Cidades

Shopping Popular é usado como se fosse um empreendimento particular

postado em 07/11/2010 08:22
Não é por acaso que o pavilhão construído ao lado da Rodoferroviária, às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), foi batizado de Shopping Popular. O complexo de 20 mil metros quadrados, loteado em 1.784 lojas e com capacidade de estacionamento para 1.375 carros foi erguido com o objetivo social de abrigar vendedores ambulantes que se amontoavam em áreas centrais da capital da República sem, no entanto, acabar com a fonte de renda desses profissionais da informalidade. Mas, dois anos e meio depois de inaugurado, o camelódromo tornou-se uma vitrine de toda a sorte de irregularidades que desafiam o poder público.

Feirantes mostram os documentos com a cessão dos boxes, dada pelo governoErguido para abrigar vendedores que nunca tiveram condições de se estabelecer em endereço fixo, o Shopping Popular está sendo usado como se fosse um empreendimento particular. Boxes cedidos pelo governo são negociados entre ambulantes que vendem ou compram unidades por intermédio de uma associação criada para defender os interesses da categoria. Por meio de um termo de conduta redigido pela Corregedoria-Geral do DF e assinado no ato do sorteio das bancas pelo governo, os feirantes assumiram o compromisso de não alugar, emprestar, doar ou vender as lojas. Salvos da informalidade das ruas, mas largados em um sistema completamente sem o controle oficial, os ambulantes administram o Shopping Popular como bem entendem.


Divulgado em um folder de propaganda (veja fac-símile), o endereço da loja Ecologic Motors denuncia a falta de controle no camelódromo vizinho à Rodoferroviária. ;Transporte ecologicamente correto;, anunciam os sócios do ;show-room;, cujo endereço é a Ala B ; lojas 67 a 80 do Shopping Popular. Todos os boxes foram construídos com medida padrão de 4 metros quadrados e cada feirante tinha, impreterivelmente, direito a uma loja, cuja ordem de entrega foi decidida por meio de sorteio. Mas Antônio Bandeira conseguiu montar uma concessionária de motos no latifúndio que abriu com a integração de 14 boxes.

[SAIBAMAIS]Alheio ao público-alvo da feira popular, Antônio Bandeira vende, além das motocicletas expostas no pavilhão, patinetes elétricas, jet-skis, pranchas motorizadas e até carrinho de golfe. O anúncio estimula: ;Venha fazer um teste drive (sic);. Mesmo sabendo do risco de se apropriar de um território cedido pelo governo, Bandeira acha que correu um risco comum a qualquer empresário. ;Indenizei os outros feirantes que desistiram dos boxes e montei a loja. Sei que é arriscado, mas faz parte do perfil de empreendedor;, diz Antônio Bandeira sobre o negócio da China que montou no coração do Distritro Federal. Os feirantes são isentos de impostos. Pagam apenas uma taxa de manutenção no valor de R$ 40 por nicho ocupado.

Bandeira está longe de ser o típico ambulante. Com a ajuda do sócio, que tem mantém outros negócios na cidade, a dupla investiu R$ 200 mil para montar a exposição de motos. Os dois pagaram entre R$ 4 mil e R$ 5 mil para os ambulantes sorteados pelo governo que tiveram o custo para montar as bancas com acabamento em ferragens. O dono da concessionária terá em breve como vizinho um advogado também com ;espírito empreendedor;. O mais novo investidor do Shopping Popular é identificado pelos colegas como Dr. Jaime. O advogado reuniu 16 bancas no camelódromo para abrir um atacado de brinquedos. O espaço na Ala D do pavilhão está em reformas.

Empréstimos
Em condições desiguais, mas com a mesma intenção de ampliar os negócios, boa parte dos feirantes aumentou a propriedade concedida pelo governo. Há vários casos de camelôs que contrataram empréstimo em banco para dobrar o espaço a que tinham direito comprando o box vizinho ao que possuíam. A negociação é feita pela Associação de Vendedores Ambulantes do Shopping Popular (Asshop) ; (leia reportagem na página seguinte) ; ou pelos próprios titulares das lojas. Maria do Socorro Rocha, 46 anos, foi sorteada há mais de dois anos para ocupar uma banca no pavilhão ao lado da Rodoferroviária. Mas Socorro achou o espaço muito pequeno para expor as mercadorias, parte delas coleiras de cachorro confeccionadas pelo marido.

Sem encontrar qualquer empecilho do governo, a feirante decidiu comprar a banca ao lado da sua. ;O dono me vendeu por R$ 22 mil;, revela a moradora do P Norte, que diz ter como garantia do negócio ;um contrato passado no cartório;. Socorro paga prestação de R$ 500 ao mês, pouco mais que o dobro do que consegue vender em mercadorias no período. ;Se não fosse o meu marido que assume as despesas, não teria condições de me manter aqui;, diz a vendedora cuja história ilustra a situação de vários de seus colegas.

Neuza Maria Cabral, 53 anos, vende bolsas no Shopping Popular. Quando trabalhava como ambulante oferecendo produtos de beleza em secretarias e ministérios do governo achava que o ofício compensava. Com o comércio em endereço fixo há mais de dois anos, a feirante insiste num sonho sem resultados objetivos em seu orçamento. O que gasta por mês em passagens ; R$ 350 ; é mais do que tira por mês com a venda das bolsas. Neuza tem apenas uma banca, mas é ela quem, todos os dias, abre e toma conta de outros cinco boxes vizinhos ao seu. Por causa do fraco movimento, feirantes que voltaram a atuar nas ruas terceirizam o serviço, o que segundo o termo de acordo assinado com o governo também é proibido. ;Um colega me paga R$ 60, o outro dá as passagens e tem ainda quem me ajude com a comida. Se não fosse assim, não teria como estar aqui até hoje, esperando as coisas melhorarem;, diz a mulher.

A poucos metros de onde trabalha Neuza está a banca ocupada por Raimundo Nonato, 54 anos. Desde fevereiro, o feirante tenta recuperar o investimento de R$ 20 mil para montar uma lanchonete no Shopping Popular. Foi um dos sorteados pelo governo. Mas no dia em que receberia o box estava fora da cidade, por ocasião da morte do pai. Até hoje, não conseguiu regularizar a sua situação e, como outros colegas, ocupa uma outra loja por indicação dos dirigentes da associação de feirantes.

No último dia 2, Raimundo se surpreendeu, pois foi avisado pelo ;dono; da loja ; que teria comprado o ponto por intermédio da associação ; para desocupar o lugar. ;Só saio daqui quando a minha loja estiver pronta;, disse. O suposto proprietário chegou a oferecer a Raimundo que comprasse o espaço por R$ 140 mil. A reportagem conferiu a proposta se fazendo passar por uma pessoa interessada. Filho do ;dono; da banca, a pessoa que atendeu ao telefonema se mostrou disposta a negociar o box mesmo diante de um questionamento sobre a legalidade da transação. ;Aqui todo mundo negocia as lojas, não tem problema, não.;

Complexo
A obra do Shopping Popular custou R$ 21,5 milhões e foi construída pela Via Engenharia, que na época venceu a licitação para tocar o empreendimento do governo. A construção é de autoria do arquiteto Alencar Blanco Cinnanti e do engenheiro civil Dalmo Blanco Cinnanti. Com acabamento em curvas, o projeto é inspirado
no movimento das ondas do mar.


Recepção
Na semana em que se elegeu governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT) e o vice, Tadeu Filippelli (PMDB), estiveram em visita no Shopping Popular. Deram uma volta no lugar, cumprimentaram os ambulantes. O dono da concessionária, Antonio Bandeira, foi um dos que recebeu o abraço dos candidatos, que prometeu
ajudar os vendedores na próxima administração.

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