Cidades

Processos contra PMs estão parados na Auditoria Militar de Goiás

Renato Alves
postado em 04/05/2011 07:00
A lentidão nos processos contra policiais militares e o apoio das autoridades às ações criminosas dos agentes de segurança estimulam a matança em Goiás. A opinião de promotores de Justiça e de defensores dos direitos humanos é respaldada pela grande quantidade de inquéritos parados ou arquivados e os constantes elogios e promoções a praças e oficiais acusados de integrarem grupos de extermínio.

Quase 3 mil processos contra policiais militares goianos aguardam um desfecho na Auditoria Militar estadual. Órgão que ficou 14 anos sem um juiz titular. Muitos dos crimes têm como réus os 19 PMs presos em 15 de fevereiro na Operação Sexto Mandamento, desencadeada pela Polícia Federal para pôr um fim ao esquadrão da morte formado apenas por militares.

O grupo atua há quase 15 anos, quando executou mais de 300 pessoas, segundo investigações da PF e do Ministério Público estadual (MPGO). O bando seria responsável ainda pelo desaparecimento de outras 36 pessoas nos últimos 10 anos, de acordo com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás. Por ter PMs como suspeitos, muitos dos casos pararam na Auditoria Militar, que não teve um juiz titular entre 1992 e 2006.

José Carlos de Oliveira foi o último magistrado a ocupar tal função. Ele deixou o cargo após um ano e meio, em janeiro, com 2.866 processos em andamento. Desde então, a auditoria está sem um juiz que fique por conta dos processos dela, o que daria mais agilidade aos julgamentos. Nesse quadro, juízes substitutos são convocados apenas para tratar dos casos considerados de ;urgência;, classificados dessa maneira pela direção do Tribunal de Justiça de Goiás.

Para se ter uma noção da morosidade também da Polícia Civil, em 2009, somente 62 inquéritos ; 15,5% do total de casos investigados na época ; passaram a ser apreciados também por um juiz, o que significa que investigadores conseguiram chegar a autores dos assassinatos. As informações estão nos relatórios repassados por delegados ao MPGO, que pediu detalhes sobre indícios de participação de grupos de extermínio nas mortes.

Fraudes
Conforme tem mostrado o Correio Braziliense desde domingo, na série ;Crimes de farda;, mais 300 pessoas morreram, oficialmente, em confrontos com alguns dos policiais militares presos e outros fora do inquérito da PF, nos últimos 10 anos. Para a Polícia Federal e o MPGO, há fortes indícios de fraude nas supostas trocas de tiros. Na maioria delas, laudos do IML mostram sinais de tortura e execuções, como tiro na nuca da vítima.

A costureira Maria Araújo segura fotografia do filho Lindomar, morto em casa com tiro na nucaA reconstituição de casos de ;morte em confrontos; durante ação policial revela que, em pelo menos 16 ocasiões, as circunstâncias foram simuladas pelos policiais militares envolvidos. São laudos da Polícia Técnico-Científica, feitos a pedido da Justiça estadual, que entendeu faltarem evidências para esclarecer casos de policiais que mataram em serviço na capital e no interior do estado.

Uma das supostas trocas de tiros não esclarecida vitimou Lindomar Pedrosa de Araújo Mendanha, no Setor Buriti Sereno, periferia de Aparecida de Goiânia. Ele morreu aos 22 anos, em 3 de setembro de 2004, dentro de casa, com um tiro na nuca. Os autores são policiais militares, devidamente identificados, mas nunca punidos.

Por volta das 8h30, quando Lindomar estava somente com um amigo, quatro PMs sem farda e mandado de prisão cercaram a residência. Dois pularam o muro e começaram a atirar. Ele estava no quarto, perto do banheiro. Nada de ilegal, como droga ou produto roubado, foi encontrado na casa da vítima. Por mais de seis horas após a abordagem, o imóvel ficou fechado, com o corpo dentro e o acesso liberado somente a policiais.

Tortura

Lindomar havia sido detido aos 17 anos acusado de furto e liberado por falta de provas. Já adulto, acabou levado por policiais militares a um quartel da corporação duas vezes, mas nunca respondeu a processo. No entanto, após a segunda abordagem, ele chegou em casa todo machucado, dizendo ter sido torturado. Agressões denunciadas à Corregedoria da PM e ao MPGO pela mãe dele, a costureira Maria Pedrosa de Araújo.

PMs passaram a rondar a casa de Lindomar e a ameaçá-lo de morte por ter reconhecido quatro deles como seus torturadores, em depoimento na corregedoria, que o encorajara a fazer a denúncia sob a promessa de sigilo absoluto. ;(Os PMs) Diziam que os dias dele estavam contados. Cumpriram a ameaça;, desabafa a mãe. Hoje, aos 47 anos, ela é uma das mais atuantes militantes na luta contra a violência policial em Goiás. ;Acham que quem mora na periferia não tem vez. Mas não é bem assim, não somos bichos. Temos direitos;, sentencia.

Audiência na Câmara dos Deputados
A atuação dos grupos de extermínio no Brasil, em especial os de Goiás, é tema de audiência pública marcada para a próxima terça-feira, na Câmara dos Deputados. O evento será coordenado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Câmara dos Deputados, e foi pedida pelo deputado Delegado Waldir (PSDB-GO). ;O estado de Goiás tem 10 municípios entre os mais violentos do país. Segundo investigação da Polícia Federal, entre 50 e 100 pessoas foram mortas naquele estado em razão da ação de extermínio. As forças policiais estaduais estão inertes às ações desses grupos. As investigações apontam extermínio de crianças, de adolescentes e de adultos envolvidos ou não com o crime. A leniência do Estado e a suposta participação de agentes políticos e policiais demonstram que as execuções são políticas de segurança pública;, afirmou o delegado Waldir, para justificar a realização da audiência.

Mandante está foragido
Um dos poucos casos de extermínio investigado pela Polícia Civil de Goiás é o do veterinário e fazendeiro José Eduardo Ferreira, 56 anos. Ele havia sido visto com vida pela última vez em 10 de março de 2009, quando saiu de casa pela manhã para visitar duas lojas de produtos agropecuários em Cabeceiras de Goiás. Seis meses depois, investigadores encontraram sua ossada em uma cisterna na área urbana de Formosa (GO).

Na última sexta-feira, o Tribunal do Júri de Formosa condenou dois dos acusados pela morte de José Eduardo. Os outros denunciados pelo crime ; incluindo quatro policiais militares ; ainda não tiveram o julgamento marcado.

Condenado como executor do assassinato, João Batista Brandão de Amercês, 37 anos, recebeu pena de 17 anos e 8 meses prisão. Já América Cristina Gontijo de Sousa, 30, que participou da emboscada da vítima, servindo de ;isca;, acabou condenada a 8 anos pelo homicídio qualificado, pena a ser cumprida em regime semiaberto.

A Polícia Civil aponta o fazendeiro Wilson Lopes de Ataíde como mandante do crime. Ele encomendou a morte porque teria sido agredido com um tapa por José Eduardo, em função de um terreno comprado da vítima. Ataíde e o pistoleiro estão foragidos desde a descoberta dos restos mortais de José Eduardo. Denunciados por ajudar a acobertar o crime, os PMs acabaram afastados das funções.

Desde seu desaparecimento, familiares de José Eduardo travaram uma batalha na busca por notícias dele, sem apoio das polícias goianas. A Polícia Civil do estado só mandou uma equipe especializada em homicídios assumir o caso após o Correio revelar as suspeitas de envolvimento de PMs no sumiço de José Eduardo.

Em série de reportagem iniciada em 11 de maio de 2009, o Correio denunciou a ação de grupos de extermínio no Entorno. As primeiras matérias mostraram a responsabilidade de PMs em pelo menos 20% dos homicídios registrados em Formosa. Em 2008, os PMs admitiram ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007.

Na maioria dos registros, os militares alegaram confrontos com bandidos armados. Mas grande parte das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Em quase nenhuma suposta troca de tiros houve moradores como testemunhas.

O aumento no número de mortes no município com a chegada do major Ricardo Rocha Batista ao batalhão de Formosa, em 2007, chamou a atenção do Ministério Público e da Polícia Civil, que abriram investigações sigilosas na capital do estado. Antes de Formosa, o major esteve em Rio Verde (GO), onde é acusado de executar cinco condenados que haviam fugido da cadeia e de matar com cinco tiros um homem desarmado.

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