Cidades

Emissário da divindade

Com autorização de um tribunal de justiça para adotar o nome Inri Cristo como se fosse de batismo, paranaense fundou uma ordem há 30 anos e mantém a sede em uma chácara no Gama, onde vive com fiéis discípulos, e já se tornou conhecido até em vídeos da internet

Juliana Boechat
postado em 25/10/2009 09:37
Abeverê, 83, é discípula de Inri Cristo há 28 anos. Acostumada com uma rotina de viagens a trabalho, nunca imaginou que uma ida a Belém no início da década de 1980 mudaria a sua vida. Foi quando ela conheceu um homem que se apresentava como a reencarnação de Jesus. Católica fervorosa, duvidou do discurso à primeira vista. Mas bastou um segundo encontro com Inri Cristo logo no dia seguinte, em uma praça pública da capital paraense, para mudar de ideia. "Deus tirou as vendas dos meus olhos. A partir de então, ninguém nunca conseguiu me fazer pensar de modo diferente", contou. Antes dessa viagem, costumava rezar o terço diariamente e frequentava a missa toda semana. Desde então, Abeverê nunca mais entrou em uma igreja. Chegou a ponto de quebrar todas as imagens de santo de sua casa. "Aquele não era mais o Cristo em quem eu acreditava", desabafou. O contato inicial foi tão intenso que Inri Cristo morou com a família de Abeverê por um tempo no Rio de Janeiro. Mas logo se mudaram para Curitiba a fim de fundar a Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade (Soust), em 28 de fevereiro de 1982. Nessa época, o Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu direito de ele usar Inri Cristo como nome de batismo. Em 2006, levaram as novas discípulas para Brasília. Desde então, Abeverê mantém pouco contato com parentes e amigos. Também não voltou ao Rio de Janeiro, cidade pela qual é apaixonada. "Não me arrependi de nada. Daqui só saio para o cemitério", disse. Hoje, ela cuida com carinho da horta, pratica exercícios, gosta de assistir a todas as novelas da televisão e se diz feliz. Está lendo a Bíblia pela quinta vez e ainda pretende reler outras duas antes de morrer. "Se eu tivesse a mínima dúvida de que eu estava de frente com Deus na Terra, eu jamais teria saído de casa para segui-lo", garantiu.Com autorização de um tribunal de justiça para adotar o nome Inri Cristo como se fosse de batismo, paranaense fundou uma ordem há 30 anos e mantém a sede em uma chácara no Gama, onde vive com fiéis discípulos, e já se tornou conhecido até em vídeos da internet Assim como Abeverê, outras 15 mulheres seguem Inri Cristo em sua missão. Todas vivem em uma chácara localizada no Núcleo Rural Casa Grande, no Gama. Protegida por muros altos e cerca elétrica, a área é identificada por cartazes e placas com referências a Inri. Após ser reconhecido pelo interfone, o visitante passa por um portão de ferro e é recebido por pessoas trajando uma túnica de cetim azul com uma faixa na cintura e sandálias. As mulheres usam ainda uma quipá (espécie de solidéu; em hebraico, também significa arco ou abóbada, sendo utilizada pelos homens sobre a cabeça) feita de crochê. O único barulho sai de uma fonte de água localizada no centro do jardim. A casa onde Inri Cristo dorme está localizada próxima à capela e ao sacrário. Aos fundos do terreno, os dormitórios femininos e masculinos, a horta e o canil. Nesse complexo funciona a sede da Soust, que, segundo Inri, representa o reino de Deus na Terra. Rotina A maioria das discípulas nasceu nos estados de Santa Catarina e Paraná. Elas presenciaram discursos de Inri Cristo em várias cidades da Região Sul ou em programas de televisão no início da década de 1980. Desde então, seguem os passos do homem que acredita ser - a figura do Pai - em carne e osso. Quando se uniram pela missão de Inri, sabiam da futura mudança para Brasília, considerada por ele a Nova Jerusalém. Não se importaram. Deixaram para trás família, amigos e emprego para seguir a crença. Hoje, são as responsáveis pelos afazeres domésticos da chácara. E cada uma tem uma ocupação: agricultura, jardinagem, administração da sede, cozinha e deveres de motorista. "O Inri não gosta que cada uma saiba fazer apenas uma coisa. Cada uma sabe fazer tudo, porque quando um não pode fazer, o outro assume. Ninguém é insubstituível", explicou Asusana, uma das discípulas. Todas seguem à risca os ensinamentos de Inri Cristo sobre liberdade do pensamento e saúde da alma. Estão sempre dispostas, prestativas e com um sorriso no rosto. Vegetarianas, comem apenas alimentos naturais colhidos dentro da chácara. "Parece um treinamento militar. Tudo tem que ser feito rapidamente e estar pronto quando alguém chega aqui, por exemplo", contou Alíbera, satisfeita. Como a agenda de compromissos do Senhor é cheia durante a semana, os discípulos reservam o sábado de manhã para rezar, conversar e receber ensinamentos. Alíbera e Asusana aproveitam o momento de descontração para fazer apresentações musicais. "Cantamos para mostrar o que sentimos pelo Inri e também para as pessoas conhecerem um pouco mais do trabalho do Senhor", explicou Alíbera. Para fazer parte do time de Inri Cristo, as mulheres devem passar pelo processo de aprovação e ter mais de 18 anos. Primeiro, elas vivenciam uma fase de aspirante, em que descobrem se têm ou não vocação para o novo estilo de vida e se realmente querem viver em função do Senhor. Passada essa etapa, são batizadas por Inri. Ele derrama água sobre elas. Cada uma recebe um novo nome relacionado ao significado da alma, normalmente iniciado pela letra A. Segundo elas, a mudança da identidade representa o início de uma nova vida. E, por fim, fazem o juramento ao Senhor. "O juramento é uma forma de se tornar fiel ao Senhor, além de ser uma proteção do próprio discípulo", explicou Alíbera. Vaidosas, as mulheres aparecem sempre com cabelos arrumados, maquiagem impecável e adereços como anéis e brincos. Deixam a chácara apenas para cumprir algum compromisso da agenda de Inri ou resolver questões administrativas no centro da cidade. Asusana e Alíbera costumam ser reconhecidas na rua graças aos vídeos postados no site YouTube, onde interpretam músicas de vários artistas com letras voltadas à adoração ao Inri Cristo. "Tudo começou há uns dois anos, como brincadeira. Mas ali, eu percebi que elas tinham vocação para a música. Deus capacita os escolhidos para cantar bem. E capacitou duas das minhas discípulas", explicou Inri Cristo. O estúdio de gravação dos videoclipes fica embaixo de uma das árvores da grande chácara. Elas mudam o pano de fundo dependendo da interpretação da música. As apresentações correram a internet. Em pouco tempo, elas começaram a receber músicas e sugestões de letras para novas apresentações. "O Inri é nosso maior fã", contou Alíbera, orgulhosa. Elas se apresentam em lugares públicos e em programas de televisão."Sabemos que as pessoas falam muitas coisas da gente, que riem. Mas o bom humor está em alta. Se podemos passar um pouco da felicidade, da distração, e se proporcionamos um momento bom para a pessoa que está assistindo, já é muito bom", explicou Alíbera. "Somos aquilo ali", acrescentou Asusana. A regra básica da chácara, diz, é a felicidade. Para conhecer Inri Cristo Os interessados podem ligar para o telefone 3404-0134 ou ir até a sede, localizada na Rua 8 MA, Chácara 18, no Núcleo Rural Casa Grande, no Gama. A primeira visita é agendada para domingo, às 16h. A partir de então, as discípulas agendam os horários dos encontros seguintes.

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