Cidades

Depois de reclamações, administração de Brasília estuda fechar T-Bone

Marco Prates
postado em 04/06/2011 08:00

Show de Zé Ramalho em 26 de maio: segundo os organizadores, público de mais de 20 mil pessoas.
Um dos mais tradicionais eventos de Brasília, o Noite Cultural, realizado a cada seis meses pelo Açougue Cultural T-Bone, na 312/313 Norte, corre o risco de ser retirado do calendário oficial da cidade. A Administração Regional de Brasília estuda a transferência das apresentações musicais para outro endereço. A mudança pode ocorrer por conta das frequentes reclamações de moradores das quadras residenciais. A última edição contou com show do cantor Zé Ramalho e atraiu cerca de 10 mil pessoas, segundo a Polícia Militar. O T-Bone adiantou que qualquer mudança significaria o fim da iniciativa, que ocorre há 13 anos e tem a 30; edição marcada para setembro.

O administrador de Brasília, Messias de Souza, disse que o órgão recebeu um número alto de reclamações formais após o show de 26 de maio. E-mails, telefonemas e ofícios apontaram barulho, sujeira e congestionamento durante o concerto. ;Se o próximo for grande como esse, vai ter que ser em outro local. Pode ser a Torre de TV, o Parque da Cidade, a Concha Acústica ou o estacionamento do Mané Garrincha.; Para Messias, o evento não vai perder o caráter tradicional se for transferido. ;A questão é que a quadra é muito pequena, e a área foi extrapolada. O público vazou pela área residencial. E pode crescer ainda mais no próximo evento;, alertou.

Os moradores das quadras 312/313 Norte estão divididos. ;Eu vou começar um abaixo-assinado em toda a quadra. E sei que a maioria vai querer (que o Noite Cultural continue na quadra). Tudo em Brasília é uma fortuna, e o cara (proprietário do T-Bone) dá de graça para a população. E são apenas duas vezes por ano;, afirmou o ex-prefeito comunitário da 312 Norte Alceu Rocha, 42 anos.

O dono do Açougue Cultural T-Bone, Luiz Amorim, mostrou-se decepcionado com as críticas. Acrescentou nunca ter recebido reclamações de um síndico ou de um representante das quadras. ;Isso é patrimônio imaterial, não se transfere para outro lugar. Eu não faço show. É um projeto cultural. Se formos obrigados (a mudar o local das apresentações), claro que vamos cumprir. Mas, aí, a gente encerra tudo como uma forma de protesto;, ameaçou. Terminariam, assim, todos os outros projetos desenvolvidos pelo açougue desde 1994, como a Biblioteca Popular, que colocou à disposição mais de 200 mil livros em paradas de ônibus da W3, da L2 e do Eixinho Norte.

Repercussão
Os moradores que querem a transferência do evento reconhecem que ele não termina tarde. Para não ferir a lei do silêncio, a Noite Cultural começa às 19h e termina às 22h. ;Mas ficam desmontando o palco e as pessoas não vão embora. Ficam fazendo festa com bebedeira e gritaria até as 3h;, reclamou o aposentado Pedro Paulo Kaipper, 66 anos, morador do bloco mais próximo à comercial da 312 Norte.

Para a prefeita comunitária da mesma quadra, Élida Miranda, o Noite Cultural cresceu demais. ;Era um evento que sempre tinha 5 mil pessoas. Agora, são 15 mil. Os bombeiros não conseguem entrar. Se houver incêndio, eles não chegam;, argumentou. Élida contou que, no dia do show do Zé Ramalho, uma idosa do Bloco F passou mal e a ambulância não conseguiu atendê-la. ;Eu nunca recebi tanto telefonema como naquela quinta. Até as 2h, moradores pediam que eu resolvesse o problema dos carros que estavam trancando outros.;

O possível fim do Noite Cultural repercutiu mal entre a comunidade artística brasiliense, pois as iniciativas organizadas pelo T-Bone são algumas das últimas realizadas na rua. ;Brasília está com a tendência de se tornar uma cidade morta, individualizada, com o usufruto da arte restrito a quatro paredes. É na rua que se concretiza a sensação de pertencimento;, alegou o maestro, compositor e produtor fonográfico Rênio Quintas, 57 anos. A 30; edição do Noite Cultural, com show de Milton Nascimento, continua marcada para 15 de setembro. A decisão final vai depender da Administração Regional de Brasília em data próximo ao evento.

Previsto em lei
A Lei n; 3.193, de 25 de setembro de 2003, de autoria do então deputado distrital Augusto Carvalho, inclui no calendário oficial do Distrito Federal as noites culturais do T-Bone.

A norma prevê ainda que o GDF deve adotar as medidas necessárias para a divulgação e o apoio aos organizadores.

Público
Os organizadores do show ocorrido na quinta-feira da semana passada, em 26 de maio, divulgaram que cerca de 20 mil pessoas prestigiaram o concerto do cantor Zé Ramalho. Mesmo assim, o que havia sido repassado às autoridades como público estimado era de 5 mil pessoas, segundo a Administração Regional de Brasília.

Eu acho...
;Zé Ramalho de graça do lado da minha casa e eu vou reclamar? Eu sei que complica, mas o evento faz parte da história da quadra. Se tiver um movimento para tirar, eu começo um para não tirar.;
Janice Pereira Monteiro, 50 anos, dona de casa, da 312 Norte

Quem gosta do evento é porque não mora aqui. Eu moro em frente e só consigo dormir quando acaba o show. Aquilo é absurdo, junta muita gente. O concerto até que termina cedo, mas até o povo ir embora, é anarquia.;
Adelaide Alvarenga, 81 anos, aposentada, da 312 Norte

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