Cidades

Fazendas de Unaí (MG) abrigam ferramentas e pinturas feitas há 10 mil anos

Renato Alves
postado em 23/10/2011 08:00
Muito antes dos integrantes da Missão Cruls, dos fazendeiros e dos candangos, homens, mulheres e crianças exploravam o Planalto Central. Essa gente começou a chegar à região há mais de 10 mil anos. Vivia da caça de pequenos animais e da coleta de frutos, como o ainda abundante pequi. Buscava abrigo em grutas, onde também expressava a sua arte e deixava os seus mortos. As cavernas ocupadas por nossos ancestrais ainda são pouco conhecidas dos homens modernos. Muitas delas, com desenhos, ficam em meio a propriedades rurais de Unaí (MG), a 160km de Brasília.

Em terras do município mineiro de 80 mil habitantes, pesquisadores identificaram ao menos 10 cavernas com formações geológicas milenares, lagos transparentes e pinturas feitas por alguns dos primeiros habitantes do centro do país. Os homens antigos também deixaram gravuras em paredões e em pedras encravadas no cerrado. Esses locais se apresentam hoje como museus pré-históricos explorados por poucos cientistas, minguados adeptos de esportes radicais e quase nenhum turista, por falta de informação e de infraestrutura para a visitação. O Correio percorreu a região em busca desse tesouro esquecido.

As pinturas das cavernas de Unaí continuam nítidas, levando-se em conta o desgaste sofrido ao longo de tanto tempo em exposição. As mais expressivas ficam na Gruta do Gentio 2, a 30km do centro da cidade. Ela começou a ser ocupada há cerca de 10.250 anos, de acordo com pesquisas realizadas nas décadas de 1970 e 1980. Existem ainda vestígios de um ponto cerimonial, com pinturas em vermelho no teto e nas paredes, onde foram depositados corpos parcialmente cremados.

Nos estudos do Instituto de Arqueologia Brasileira, foram encontrados os restos mortais de uma criança que ali viveu há 9 mil anos. Ela tinha entre 9 e 10 anos e estava envolta em uma rede de algodão. A conservação do corpo indicou que o sepultamento teve características de possível embalsamamento. A criança integrava uma comunidade de coletores, que se alimentava de coquinhos de guariroba e pequi.

A Gruta do Gentio 2 é naturalmente bem iluminada e seca, o que permitiu a preservação de exemplares arqueológicos em bom estado, apesar da sua antiguidade. Nas três últimas décadas, os pesquisadores encontraram e recolheram na caverna uma grande variedade de objetos milenares, como artefatos de pedra, de cerâmica, de osso, restos de fios de algodão e cestaria, além de poucas peças de madeira. No sítio arqueológico, também localizaram a mais antiga cerâmica em território brasileiro, fora da Amazônia, com 3,5 mil anos.

Água milagrosa
Enquanto a Gentio 2 era usada para funerais dos homens das cavernas, a Lapa do Sapezal, a 25km do centro da cidade, hoje serve de cenário para manifestações religiosas. Nos dias 1;, 2 e 3 de maio, peregrinos vão à lapa, em meio a uma mata, exaltar a Santa Cruz e o São José Operário. A festa mobiliza parte da população residente nas comunidades próximas e de municípios mineiros vizinhos, como Paracatu, Vazantes e Buritis. Eles acreditam haver poderes divinos na caverna.

Durante a festa, no entorno do local são construídas barraquinhas de comidas. No interior da Sapezal, há um lago de origem freática, onde são jogadas moedas, acompanhadas de pedidos. Muitos acreditam no poder curativo dessas águas. Há ainda no interior da lapa uma abstrata figura de uma Nossa Senhora a se formar em escorrimentos de calcita sem que haja, contudo, referências a milagres ou a culto a uma Nossa Senhora da Lapa.

Um lago cristalino também é uma das grandes atrações da Gruta do Tamboril. No entanto, não é fácil chegar até as águas e o acesso à caverna é controlado pelos órgãos de saúde, por causa da suspeita de um foco de histoplasmose no local, nunca comprovado ou estudado. Como na maioria das grutas, por causa da ausência de sinalização e iluminação e dos riscos do solo acidentado, a visita só deve ser feita na companhia de guias especializados e com equipamento adequado.

Com cerca de 4km de extensão, a caverna tem sete salões ornamentados por estalactites e estalagmites, sendo os últimos cobertos pelo lago, totalmente limpo e transparente. Até lá, porém, gasta-se pelo menos uma hora e meia de caminhada, com descidas e subidas em pedras pontiagudas e escorregadias. Mas se o visitante não quer correr tanto risco, a entrada no primeiro salão é o suficiente para uma prova das maravilhas da gruta.

Cura espontânea
Causada por um fungo disperso no solo rico em fezes de morcegos e de aves, a doença é contraída quando a pessoa inala esse material suspenso no ar. Ela causa febre, que pode durar alguns dias, e tende à cura espontânea. Desde 1967, há relatos da ocorrência de casos suspeitos de histoplasmose associada à visitação a cavernas no DF e no Entorno, sendo os mais recentes ocorridos em 2004, numa visita de estudantes de Taguatinga à Gruta do Tamboril.

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