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Dedé, a nossa Forrest Gump

Aos 49 anos, ela começou a caminhar para curar uma dor lombar. Foi a senha para Edelswitha Trindade começar a correr e não mais parar. aos 70, esbanja vitalidade e ainda bate recorde

postado em 06/06/2010 07:00

Em casa, ela mostra os troféus e medalhas que conquistou mundo afora, No Parque da Cidade, exercita-se e chama a atenção dos demais frequentadores, no cartão de visitas, a referência em destaque: atletaO cartão de visita dela, todo verde, depois do nome, consta a seguinte identificação, em letras bem grandes: Atleta. É verdade, estamos diante de uma. Ela mede 1,49m e pesa 48kg. É miudinha, mas ao mesmo tempo gigante. Depois de conhecer Edelswitha Amorim Trindade, a vida fica mais leve. E o ser humano, melhor. Bem melhor. Para começar, esqueçam o Edelswitha. É pomposo demais. Ela não combina com ;w; e ;th;. ;Meu pai dizia que era nome de princesa. Vê se pode?;, gargalha. Chamem-na apenas de Dedé. É assim que gosta. É como todos gritam por ela. ;Eu adoro quando alguém passa por mim e diz: ;Vai, Dedé, força. Você é o nosso exemplo...;

Mas, afinal, o que Dedé, tão miudinha, tem de especial? Tudo. Ela acreditou incondicionalmente que podia. Hoje, por todos os cantos do apartamento de dois quartos onde mora, na 303 Norte (;no meu big apartamento;, ela diz, revirando os olhinhos), a recompensa está estampada na sala. São mais de 400 troféus. Fora as centenas de medalhas, guardadas em caixas e mais caixas. Dedé é um verdadeiro show.

Filha do farmacêutico Pedro e da dona de casa Maria, Dedé teve 11 irmãos. ;Todos homens;, ela diz. A menina nasceu em Ribeiro Gonçalves, sul do Piauí, bem longe de Teresina. Um dia, o pai resolveu se mudar daquele lugar Aos 49 anos, ela começou a caminhar para curar uma dor lombar. Foi a senha para Edelswitha Trindade começar a correr e não mais parar. aos 70, esbanja vitalidade e ainda bate recordetão distante. Queria levar os filhos para mais perto da capital. Catou a grande família e parou em Timon, no Maranhão, fronteira com o Piauí. O que divide os dois estados é apenas uma ponte. Um rio.

Em Timon, o pai de Dedé montou um socorro farmacêutico. Até então, o único do lugar. Em Teresina, a menina, que contava 8 anos, começou a estudar. O pai Aos 49 anos, ela começou a caminhar para curar uma dor lombar. Foi a senha para Edelswitha Trindade começar a correr e não mais parar. aos 70, esbanja vitalidade e ainda bate recordesonhara que ela fosse farmacêutica. Mas Dedé sempre soube que não gostaria daquilo. Estudou até o ensino fundamental. E casou-se, aos 22 anos, com um maranhense. ;Sempre fui ajeitadinha, ele gostou de mim;, ela diz, às gargalhadas. O rapaz trabalhava no antigo DNER, hoje Dnit. Era tesoureiro.

E foi transferido para São Paulo. Dedé foi junto. ;Ele foi um bom marido, mas tinha um ciúme danado de mim. Aos 49 anos, ela começou a caminhar para curar uma dor lombar. Foi a senha para Edelswitha Trindade começar a correr e não mais parar. aos 70, esbanja vitalidade e ainda bate recordeNão me deixava trabalhar nem estudar;, diz. E assim seguiu a vida de casada. Estéril, o marido não pôde lhe dar filhos. Em 1974, o casal chegou a Brasília. Dedé se impressionou com o verde, o céu e a imensidão da capital, que ainda era adolescente. Foram morar no Núcleo Bandeirante. Vida nova no Planalto.

Em 2 de fevereiro de 1980, Dedé, aos 40 anos, sofreu o maior golpe da sua vida. Crésio, o marido, morreu de ataque cardíaco. ;Eu não tava preparara. Era ela quem fazia tudo por mim.; Dedé entrou em depressão profunda. E procurou uma psicóloga, que lhe disse que ela precisava viver, cuidar de si própria, libertar-se. Permitir-se.

Dedé seguiu à risca a orientação. Deixou o apartamento no Núcleo Bandeirante e alugou uma quitinete na 702 Norte. Arrumou emprego como auxiliar de escritório. ;Fui trabalhar pra ver gente, pra não me sentir sozinha.; O tempo passou. Ela descobriu que a vida podia continuar. E continuou. Em 1984, encontrou um novo amor, o carioca Roberto Vasconcelos, seu companheiro há 26 anos, cinco mais moço e maiorzinho que ela apenas 5cm. ;Ele é meu anjo da guarda;, diz, com ares de apaixonada.

Tortinha

Os anos se passaram. Em 1989, aos 49 anos, uma dor na região lombar a tirou do sério. Consultou um ortopedista, no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Ele lhe receitou remédios fortes, para combater a dor, e recomendou, moderadamente, caminhadas regulares. Dedé nunca havia feito nada até então. Nunca dirigiu.Andava de ônibus. Era a sua atividade física.

Decidiu passar um mês no Piauí, para ver se ;sarava a coluna;. ;Meu pai tava vivo e me aplicou uma injeção. Melhorei um pouco e lá mesmo comecei a dar umas caminhadas.; Sentindo-se melhor, Dedé voltou a Brasília. E para o Núcleo Bandeirante. Sentiu gosto em dar umas voltinhas a pé, todo dia, como o médico recomendara.

E nunca mais parou, como o personagem de Tom Hanks, no filme Forrest Gump, que um dia ganhou o mundo correndo sem parar. ;Sou sócia do Minas e, um dia, dei 50 voltas no campo de futebol. Me apelidaram de Rosa Mota (famosa corredora portuguesa).; Dedé desembestou a andar. ;Eu me sentia cada dia melhor.; Aos 49 anos, a mulher do Piauí redescobriu, andando, o prazer de viver. A dor na coluna? ;Vixe, me esqueci dela. Tudo é a cabeça.;

Na semana seguinte, das 50 voltas em torno do campo de futebol, Dedé descobriu que ia ter uma corrida no Parque da Cidade. Percurso: 10km. Ela não teve dúvida: fez a inscrição. ;Cheguei toda me achando, tomei um café bem reforçado, com cuscuz, e calcei uma bota. Tava tudo errado.; E veio a largada. Dedé se danou a correr. ;Eu corria toda tortinha, sem orientação, técnico, sem nada.;

Perto da então Piscina de Ondas, Dedé, de bota e cheia de cuscuz na barriga, começou a passar mal. ;Senti dores terríveis nos pés, que tavam em carne viva. Até vomitei.; Os bombeiros quiseram levá-la para o hospital. Ela bateu pé. Vomitou e voltou à corrida. ;Fiz em 1 hora e 10 minutos, na categoria 40 a 49 anos. Tirei o terceiro lugar. Fiquei com o bronze;, conta, vibrando. Era a primeira medalha de sua vida.

Volta ao mundo
Veio a Corrida de Reis. Aos 50 anos, lá estava a insuperável Dedé. Levou a prata. ;Foi quando as adversárias começaram a ficar com inveja de mim;, diz. Mas ela continua correndo sozinha, sem técnico. ;Tinha dia que eu saía correndo do Núcleo Bandeirante e, quando me espantava, tava no balão do Gama. Eram 15km sem parar.; Um dia, no Centro Olímpico da UnB, Dedé foi apresentada a um técnico, o primeiro de sua vida. ;Foi o professor Mário Cantarino. Durante um ano, ele me ajudou muito.;

Dedé vivia para correr. ;Corria Brasília inteira, no parque, no Eixão, em todo canto.; Em 1991, aos 51 anos, ela viajou para o Rio de Janeiro. Foi participar da maratona de 42km. Não deu pra ninguém. Na categoria 50 a 54 anos, o ouro era dela. Veio a consagração. Em 1993, a miudinha voou para o outro lado do mundo. O Banco de Brasília lhe deu as passagens, e os irmãos entraram com o resto. O técnico passou a ser João Sena, de Sobradinho.

No Japão, Dedé participou do Campeonato Mundial ; faixa etária 50 a 55 anos. Voltou com duas medalhas de prata e uma de bronze. ;Fui a segunda do mundo na maratona. Tinha mais de 78 países participando e atletas de nível. E a fama, ao retornar: ;Passaram a me chamar de estrela, de mulher de ferro. Modéstia à parte, fiquei famosa;, diz, toda charmosinha. E bota pra quebrar: ;Em Brasília e no Brasil, ganhei todas as competições. Não deu mais pra ninguém. Corri em todas as grandes cidades;. Dá-lhe, miudinha!

E o mundo foi dela. Vieram competições mundiais ; sempre em longa distância, sua especialidade ; em Nova Iorque, Paris, Durban (África do Sul) e Chile. Os troféus e as medalhas ; de ouro, prata e bronze ; só aumentaram. Aos 63 anos, em 2003, o joelho esquerdo da atleta estourou. Parar? De jeito nenhum. ;Operei no Sarah e voltei às corridas, como antes;, gaba-se.

Roberto, o amado, foi sempre o seu maior incentivador. ;Ele é o máximo na minha vida. Não corre nada, mas me apoia em tudo. É um docinho;, derrete-se. E lembra do primeiro marido: ;Se ele estivesse vivo, duvido que eu estaria correndo;. E comenta: ;O Crésio deve tá se revirando no Campo da Esperança;.

Fama e carinho
Todo mundo que corre em Brasília ; ligado ao não esporte ; conhece ou já viu Dedé. No Parque da Cidade, o povo a cumprimenta. ;Os mais jovens dizem que sou exemplo pra eles. Me agradecem por eu existir...; Se está no Eixão ou pelas avenidas que levam às cidades, as buzinas dos carros não dão trégua. ;Me sinto feliz quando alguém me diz que começou a correr depois que me viu. É bom quando as pessoas veem em você o bem;, emociona-se.

Os treinos são diários. Descanso? Só aos domingos. Alimentação balanceada. ;Como muita banana, proteínas e carboidratos. Macarrão, arroz e carne são diários. Mas evito gordura.; Chek-up é sagrado. O cardiologista sempre é ouvido. Danadinha, ela revela um segredo: ;O Nilton Santos (bicampeão mundial) um dia me ensinou a tomar, uma vez por semana, um copo de cerveja preta com ovo de codorna, batido no liquidificador. Ele disse que eu ia virar um foguete. Me faz muito bem. Fico com uma energia...; Roberto que o diga...

Planos da maratonista? ;Antes, eu planejava correr até os 80 anos. Mudei de ideia. Vou correr até os 100. Quem viver verá;, gargalha, com entusiasmo de menina peralta. Ah, sim, Dedé completou 70 anos em 13 de maio. Comemorou em grande estilo. Passou 12 dias, entre Portugal, França e Espanha. Devota de Nossa Senhora de Fátima, fez questão de visitar o santuário da santa, na cidade portuguesa. ;Não corri, não. Só passeei e rezei;, ri.

Próxima corrida da atleta, que hoje tem o patrocínio do Minas Tênis Clube? ;A Meia Maratona do Rio, um percurso de 21km. É fichinha pra mim. No ano passado, fui campeã;. Dedé é peça raríssima. Conhecê-la faz um bem danado à alma.

Valeu, campeã!

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