Cidades

Desigualdade social persiste no DF

Os dados da pesquisa do IBGE revelam que a capital federal não conseguiu vencer a concentração de renda. As disparidades entre as classes da população no DF só são menores do que as do Piauí

postado em 12/09/2010 08:57 / atualizado em 19/10/2020 14:20

Elas não moram tão longe uma da outra. A distância é de pouco mais de 20 quilômeros. Mas as vidas de Egna Gomes Rodrigues, 28 anos, e de Yelva Maria Braga Ribeiro, 57, são bem opostas. A primeira mora na Estrutural, a invasão que virou cidade. Trabalha como gari, varrendo ruas sob o sol escaldante. Por mês, ganha um salário mínimo, ou seja, R$ 510, mais alguns benefícios. A segunda vive no Lago Sul, o bairro mais nobre do Distrito Federal. Passou em concurso público para um órgão do governo local e desfruta de uma renda mensal de cerca de R$ 15 mil.

Sozinha, Egna garante o sustento dos três filhos. O marido está desempregado. Não fossem os R$ 102 extras do adicional de insalubridade ; por manusear lixo ;, arcar com as despesas do lar seria missão mais difícil. Ainda complementam a renda R$ 58 de um programa do governo federal. ;Nunca nem sonhei com essa renda de R$ 2 mil. Pra mim, isso não retrata a verdade;, diz ela, referindo-se aos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgados na semana passada, que apontaram renda média real de R$ 2.239 para o trabalhador do DF, em 2009.

O abismo social na capital do país, exemplificado na diferença de realidade entre Estrutural e Lago Sul, diminuiu em relação ao ano anterior, segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O DF, porém, não abandonou as primeiras posições do ranking nacional de desigualdade. Para Yelva Ribeiro, moradora da área nobre, os dados refletem o cenário do DF. ;Os salários dos servidores públicos são altos. Mas nas cidades mais carentes, que circundam o Plano Piloto, a situação é diferente. De fato, há um grande abismo social;, diz.

Problema crônico
O Índice Gini do DF ; que leva em conta a distribuição do rendimento mensal da população ocupada ; caiu de 0.601, em 2008, para 0.582, no ano passado. Em 2004, quando o IBGE também mediu a desigualdade, a capital do país obteve 0.588. Pela metodologia, quanto mais próximo de um, maior a disparidade entre as classes sociais. O índice do DF, em 2009, só foi menor que o do Piauí, que registrou 0.596. A média nacional caiu de 0.521 para 0.518. Amazonas e Santa Catarina foram os estados com menor desigualdade: ambos apresentaram índice de 0.463.

A gerente da Pnad, Maria Lúcia Vieira, diz que o tamanho do fosso social no DF não surpreende mais. O índice é puxado, lembra ela, pelos altos rendimentos dos trabalhadores da capital federal, principalmente por conta do caráter administrativo da cidade. Segundo Maria Lúcia, há, no entanto, uma tendência de melhor distribuição da renda. ;De 2008 para 2009, podemos perceber uma redução significativa, apesar de a desigualdade ainda ser grande;, comenta. ;No caso do Piauí, que liderou o ranking, o que explica o abismo são os baixos rendimentos médios;, diferencia.

Para o economista Carlos Lima, professor do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade de Brasília (UnB), o resultado da última Pnad mostra que o DF ainda não conseguiu superar a concentração de rendimentos, um problema crônico, na avaliação dele. ;Constatamos uma renda extremamente centralizada nas asas e nos lagos Sul e Norte. Por outro lado, encontramos situações de extrema pobreza nas regiões marginais;, analisa. Como o funcionalismo público do DF tem alguns dos salários mais elevados do país, reforça Lima, a situação se agrava.

Especialistas também atribuem a distância entre ricos e pobres à falta de políticas públicas voltadas para educação e para uma dinâmica econômica que descentralize a renda. A pequena redução do Índice Gini do DF mostrada pela Pnad, porém, ajuda a traçar um horizonte promissor. Em julho deste ano, o Correio divulgou levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em informações de 1995 a 2008, que apontava o DF como única unidade da Federação a registrar aumento da distância social no período, com nível semelhante aos de nações africanas mais atrasadas.

Maior rendimento
A edição de 2009 da Pnad apontou o DF na posição que vem sustentando há anos: a unidade da Federação com o maior rendimento médio real do país. Em 2009, os ganhos médios de um morador do DF ficaram em R$ 2.239, ou seja, 102% superiores à média nacional, que foi de R$ 1.106. Os rendimentos no DF são, ainda, 64,8% maiores do que o segundo estado com maior renda média do país no ano passado, Santa Catarina, com a marca de R$ 1.358.

Homens em desvantagem
A Pnad separa o Índice Gini por sexo. Entre os homens que moram no DF, o abismo social é ainda maior: 0.584. No caso das mulheres, o índice foi de 0.569. Na média nacional, a diferença se confirma: 0.520 entre os homens e 0.500 entre as mulheres.

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