desde que os empresários paguem uma taxa anual pela ocupação da área pública. Esse valor varia de R$ 2,3 mil a R$ 22 mil, dependendo da localização da loja. A taxa pode ser paga em até seis vezes.

Colaborou Leilane Menezes


O número
R$ 15 mil
Valor do projeto para padronizar um bloco inteiro, com a uniformização dos fundos
ou a colocação de cobogós

Entenda o caso
Problema antigo

A ocupação irregular dos fundos das lojas da Asa Sul é um problema que se arrasta desde os primeiros anos de Brasília. Durante várias gestões, a edificação de puxadinhos foi tolerada. Muitos empresários obtiveram até mesmo alvará de construção para fazer as estruturas em área pública. Mas, a partir do fim da década de 1990, a prática começou a ser combatida por entidades de defesa do patrimônio histórico e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Diante da pressão por providências, o governo começou a demolir puxadinhos e cassou os alvarás de funcionamento de lojas com ocupações irregulares. Mas muitos empresários obtiveram liminares na Justiça para manter as portas abertas. Com isso, o problema persistiu e até mesmo piorou, já que novas edificações ilegais surgiram.

Em 2007, o GDF começou a discutir com os empresários a criação de uma lei para regularizar parte das ocupações ilegais e demolir obras abusivas. A discussão teve participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O debate foi polêmico. O Iphan exigia a tolerância de, no máximo, cinco metros de invasões nos fundos. Mas o instituto acabou cedendo e aceitou o limite de seis metros para a regularização. Em junho de 2008, foi aprovada a Lei n; 766/08, que trouxe as novas regras. A regulamentação veio com o Decreto n; 30.254/09, aprovado em abril deste ano.

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