Cidades

Por que Admar foi solto?

Ministro da Justiça quer saber o que levou o suspeito de matar os seis jovens a ser beneficiado com a progressão da pena, apesar de só ter cumprido quatro anos por abusar de dois menores

postado em 12/04/2010 09:03

O ministro Luiz Paulo Barreto mostrou-se indignado com o desfecho do caso: PF continuará as investigaçõesO Ministério da Justiça vai apurar como foi o processo de progressão de pena de Admar de Jesus, acusado de ter assassinado seis jovens. Ele foi condenado a 14 anos de prisão por pedofilia, mas cumpriu apenas quatro anos e foi colocado em liberdade em dezembro do ano passado ; poucos dias antes de cometer o primeiro crime em Luziânia. Ontem, o titular da pasta, Luiz Paulo Barreto, pediu que a Polícia Federal começasse uma apuração para verificar os trâmites do processo do benefício. Além disso, a PF continuará as investigações em torno do caso para que não paire dúvidas sobre a autoria dos homicídios.

;Como pode um rapaz preso por pedofilia sair da cadeia sem acompanhamento psicossocial?;, indagou Barreto, ontem, ao Correio. O ministro ficou surpreso ao ser comunicado que Admar ; que confessou à Polícia Civil ter cometido os seis homicídios ; já tinha sido condenado por crimes sexuais e voltado para as ruas sem ser monitorado por autoridades policiais e do Judiciário. ;Não pode ser automático (a saída) se houve um crime de origem psicossocial.;

O ministro disse que determinou à Polícia Federal que faça um levantamento para verificar quais procedimentos poderão ser tomados em relação à progressão penal adquirida por Admar. O procedimento da PF não será abrir inquérito, mas apenas coletar informações da área penitenciária para saber os principais motivos que levaram Admar a ser solto. ;Pode ser que tenha havido uma falha do sistema ou um caso isolado, mas o que não poderia ter acontecido era ter colocado a sociedade em risco;, disse o ministro.

Admar foi beneficiado com a progressão penal (1), um assunto polêmico e que divide o meio jurídico brasileiro, principalmente sobre sua aplicação em casos de crimes hediondos. O tema sempre vem à tona quando um criminoso deixa o presídio e retorna às rua para cometer novos delitos. Um caso semelhante aconteceu em Brasília, há alguns anos, quando um jovem que estava preso na Papuda foi liberado e matou um casal que namorava em um carro, em uma quadra da Asa Sul.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, também afirmou que é necessário saber o que levou Admar a ser libertado pela Justiça. ;Não sei qual foi o critério do magistrado para fazer a progressão de regime, mesmo tendo um laudo avaliando o sujeito como psicopata. Isso realmente é estranho. Precisamos conhecer qual foi a motivação do magistrado, que tem o direito de decidir, independentemente do laudo pericial;, observou Ophir, alertando, porém, que esse episódio pode ajudar a mudar outras decisões. ;Isso faz com que haja um maior trato por parte de outros magistrados, em situações semelhantes a essa, ao observar esse trabalho multidisciplinar que a Justiça necessita, que é o da psiquiatria forense. É lamentável que isso tenha acontecido.;

1- Ressocialização
A progressão penal é uma dos meios dados pela Lei de Execução Penal para que o preso se ressocialize. Ela pode ser dada de várias formas, como prisão domiciliar, regime semi-aberto ; em que o detento pode trabalhar e depois retornar para o presídio ; e aberto, que era o caso de Admar de Jesus. Para obter o direito, o detento precisa ter bom comportamento carcerário, ter feito trabalhos dentro do presídio, entre outras coisas. Além disso, o preso necessita cumprir 40% da pena, em casos de réu primário, ou 60% para reincidentes.

Repercussão
Para o coronel Antônio Elias, comandante geral da Polícia Militar de Goiás, o suspeito é um psicopata e, independentemente da ação da polícia, ele cometeria os crimes. ;Pela própria condição da série em que foram cometidos os crimes, finalizados em janeiro, não há como dizer se eles poderiam ser evitados. Até poderiam se esses adolescentes não estivessem no grupo de risco que estão.;

O deputado e ex-secretário de Segurança Pública do Goiás Ernesto Roller acredita que, apesar de longo, o trabalho policial foi eficiente. Ele lembrou que a participação da Polícia Federal foi fundamental para elucidar a história, e lamentou o desfecho trágico.

Memória
Outros casos de mortes em série


Ataques no parque
Num dos casos de maior repercussão nacional, o motoboy Francisco de Assis Pereira, que ficou conhecido como o ;Maníaco do Parque;, confessou ter estuprado, torturado e matado sete mulheres e atacado outras nove. Os crimes ocorriam no Parque Ibirapuera, onde vários corpos foram encontrados. O criminoso atraía as vítimas ao se identificar como um caça-talentos de uma revista. Contou que dizia às mulheres o que elas queriam ouvir. Oferecia cachê para fotografá-las e as levava ao parque de moto, onde cometia atrocidades antes de matá-las. Foi apontado como extremamente inteligente e ardiloso.

Pés cruzado
O ;Maníaco do Parque; inspirou um adolescente de 16 anos a matar três pessoas em outubro de 2008, na cidade de Rio Brilhante, a 160 quilômetros de Belo Horizonte (MG). O adolescente confessou que matava e deixava as vítimas com os pés cruzados e os braços abertos, em forma de cruz. Por isso, ficou conhecido como ;Maníaco da Cruz;. No peito de um dos mortos, o jovem escreveu com canivete as letras INRI (Jesus Nazareno Rei dos Judeus, mesma inscrição no pé da cruz de Cristo). Ao confessar o assassinato de uma menina de 13 anos, ele justificou que ela estava muito bonita quando saiu de casa. Queria ultrapassar a marca do motoboy.

Relação com a mãe
Também em Minas Gerais, o criminoso em série Marcos Antônio Trigueiro disse em depoimento ter estuprado e matado cinco mulheres no ano passado. O motivo seria uma semelhança das vítimas, todas agredidas no Bairro Industrial, em Contagem, com a mãe de Marcos. Ele contou à Polícia que manteve na infância uma relação conturbada com a mãe.

Retirada de órgãos
Em outubro de 2006, o mecânico de bicicletas Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, apontado como o maior serial killer do Brasil, foi condenado em júri popular pelo assassinato de um jovem de 15 anos, com pena de 20 anos e oito meses de prisão. Ele foi acusado de matar e retirar os órgãos sexuais de outros 41 garotos, com idades entre 9 e 15 anos, nos estados do Maranhão e Pará. Os assassinatos ficaram conhecidos nacionalmente como o caso dos meninos emasculados de Altamira.

Terror em Guarulhos
Leandro Basílio Rodrigues, apontado como o ;Maníaco de Guarulhos;, confessou ter matado pelo menos 50 mulheres em três estados: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Ele admitiu 17 homicídios, mas depois disse que prestou depoimento policial sob tortura. Foi preso após confessar ter estuprado e matado Vanessa Rodrigues, depois que outros três suspeitos cumpriam pena pelo crime havia dois anos e 15 dias.

Polêmico laudo criminal
A discussão sobre a necessidade do exame criminológico é antiga. Lélio Braga Calhau, promotor de Justiça de Governador Valadares (MG), explica que a Súmula Vinculante n; 26, de 2009, do Supremo Tribunal Federal, decidiu que o exame criminológico não é obrigatório. Se o juiz, porém, achar que o caso precisa de um laudo, de forma fundamentada, ele pode mandar fazê-lo. ;Isso já é uma brecha. Alguns juízes e advogados entendem que esse exame não pode barrar a pessoa a ter uma progressão penal. Isso gera uma polêmica sobre o poder do juiz para definir a situação do acusado.; Lélio ressalta ainda que há pouco investimento para a execução dos exames criminológicos. ;Alguns são feitos bem rápidos, outros são confusos, o que gera uma dificuldade em entender os resultados. Mas eu acho que ele é um mecanismo importante para proteger a sociedade.;

A coordenadora do departamento de psiquiatria forense da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Hilda Morana, observou que os psicopatas costumam ser reincidentes em crimes graves e violentos. E o que há no país é um sistema prisional de alta rotatividade. ;O que interessa ao governo é vaga na cadeia. A pena para crimes hediondos foi diminuída para dar essas vagas. Dessa forma, o sistema vem soltando esses sujeitos, demonstrando que está pouco ligando para o que possa acontecer à sociedade. O psicopata não pode cumprir a pena em regime semiaberto.;

Hilda disse ainda que presidiários desse tipo devem ser encaminhados para um sistema carcerário em que possa ser tratado. Ela ressalta que não há cura para esse mal, mas que, em países onde isso foi feito, a reincidência criminal foi diminuída em até dois terços. ;Para que pôr em risco a vida de pessoas se há pelo menos 70% da chance de o psicopata reincidir?;

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação