Cidades

Terrenos fantasmas à venda

Ex-autoridades do governo e dirigentes de cooperativas do DF são alvo de investigação sobre a venda de documentos ilegais que autorizam a ocupação de áreas ainda sem qualquer projeto para serem ocupadas

Guilherme Goulart
postado em 28/04/2010 08:01

As denúncias que envolvem o esquema de concessão e de venda ilegais de lotes pela Companhia Habitacional do Distrito Federal (Codhab) atingem ex-autoridades do Governo do Distrito Federal (GDF) e presidentes de cooperativas candangas. As fraudes, praticadas com o uso de documentos sem valor jurídico, oferecem autorizações para a ocupação de terrenos ainda em fase de estudos para provável urbanização. A investigação, aberta pelo governo local há uma semana, aponta para a falsificação de documentações e arrecadação irregular de mais de R$ 10 milhões em dois anos.

Ex-autoridades do governo e dirigentes de cooperativas do DF são alvo de investigação sobre a venda de documentos ilegais que autorizam a ocupação de áreas ainda sem qualquer projeto para serem ocupadasA falcatrua aparece como um possível desdobramento da Operação João de Barro, que apura indícios de corrupção na doação de áreas por meio da Codhab. O Correio teve acesso a dois documentos que confirmam a concessão indevida de lotes na capital. As autorizações para Ocupação de Lote levam o timbre do GDF e da Codhab e são supostamente vendidas para associados de cooperativas. O preço do documento pode variar de R$ 10 mil a R$ 20 mil. O valor legal delas, no entanto, inexiste, uma vez que apenas Termos de Concessão de Uso servem para comprovar a posse de um terreno.

A suposta fraude é investigada pela Corregedoria do Distrito Federal. Apura-se ainda se o esquema milionário contava com a anuência de servidores do GDF, assim como procura-se identificar os principais beneficiados. Sabe-se que pelo menos mil associados de cooperativas pagaram para obter as autorizações para Ocupação de Lote, mas há dúvidas quanto ao destino do dinheiro. Estão sendo investigados desde funcionários públicos até presidentes das associações (leia arte). ;São denúncias graves, que o governo já tem conhecimento. A apuração é prioridade;, explicou o governador do DF, Rogério Rosso (PMDB).

Uma das autorizações de Ocupação de Lote conseguida pelo Correio tem a assinatura de João Carlos Coelho de Medeiros, que ocupou o cargo de diretor-presidente da Codhab até março de 2010. A documentação identifica o nome e o CPF do beneficiado, e o autoriza a ocupar um imóvel na Quadra 117, Conjunto 14, Lote 18, no Recanto das Emas (leia fac-símile). A reportagem esteve no local e encontrou um terreno coberto de mato e lixo. O terreno fica ao lado da Quadra 116, a última da cidade. Vizinhos contam que a área seria destinada às cooperativas. ;Toda semana chega alguém perguntando sobre esses lotes;, contou uma moradora.

O administrador do Recanto das Emas, Stênio Pinho, estranhou a existência de documentação que autoriza a ocupação de lotes na Quadra 117. Segundo ele, há um projeto para a urbanização da área na Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do DF (Seduma). O estudo, porém, jamais saiu do papel. ;Não existe endereço algum nessa área, e a população não pode ser enganada dessa forma. Todos os programas de habitação do Distrito Federal estão parados para investigar justamente esse tipo de fraude;, afirmou.

Equívoco
João Carlos de Medeiros acabou exonerado do cargo de presidente da Codhab em 20 de abril, um dia após a posse de Rogério Rosso como chefe do Executivo local. Ele exercia função comissionada no órgão, onde prestava serviço desde 6 de março de 2009 ; atuou como diretor até fevereiro do ano passado, quando passou a ser presidente. ;Assim que assumi o governo, recebi informações da Corregedoria e da Secretaria de Segurança sobre essas denúncias. Meu primeiro decreto (1) foi exonerar a Diretoria da Codhab para que eles não atrapalhassem as investigações;, revelou Rosso.

Medeiros admitiu ao Correio que assinou a Autorização para Ocupação de Lote obtida pela reportagem e ainda defendeu a legalidade do documento. ;Trata-se de uma pré-habilitação, uma documentação que, mais à frente, deve ser trocada por um Termo de Concessão de Uso. É um procedimento adotado há muitos anos. Se alguém está vendendo ou pagando por isso, não tenho nenhuma responsabilidade;, argumentou. Ele reconheceu, no entanto, falhas no texto. Entre elas, a estipulação de prazo de 120 dias para a ocupação do lote. ;A expressão pode estar equivocada.;

A outra autorização a que o Correio teve acesso indica a assinatura do deputado distrital Paulo Roriz (DEM). O documento, datado de 2 de junho de 2009, permite a ocupação de um terreno no Riacho Fundo II. Por meio de nota, a assessoria de Roriz divulgou que ;trata-se de uma falsificação grosseira, na qual foi utilizada uma cópia da assinatura do parlamentar, sem valor jurídico algum, possivelmente usada com má-fé na tentativa de enganar pessoas de baixa renda (sic);. O papel atesta Roriz como secretário de Habitação, época em que não estava mais à frente do cargo.

1 - Suspensão
Os dois primeiros decretos de Rogério Rosso como governador do DF tiveram como propósito promover investigações. Um deles determinou a suspensão, por 30 dias, da política de concessão de lotes da Codhab e do Pró-DF. O segundo determinou a realização de auditoria em todos os contratos da administração pública.

Área no Riacho Fundo II também recebeu aval dos órgãos do GDF: ocupação no prazo-limite de 120 dias

Com timbre do GDF e da Codhab, documento libera a ocupação da Quadra 117 do Recanto das Emas

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