Cidades

Capitu é avó outra vez

A filha mais velha da babuíno-fêmea que revolucionou o zoo de Brasília pariu na madrugada de quinta-feira. Luís Pires, todo exibido, é pai em dose dupla

postado em 17/04/2010 07:10
É inacreditável. Aliás, é bom que ninguém mais se espante tanto assim com as coisas que acontecem naquela casa. Eita família da confusão! Quando tudo parecia entrar nos eixos ; Capitu vovozinha, ajudando a tomar conta do neto e dando ordens em tudo; Fernanda, a filha mais nova, cuidando do recém-nascido; Hamuta, a mais velha, piriguete toda, rodopiando pela ilha; e Luís Pires, o garanhão da vez, traçando todas elas ; eis que mais uma bomba caiu sobre a ilha dos babuínos-sagrados.

Fernanda, o bebê de 45 dias, e Luís Pires, o paizãoHamuta, de cuja gravidez ninguém desconfiava ; nem veterinários, biólogos e tratadores ;, pariu na madrugada de quinta-feira. E ela estava grávida? Estava. Sabe menina-moça, que esconde do pai durão a barriga? Hamuta fez assim. Escondeu o segredo de todo mundo. A história é que, de uma hora para outra, mais um macaquinho entrou naquela família do barulho. Capitu, caros leitores, virou avó pela segunda vez. E Luís Pires, o rei do pedaço, pai em dose dupla. Mas não era Capitu que estaria grávida, minha gente? ;Temos até a primeira quinzena de maio pra ter certeza;, calcula a curadora de mamíferos do Zoológico de Brasília, a veterinária Clarerana Gelinski, 29 anos.

As suspeitas foram levantadas em janeiro, logo depois de a quarentona macaca, entrando na idade da loba, aparecer mais gorda, com a barriga saliente e as tetas inchadas. Além dos aspectos clínicos visíveis, o comportamento dela havia mudado. Andava mais quieta, comportada ; coisa que nunca foi do seu feitio.

Enquanto isso, suas duas filhinhas lhe deram dois netos. ;Não podemos tirá-la da ilha e fazer uma ultrassonografia agora porque, no estado dela, isso é muito arriscado. Causaria um estresse enorme ao animal e, se estiver realmente grávida, pode até perder o filhote;, explica a especialista.

Então, tá. Sob Capitu, a suspeita. Até quarentona, quando podia estar mais quietinha, longe de confusão, ela continua protagonizando o show. E a vida daquela macaca só existe porque ela foi arrebatadora. Na manhã de ontem, Luís Pires reinava. Ou achava que reinava. Eufórico, como todo pai jovem de primeira viagem, ele rodava a ilha de cima pra baixo. Tentava pegar o bebê de Hamuta (que pariu na madrugada de quinta) e ela o escondia sob a barriga. Saía correndo, protegendo-o com umas das mãos.

Sem conseguir, o pai metido correu para Fernanda, que pariu em março. Ele brigou para brincar com o rebento. A mãe partiu pra cima, evitando que ele o tirasse dela. E, na disputa dos dois pelo macaquinho, acabou sobrando para o bebê, que foi arrastado pelo rabo e pelo braço ; ora pelo pai, ora pela mãe. Coitado!

Calminha?
E Capitu? Ontem, incrivelmente irreconhecível, estava na dela. Será que está fazendo meditação transcendental? Não se alterou, não se irritou, não colocou ninguém pra correr. ;Quando a brigalhada começa pra valer, só ela põe ordem. E não deixa barato. Empurra o Luís pro lago;, conta o incansável tratador Ésio Garcez, 49 anos, que descobriu, nas duas vezes, que Fernanda e Hamuta haviam acabado de parir. ;Quando eu vim deixar o café da manhã, vi o Luís Pires correndo atrás da Hamuta, e ela corria com a mão na barriga. Não acreditei;, extasia-se.

Ésio acha que Luís Pires anda encantado com a paternidade. ;É que vai ter que ter muita responsabilidade agora, né? É por isso que anda nervoso demais.; E como corre esse pai. Saliente, acha que agora é mais importante do que a dona da casa ; a sempre Capitu. Quer mandar em Fernanda e em Hamuta. A primeira, estressada, de vez em quando deixa o filho miúdo sozinho. É como se ficasse cansada de carregá-lo pela barriga.

Vendo o coitado sozinho, Luís Pires corre para pegar o filho. Quer brincar, puxá-lo pelos braços, pelo rabo. Faz miséria com o pobre. O macaquinho berra, ainda um burro fraco. Fernanda fica furiosa. E toma o rebento dele. Sem conseguir, vai mexer com Hamuta, que corre dele e não quer nem papo. ;Ele só quer brincar. Às vezes é bruto, mas só quer brincadeira;, justifica Ésio.

Em cima da casinha, Capitu só assiste à disputa do casal. Coça a barriga, anda de um lado para o outro. Está calminha. Ou finge. Capitu é uma fingidora. De vez em quando, abre os olhos, vê a cena do alto e faz cara de paisagem. Ela sabe que, se quiser, acaba com a pataquada daquele povo em dois tempos. ;Com esses babuínos, todo dia é uma novidade;, delicia-se a bióloga do zoo, Paula Jotta, de 26 anos.

Saga inesquecível
Bom, se Capitu está grávida ou não, essa é outra história. Até maio a resposta virá. ;Se ela não parir até lá, investigaremos se é só gordura, algum problema uterino ou até um tumor;, explica Paula. O que vale no seu currículo é a extensa e inacreditável história que protagonizou ao longo desses 12 anos. Em 1998, o Correio começou a contar a saga da macaca que obrigou especialistas a reverem todos os conceitos sobre babuínos-sagrados.

Até então uma jovem macaca, ela era casada com Otelo, um babuíno sisudão e mais velho que ela. O casal teve três filhos ; Fernanda, Hamuta e Tadeuzinho (este último hoje mora em São Paulo). Um dia, Capitu, cansada da vidinha que levava com Otelo, se apaixonou por Eliseu, um babuíno de outra espécie, jovem, que vivia numa ilha ao lado. Todo dia, ela o admirava. Ele, exibido, se rasgava em charme. A paquera começou. Otelo percebeu. Sempre que pegava Capitu na beira da ilha, ele a retira dali, aos berros. Um belo dia, ela não aguentou a humilhação. Pulou na água, quis se afogar, mas nadou. Venceu cerca de 20 metros até chegar do outro lado. Detalhe: macacos não nadam. Só Capitu conseguiu a façanha.

Chegou arrasada, esbaforida, detonada. Eliseu a recebeu cheio de amor. E viveram cenas de amor impublicáveis. Do outro lado, Otelo, o traído, se acabou de raiva. Debateu-se. No fim da tarde, Capitu voltou. Nadou tudo de novo. Otelo a esperou na beira do lago. E lhe deu bofetadas de dar pena. Eliseu, o amante, viu tudo. Quis morrer de ódio. A epopeia se repetiu por alguns meses, até que a então direção do zoo retirou Eliseu da ilha ao lado, alegando que, se Capitu engravidasse, nasceria um macaco híbrido ; Capitu é babuína-sagrada. Eliseu, verde.

Foi o fim do romance. Longe da amada, Eliseu entristeceu-se. Parou de comer. Em 15 dias, naquele mesmo 1998, morreu. Atestado de óbito: pneumonia. O povo ; e o povo sabe de tudo ; jura que foi de paixão por Capitu. Ela, viúva do amante, seguiu sua vidinha monótona com o velho Otelo, que morreu quatro anos depois.

Com duas filhas para criar, a danada se aquietou. Quem diria! Viveu assim durante anos. Tornou-se apenas dona de casa e severa com suas meninas. Educou-as com rigor de dar inveja. Para perpetuar a espécie, o zoo trouxe o então inocente Luís Pires, que chegou de São Paulo. Ela o recebeu como filho. Ensinava-lhe as coisas.

Luisinho cresceu, minha gente. E um santo baixou na tresloucada Capitu. O passado dela foi despertado. Experiente, começou a lhe ensinar a arte da sedução e da perdição. Luís Pires enlouqueceu. Começou a pegar geral ; mãe e filhas. Deu no que deu. Emprenhou a família inteira. E agora, vovozinha de dois netos (o sexo só se poderá saber quando os macacos começarem a andar), a história continua. Em se tratando da impagável Capitu, tudo pode acontecer. Ela é gente, minha gente!

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