Cidades

35% das presas por tráfico foram flagradas ao entregar drogas em presídios

Das 540 mulheres presas na penitenciária feminina, 428, ou 79,25%, foram detidas por envolvimento no comércio de drogas. Dessas, 148 acabaram flagradas ao entrar em presídios masculinos com entorpecentes destinados a maridos, irmãos, pais e outros familiares

postado em 30/06/2011 08:00
Detentas na Colmeia: tráfico de drogas é o crime mais cometido pelas mulheres encarceradas no presídio. Porcentagem de condenadas pelo crime no DF é maior do que a média nacional

A face do tráfico de drogas nas penitenciárias do Distrito Federal é feminina. Entre os protagonistas do delito, além dos detentos e detentas, estão esposas, irmãs, filhas e mães de condenados. O abastecimento acontece, geralmente, em dias de visita, embora ninguém entre nas unidades prisionais sem passar pela revista obrigatória. Os entorpecentes são camuflados em partes do corpo, roupas e até na comida levada aos presos. Mas nem sempre o trânsito ilegal fica impune. Atualmente, 428, ou 79,25% das 540 mulheres detidas na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), foram flagradas ao traficarem drogas. Dessas, 148 foram parar na Colmeia após serem pegas entrando em instituições carcerárias portando substâncias ilícitas.

Ana Rita* passou mais de cinco anos levando drogas para o companheiro no Complexo Prisional da Papuda, em São Sebastião. Não mediu as consequencias nem quando estava grávida da filha mais nova, atualmente com 6 anos. Foi descoberta ainda grávida. Deu à luz na prisão, onde passou um ano e oito meses, mas o bom comportamento lhe rendeu o direito à progressão da pena. Hoje, fora da cela, Ana Rita promete não repetir os mesmos erros do passado. ;A porta do crime é a cadeia e dela quero distância. Nem visitas faço mais;, revela. Ela afirma nunca ter tido dificuldades para entrar na Papuda com a droga. ;Você fica nua, mas não te examinam. Só fui pega porque me deduraram. Eu não era a única que fazia, muito pelo contrário;, reforça.

A entrada da droga em prisões do DF é um problema antigo, admitido, inclusive, nos discursos de inúmeras autoridades de segurança pública. Além de familiares, as ;mulas da droga; têm importante participação no comércio ilegal das substâncias. Traficantes entrevistados pelo Correio revelaram que o transporte de 50 gramas de maconha para dentro de um presídio pode render R$ 1 mil. A 30; Delegacia de Polícia, em São Sebastião, responsável por ocorrências na Papuda, registra um evento por dia referente à localização de entorpecentes entre os presidiários. A Penitenciária do Distrito Federal 1 (PDF 1) e a Penitenciária do Distrito Federal 2 (PDF 2), ambas de segurança máxima, lideram o número de registros. As apreensões mais comuns são de crack, maconha e cocaína.

Crime por paixão
A dificuldade em se chegar à autoria do delito e à identidade dos responsáveis é apontada pelo chefe da 30; Delegacia de Polícia, Yuri Pereira Fernandes, como entrave para o trabalho da polícia. ;São várias pessoas em uma cela, então é complicado saber quem é o culpado. Quando assumem é por medo dos colegas. E, como são apreendidas pequenas quantidades, os criminosos usam do argumento de serem usuários;, revela. Fernandes confirma a representativa participação feminina no tráfico. ;As mulheres são pegas, geralmente, durante as visitas. A droga é cara dentro da cadeia, quando não é transportada por familiar. Por afeição, paixão, elas cometem o crime;, reitera. A pena para tráfico de drogas é de cinco a 15 anos de reclusão.

Quando foi pega, Ana Rita carregava 100 gramas de maconha escondidos na vagina. Apesar de ser interrogada, negou estar com a droga. ;Antes de eu entrar para a revista, me chamaram para a direção e me acusaram de estar traficando. Eu disse que não tinha nada, mas me mandaram para o IML (Instituto Médico Legal) e lá eles descobriram;, esclareceu. Ela revela outras formas de entrada da droga. ;Já vi muita gente colocar a droga na costura da roupa, no sapato. Eles apalpam, mas fica só nisso;, reitera. No DF, há mais de 2,8 mil pessoas presas por tráfico de drogas, com representativa parcela de mulheres inseridas nesse quadro.

Corrupção
O gerente de Inteligência da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe), John Kennedy Pinto, admite falhas no sistema, mas afirma que o trabalho de fiscalização desenvolvido no Complexo Prisional da Papuda é bom. ;Não é fácil esconder drogas e outros objetos nas celas, mas eles conseguem porque existe muita ajuda lá dentro. São muitas alas para vistoriar, além do pátio e outros locais. E algumas pessoas não executam o serviço com o cuidado necessário;, acrescenta. Segundo ele, o presídio é monitorado constantemente.

A criminalidade contamina aqueles que deveriam resguardar a integridade do sistema carcerário. Há 10 dias, brasilienses assistiram à prisão de um agente de atividade penitenciária acusado de facilitar a saída de seis presos de alta periculosidade da PDF 2, onde desde a inauguração ; em 2005 ; não havia relatos de fuga. Os investigadores não descartam a possibilidade de envolvimento de um segundo profissional no episódio.

O Correio esteve na Papuda na manhã da última quarta-feira, em mais um dia de visita aos presos. Mães, irmãs, esposas e filhas de condenados não pouparam críticas às condições dos presidiários. Reclamaram do tratamento dado aos presos, da comida servida e, inclusive, do método de revista. Segundo relato de algumas, há extravio de roupas, objetos pessoais e de higiene levados para os presidiários. Nenhuma nega a existência do tráfico, embora afirmem que os culpados pela chegada das drogas são os funcionários dos presídios.

;É uma forma de eles desviarem a atenção. Assim, colocam a culpa na gente. E os presos usam as drogas no pátio, todo mundo sabe e ninguém faz nada;, revela a esposa de um detento que teve a identidade preservada. ;Sabemos que as revistas têm que acontecer, mas nos tratam como se nós fossemos os criminosos. Faz parte do jogo, sabemos. Mas eu tenho síndrome do pânico. Quando pedem para eu estender a mão, eu tremo. Assim, me mandam para o IML e perco a visita;, acrescentou. Para diminuir o constrangimento, ela sugere a instalação de escâneres corporais nos presídios.

Dinheiro e coação
As ;mulas; são pessoas usada por traficantes para transportar a droga, geralmente por fronteiras entre países. Elas recebem um pagamento ou são coagidas a realizar o serviço. Usam diversos artifícios para fazer o trânsito. Em alguns casos, colocam a droga dentro do corpo, engolindo ou escondendo em partes íntimas

A Comeia
Realidade do Presídio Feminino do Distrito Federal

Junho de 2011
Total de presas: - 540
Detidas por tráfico de drogas: - 428
Detidas por tráfico de drogas em instituições prisionais: - 148

; Nome fictício

9.989 detidas em todo o país

>>Alana Rizzo

Enquanto no Distrito Federal quase 80% da mulheres presas são condenadas por tráfico de drogas, essa porcentagem, no Brasil, é de 65,4%. Os dados foram apresentados ontem pela socióloga Julita Lembruger durante o Encontro Nacional do Encarceramento Feminino, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Das 15.263 prisões de mulheres ocorridas nos últimos cinco anos, em 9.989 casos a acusação é de tráfico de entorpecentes. A expectativa é de que outras 3 mil ingressem em cadeias e presídios por todo o país somente este ano pelo envolvimento com drogas.

A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, cobrou mudanças na legislação penal brasileira para atender à população carcerária feminina, que praticamente dobrou nos últimos 10 anos. ;Elas sofrem por serem mulheres e por estarem presas. As políticas públicas para o nosso esfacelado sistema carcerário são voltadas exclusivamente para o sexo masculino;, disse a corregedora. ;A situação das mulheres encarceradas é desconhecida até mesmo pelos movimentos feministas. Assim, cada vez mais elas ficam longe do alcance dos direitos humanos;, acrescentou a corregedora.

As regras de Bangkok, editadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado, estabelecem especificidades no tratamento das mulheres presas. Entre elas, a estrutura adequada para grávidas e para os filhos que vivem na prisão, uma política de saúde e de higiene e assistência jurídica posterior ao encarceramento. ;Nem tudo depende do Judiciário. A responsabilidade do Executivo e do Legislativo também é grande;, cobrou a juíza Kenarik Boujikian Felippe.

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