Cidades

Álcool ainda é o que mais mata

A lei seca, que completa dois anos amanhã, reduziu em 17,4% o número de óbitos nas pistas do Distrito Federal. Apesar disso, mais da metade dos motoristas envolvidos em acidentes fatais havia ingerido bebida alcoólica

Juliana Boechat
postado em 19/06/2010 07:00

O diretor-geral do Detran do Distrito Federal, Geraldo Nugoli, aposta na educação como ferramenta para reduzir a violência no trânsitoApesar da intensa fiscalização dos órgãos de trânsito do Distrito Federal durante os últimos dois anos na tentativa de impedir a mistura de álcool e direção, mais da metade dos acidentes fatais que ocorrem hoje ainda são causados pela ingestão de bebida alcoólica. Um balanço realizado pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) mostra que, de 20 junho de 2008 ; quando a Lei n; 11.705/08(1), a lei seca, entrou em vigor ; a dezembro do ano passado, 52,2% dos motoristas mortos em acidentes haviam bebido. O vilão do trânsito também tira a vida de pedestres e motociclistas. Do total de acidentes fatais envolvendo pessoas que estavam a pé, 58,2% apresentavam alcoolemia. Entre os condutores de motocicletas, 51% também registravam concentração de álcool no organismo.

Apesar de muitos ainda desafiarem as estatísticas, segundo os dados do Detran, a quantidade de acidentes fatais e de mortes no trânsito ainda permanece inferior a dos anos anteriores à lei seca. Segundo o órgão, 962 pessoas perderam a vida nas vias do DF de 20 de junho de 2007 a 19 de junho de 2008. No primeiro ano de vigência da legislação, quando a fiscalização foi intensificada, o número caiu para 806 vítimas. No segundo aniversário da lei, no entanto, houve um aumento de 2,6% no número de mortes, que passou para 826. ;Esse acréscimo se deu em função do aumento de veículos nas ruas do Distrito Federal do ano passado para cá, que foi de quase 100 mil;, explica o diretor-geral do Detran, Geraldo Nugoli. Em 2009, a frota cresceu 8%, o que representa um acréscimo de 100 mil veículos.

O estudo definiu ainda o perfil da vítima de trânsito no DF. Do total de mortos alcoolizados, 97% são homens e 68% têm entre 20 e 39 anos. A maioria dos acidentes envolvendo pessoas embriagadas são registrados durante a noite e a madrugada (83%), nos fins de semana (68%) e nas vias que ligam as cidades do DF ao Plano Piloto (65%). Cerca de 60% dos acidentes acabam em capotamento, choque com outro carro ou obstáculo. Mas, cada vez mais, o Detran e o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) tem conseguido interceptar os potenciais causadores das tragédias. Desde que a lei seca entrou em vigor, 13.514 motoristas foram autuados por dirigirem sob o efeito de bebidas alcoólicas. Os números das apreensões de carteiras de habilitação, da aplicação de multas e até mesmo das prisões não param de crescer. Em 2009, 6.838 pessoas foram punidas ; o que representa uma média de 18 condutores por dia. Este ano, o número saltou para 27, com um total de 4.363 até 10 de junho.

O secretário de Segurança Pública, João Monteiro Neto, acredita que com uma melhor instrumentalização dos órgãos de trânsito e uma maior conscientização da população, a lei seca vai repercutir positivamente nos próximos anos. ;Ainda temos registrado grandes fatalidades com a ingestão de bebidas alcoólicas, mas os números estão diminuindo. E esse é um caminho sem volta, como aconteceu com o respeito pela faixa de pedestres. Agora, nos basta aperfeiçoar cada vez mais essa norma;, defende. O diretor-geral do Detran completa: ; A educação é um segmento importante para que os cidadãos exerçam a responsabilidade no trânsito. Se todos nós estivéssemos empenhados com esse espírito, não teríamos tantas famílias sofrendo por esse motivo;. O Detran já conta com 30 viaturas e mais 48 servidores para intensificar a fiscalização.

Familiares de vítimas de acidentes de trânsito pediram mais rigor no cumprimento da lei e mais celeridade da Justiça na punição dos motoristas bêbados que causam acidentes nas ruas do DF. A vice-presidente da ONG Rodas da Paz, Beth Davison, perdeu um filho há quatro anos. ;É uma falta de responsabilidade uma pessoa embriagada pegar o carro e tirar a vida de outra pessoa. A população não aceita mais isso. A lei seca pode impor responsabilidade com fiscalização e punição, mas o rigor está afrouxando;, critica. Luiz Claudio Vasconcellos, que perdeu a esposa Antônia em acidente na ponte JK, em 2007, ainda se emociona ao lembrar da colisão, atribuída ao professor de educação física Paulo Cesar Timponi, 53 anos, que estava alcoolizado no momento do choque. ;Minha esposa morreu nos meus braços. Só quem passa por isso sabe como é. Naquela época, tomei a iniciativa e pedi uma mudança de postura das pessoas no trânsito. Se não mudarmos essa consciência, outros Timponis continuarão matando por aí;, diz.


Ação paralela
De junho de 2008 a maio de 2010, o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar do DF realizou 7.949 autuações de motoristas embriagados. Em breve, a fiscalização contará com mais 15 viaturas para reforçar a fiscalização. De todas as pessoas abordadas pela PM nas rodovias do DF, 23% são conduzidas à delegacia com alcoolemia superior a 0,3 miligrama por litro de ar expelido, o que caracteriza crime.


REDUÇÃO NACIONAL
O Ministério da Saúde (MS) também divulgou ontem, no Rio de Janeiro, os dados referentes à lei seca em âmbito nacional. O levantamento mostra que as mortes provocadas por acidentes de trânsito caíram 6,3% no primeiro ano de vigência da norma se comparado com os anos anteriores. O índice representa 2.302 mortes a menos em todo o Brasil, reduzindo de 36.924 para 34.597. O Distrito Federal ocupa o terceiro lugar no ranking da redução da taxa de mortalidade, com menos 17,4% mortes e está atrás apenas dos estados do Rio de Janeiro (-32,5%) e Espírito Santo (-18,4%). De acordo com os dados do MS, mais de 300 mil brasileiros perderam a vida no trânsito entre 2000 e 2008. Os acidentes de trânsito representam a primeira causa de morte dos brasileiros de 5 a 14 anos e dos de 40 a 60 anos ou mais.

A lei seca, que completa dois anos amanhã, reduziu em 17,4% o número de óbitos nas pistas do Distrito Federal. Apesar disso, mais da metade dos motoristas envolvidos em acidentes fatais havia ingerido bebida alcoólica



Memória
Histórias que se repetem

3 de maio de 2010
O vigilante Nelsiles de Assis, 34 anos, conduzia um Gol (placa KDZ-9808), quando atropelou Cleudirene Almeida Santos, 32, que atravessava uma faixa de pedestres no Cruzeiro. O condutor foi recolhido para a delegacia, onde realizou o teste de bafômetro e apresentou teor alcoólico maior do que o permitido pela lei. Ele teve a carteira de habilitação recolhida e responderá pela morte da mulher em liberdade.

28 de junho de 2009
O assessor parlamentar federal Leônidas Afonso Botelho Costa de Oliveira, 38 anos, atingiu a bicicleta do pedreiro Renato Pereira de Jesus, 51 anos, enquanto dirigia um Vectra de placa KFZ 3291-DF. O acidente aconteceu na DF-001, na altura da Quadra 30 do Paranoá. Renato morreu pouco depois de chegar ao hospital. O teste do bafômetro do assessor acusou 0,34 miligrama de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões. Leônidas prestou socorro, mas foi preso em flagrante. Ele informou ao delegado que o pedreiro também aparentava ter ingerido bebida alcoólica e teria jogado a bicicleta na frente do carro.

19 de dezembro de 2008
Giovanna Vitória de Assis, 5 anos, e a babá Francilda da Paz, 36, foram atropeladas em uma faixa de pedestres em Planaltina. A menina morreu na manhã de 25 de dezembro. A babá sobreviveu e ainda se recupera das fraturas no braço e no pé. O motorista que as atropelou foi o professor David Silva da Rocha, 46 anos, que não prestou socorro às vítimas e, segundo a polícia, havia ingerido bebida alcoólica. Ele nega e diz que o teste do bafômetro anexado aos autos não é o dele.

22 de junho de 2008
Os irmãos ; o casal de gêmeos Evânio e Evanessa, 18 anos ; e Gleicia Rodrigues, 16, morreram em um acidente na BR-020. O motorista do Palio em que eles estavam, Pedro Andriak Soares, 24 anos, dirigia embriagado e acima da velocidade permitida na via, segundo a polícia. Ele era amigo das vítimas e confessou na delegacia ter bebido oito latas de cerveja antes da tragédia. O acidente ocorreu durante uma tentativa de ultrapassagem próxima à entrada da Embrapa Cerrados (Sobradinho/Planaltina).


Rigor na fiscalização
A lei seca determina que o motorista embriagado pode ter a carteira recolhida, o veículo apreendido e ainda ter de pegar uma multa no valor de R$ 957. Mas, caso o nível de álcool registrado esteja acima de 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões, a situação se agrava. Nesse caso, o condutor é levado à delegacia e liberado após cumprir uma determinação judicial ou pagar fiança. Com o rigor na fiscalização, de 19 de junho de 2008 a 17 de maio de 2010, 3.591 carteiras de habilitação foram suspensas; 207 foram cassadas; e a Justiça abriu 7,6 mil processos criminais contra condutores. Dos 13.514 autuados nos últimos 12 meses, 3.673 foram presos em flagrante, o que representa 27,2%. Desses, 51 eram reincidentes no crime.

A Vara de Delitos de Trânsito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios possui atualmente cerca de 700 ações contra motoristas embriagados. A maioria recorre nas instâncias superiores da Justiça. E, segundo a assessoria de imprensa do órgão, nenhum desses pedidos foi deferido em Brasília. O policial João Victor*, 24 anos, foi pego pela fiscalização em novembro do ano passado, após sair de uma festa no Setor de Clubes Sul. ;Eu estava tão bêbado que não vi a blitz. Quando fui pego, não assoprei o bafômetro. Ainda tentei socializar com o policial, dei uma carteirada, mas não teve jeito. Ele recolheu os meus documentos;, lembra. João protocolou um recurso no TJDFT, que ainda não tem previsão para ser julgado.

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