Cidades

Vazamentos apurados pelo Ministério Público

Promotores de Justiça suspeitam que investigados tiveram acesso a informações privilegiadas de cinco operações sigilosas

Ana Maria Campos
postado em 07/03/2010 07:55
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu inquérito civil público para apurar responsabilidades pelo vazamento de dados que interessariam a autoridades investigadas em operações importantes envolvendo desvios de recursos públicos e uso da máquina administrativa do Governo do Distrito Federal para enriquecimento ilícito. Os promotores do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) suspeitam de que alvos dessas investigações, aliados do governador afastado e preso, José Roberto Arruda, e do ex-vice-governador Paulo Octávio, tiveram acesso a informações privilegiadas relacionadas a escutas telefônicas, ações de busca e apreensão e até de pedidos de prisão.

No curso desse trabalho, três promotores de Justiça colheram depoimentos do delegado aposentado Celso Ferro, considerado um dos maiores especialistas em inteligência policial, conforme o Correio publicou com exclusividade na edição de sexta-feira. Ex-diretor do Departamento de Atividades Especiais (Depate), Celso Ferro procurou espontaneamente o Ministério Público do DF para apresentar esclarecimentos sobre um relatório intitulado ;Anotações Pertinentes;, apreendido na casa do conselheiro Domingos Lamoglia, do Tribunal de Contas do DF, em ação de busca na Operação Caixa de Pandora, em novembro. Celso Ferro identificou-se como o autor das anotações relacionadas a seis investigações, mas disse que não se tratou de espionagem. Seria apenas um rascunho de informações que já tinha como ex-coordenador da área de inteligência da Polícia Civil do DF.

Hoje consultor de inteligência policial, Celso Ferro aceitou registrar seu testemunho em depoimento oficial ciente de que poderá ser investigado pelos vazamentos. Mas pediu que não houvesse divulgação de sua iniciativa. A história, no entanto, veio à tona quando a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, comunicou no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), durante julgamento do habeas corpus em favor de Arruda, que três delegados da Polícia Civil do DF estariam colaborando na investigação da Caixa de Pandora. Eles teriam denunciado interferência do governador.

Instituição de Estado
Em entrevista ao Correio, publicada ontem, Celso Ferro, diretor do Depate até março de 2009, admitiu que considera natural informar ao governador de todas as ;investigações sensíveis; para o Executivo, ou seja, que envolvam autoridades públicas e políticos. Contou, por exemplo, que Arruda foi avisado dois dias antes da Operação Aquarela que o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Tarcísio Franklim de Moura e Juarez Cançado, então coordenador-geral da Associação Nacional dos Bancos (Asbace), seriam presos por determinação judicial. Eles também sofreram ação de busca e apreensão em suas casas e escritórios. Ferro negou qualquer ingerência política de Arruda.

Para os promotores encarregados da investigação, a entrevista de Celso Ferro corrobora a tese de que Arruda teve informações sigilosas e privilegiadas de forma ilegal. O Ministério Público considera que a Polícia Civil, no sistema republicano, é uma instituição do Estado e não do governo. Por isso, não poderia prestar contas ao governador, principalmente de investigações relacionadas a aliados e adversários políticos da administração atual.

Por causa do depoimento de Celso Ferro, em 25 de fevereiro, os promotores chamaram também para prestar depoimento o ex-diretor do Depate delegado Cícero Jairo e o ex-diretor da Divisão de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap) Marco Aurélio de Souza. Os dois prestaram depoimento na semana passada. Cícero vinha trabalhando afinado com o Ministério Público até julho do ano passado, quando foi substituído por Geraldo Nugoli. Na ocasião, os promotores do NCOC lamentaram a mudança. Desde então, eles evitaram compartilhar informações com policiais civis relacionados às Operações Tucunaré e Tellus.

A primeira envolve o policial civil aposentado Marcelo Toledo, aliado de Arruda e Paulo Octávio, apontado na Operação Caixa de Pandora como suposto operador dos dois. A segunda operação apura, com escutas telefônicas, envolvimento do primeiro escalão da secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo em negociações de lotes do Pró-DF, o programa de incentivos para instalação de empresas no DF.



Sob suspeita

Tellus
Teve início na Divisão Especial de Crimes contra a Administração Pública (Decap) para investigar cobrança de propina para liberação de lotes do Pró-DF. Houve escutas telefônicas e envolveu pessoas da confiança do então vice-governador Paulo Octávio, lotadas na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo. Depois ficou sob a responsabilidade apenas de promotores da área de combate ao crime organizado no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Aquarela
Foi uma das mais bem-sucedidas investigações durante o atual governo. De responsabilidade do Ministério Público, num trabalho em parceria com a Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco), investigou em 2007 desvios de recursos do Banco de Brasília (BRB) e lavagem de dinheiro, envolvendo o ex-presidente da instituição, Tarcísio Franklim de Moura, e Juarez Cançado, então coordenador-geral da Associação Nacional dos Bancos (Asbace). Na operação, eles foram presos e já respondem a várias ações penais e de improbidade administrativa.

Tucunaré
A investigação que teve origem na Decap da Polícia Civil do DF apurava esquemas de lavagem de dinheiro por meio de doleiros. Utilizando interceptações telefônicas, a operação flagrou conversas do policial civil aposentado Marcelo Toledo com o doleiro Fayed Trabously. Toledo é aliado de Arruda e de Paulo Octávio e foi procurado por Durval Barbosa para confirmar denúncias em delação premiada. Ele é investigado também na Operação Caixa de Pandora porque foi filmado por Durval entregando dinheiro a Omézio Pontes, o ex-assessor de imprensa de Arruda.

Garatusa
Em outubro do ano passado, a Polícia Civil prendeu 23 pessoas acusadas de fraudar serviços do Detran-DF, como venda de carteiras de motorista, falsas vistorias de veículos e cancelamentos de multas e de pontos na carteira de habilitação. Havia a suspeita de participação de um policial civil, mas essa parte da investigação não chegou a ser confirmada. As diligências também ficaram a cargo da Divisão de Atividades Especiais (Depate).

Terabyte
Um dos desdobramentos da Operação Megabyte, que cumpriu em 2008 mandados de busca e apreensão na casa do então secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa, a Terabyte vasculhou escritórios de empresas de informática no ano passado, para apurar esquema de desvio de recursos públicos de contratos de prestação de serviço com o GDF e lavagem de dinheiro.



A semana em resumo

Segunda-feira, 1; de março

A Procuradoria da Câmara Legislativa entrega ao Supremo Tribunal Federal uma resposta ao pedido de intervenção no DF. Em um documento de 37 páginas, o procurador-geral, Fernando Nazaré, argumenta que é preciso defender a autonomia da cidade e destaca que o Executivo e o Legislativo estariam funcionando normalmente, a despeito da crise política na cidade.

Aliados de José Roberto Arruda começam uma articulação para tentar adiar ao máximo a votação do parecer favorável à abertura de processo. No mesmo dia, o advogado Nélio Machado, responsável pela defesa do governador licenciado do Distrito Federal disse haver indícios de que os vídeos sobre um suposto esquema de pagamento de propinas gravados por Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais, teriam sido manipulados.

A primeira-dama do DF, Flávia Arruda, foi visitar Arruda na Superintendência da PF e, ao deixar o local, foi abordada por um missionário. O homem colocou uma Bíblia no chão para que o veículo parasse e ele pudesse entregar um bilhete à primeira-dama. Mais cedo, o padre José Mariano, da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Taguatinga Sul, já havia tentado visitar o governador afastado, mas sem sucesso.

O governador interino, Wilson Lima, nomeou o delegado da Polícia Civil João Monteiro Neto como novo secretário de Segurança do DF. Ele assumiu o posto em substituição a Valmir Lemos. Desde o início da crise, os titulares de 17 das 21 secretarias foram substituídos.

A deputada Eurides Brito dá uma nova versão para o dinheiro que guardou em sua bolsa. Em seu blog (www.euridesbrito.com.br), ela diz que os recursos teriam sido repassados pelo ex-governador, Joaquim Roriz, para a realização de reuniões de divulgações da campanha dos dois. Por meio de sua assessoria de imprensa, Roriz negou tudo.

Terça-feira, 2 de março

Conhecido nacionalmente por ser o protagonista da chamada oração da propina,
o deputado Júnior Brunelli (PSC) renunciou ao cargo para escapar da cassação. Ele foi o segundo parlamentar a recorrer a essa medida, já que na semana anterior Leonardo Prudente (sem partido) havia deixado o cargo. Com o suplente de Brunelli, Geraldo Naves, preso na Penitenciária da Papuda, os deputados distritais não chegaram a um consenso sobre como resolver esse problema.

A deputada distrital Jaqueline Roriz (PMN), filha do ex-governador Joaquim Roriz, subiu à tribuna do plenário da Câmara Legislativa e chamou a deputada Eurides Brito de ;cara de pau;. A agressão foi uma resposta às denúncias de Eurides, que afirmou ter recebido dinheiro de Roriz para a campanha.

O deputado distrital Raimundo Ribeiro (PSDB) visitou o governador afastado, José Roberto Arruda, na sala da Polícia Federal onde o chefe do Executivo está preso. Ribeiro disse ter visitado Arruda ;como amigo; e contou que ele chorou muito.

O ministro do STF Marco Aurélio Mello negou o pedido de liberdade feito pelo ex-secretário de Comunicação Weligton Moraes. Ele está preso desde 12 de fevereiro na Penitenciária da Papuda acusado da tentativa de suborno ao jornalista Edson dos Santos, o Sombra.

Deputados distritais se reúnem com o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para marcar posição contrária à intervenção federal no DF. Eles também entregaram um documento ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, pedindo apoio na luta contra a intervenção.

Líderes de sete partidos se reúnem para discutir a formação de uma chapa de oposição para participar das eleições de outubro. Os nomes dos candidatos serão escolhidos nas próximas reuniões entre representantes de PSB, PDT, PMDB, PPS, PV, PRB e PCdoB.

Quarta-feira, 3 de março

O deputado
Raimundo Ribeiro deixa a relatoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Codeplan, um dia depois de visitar Arruda na Polícia Federal.

A deputada Érika Kokay é escolhida relatora do processo de cassação de Eurides Brito na Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. A acusada terá prazo até 1; de abril para se defender.

Deputados do primeiro escalão da Câmara Legislativa reúnem-se pela primeira vez com o governador em exercício, Wilson Lima. Eles debateram, entre outros assuntos, os projetos do governo que serão analisados em breve pelos deputados.

Quinta-feira, 4 de março

Por 9 votos a um, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram o pedido de habeas corpus do governador afastado e preso, José Roberto Arruda. A maioria acompanhou o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, que já havia negado pedido de liminar dos advogados para soltar Arruda. O único a votar pela soltura do governador afastado foi o ministro José Antônio Dias Toffoli.

O processo de impeachment contra o governador afastado José Roberto Arruda é aprovado na Câmara Legislativa. Por 19 votos a favor, três ausências e uma abstenção, os deputados distritais decidem abrir processo contra o governador preso e afastado.

A Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão na sede da Companhia Energética de Brasília (CEB) e na residência de um funcionário da empresa Linknet.
Os policias estavam atrás de provas da suposta tentativa de suborno ao jornalista Edson dos Santos, o Sombra.

Descobertas emendas ;submarinas; no projeto de lei do governo que aumenta o salário de cirurgiões dentistas da rede pública.
Pela proposta colocada na surdina no projeto de lei, o chefe de gabinete do governador e o chefe da Casa Civil do GDF teriam direito a foro privilegiado.
Depois da descoberta, as emendas foram retiradas.

Sexta-feira, 5 de março

O procurador-geral da Câmara Legislativa, Fernando Nazaré, e o deputado Batista das Cooperativas (PRP) foram à Superintendência da Polícia Federal para tentar notificar Arruda da abertura do processo de impeachment contra ele. Mas Arruda se negou a assinar o documento e enviou uma carta aos distritais em que argumenta
não ter tido acesso ao
inquérito do STJ contra ele.

O Superior Tribunal de Justiça enviou à Câmara Legislativa pedido de autorização para abertura de processo contra José Roberto Arruda, por tentativa de suborno e falsidade ideológica. O assunto deve entrar na pauta esta semana.

O delegado aposentado da Polícia Civil Celso Ferro admite em entrevista ao Correio que o governador José Roberto Arruda era sempre informado da abertura de investigações em casos relacionados a autoridades. Ele disse ainda que alertou Arruda para que demitisse o então secretário de Relações Institucionais
Durval Barbosa.

Wilson Lima reapresenta o projeto de lei que prevê aumento de salário para cirurgiões dentistas, desta vez sem a emenda ;submarino; que previa foro privilegiado para integrantes
do governo.

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