Cidades

Moradores do Edifício Cristal do Park correm o risco de perder o imóvel

Titular da 4ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor acredita que pelo menos 500 moradores foram lesados por construtora que ergueu um conjunto habitacional, mas não pagou o terreno à Terracap

Rosana Hessel
postado em 13/12/2011 11:00
Edifício Cristal do Park: os proprietários moram nas unidades, mas não têm a escrituraOs moradores do Edifício Cristal do Park, em Águas Claras, correm o risco de perder a propriedade do imóvel. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu um inquérito para investigar se os sócios da construtora Aires Costa, responsável pelo conjunto habitacional, e seu representante judicial junto à Receita Federal, à Junta Comercial e ao Procon-DF aplicaram um golpe durante a construção das duas torres do empreendimento. ;O caso parece ser muito maior do que aparenta. A construtora comprou o terreno, mas não pagou (à Terracap). E esse não deve ser o único prédio da empresa com o mesmo problema;, disse o titular da 4; Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, Guilherme Fernandes Neto. Procurada pelo Correio, a Aires Costa não retornou as ligações.

O promotor comparou o caso com o de três outras empresas, alvos de duas ações judiciaispropostas por ele em 2010 e neste ano por descumprirem os contratos imobiliários, prejudicando centenas de consumidores. A maioria dos moradores está descobrindo o problema ao terem recusadas as propostas de financiamentos por instituições bancárias ; o empreendimento está sob ação judicial impetrada pela Terracap por conta da falta de pagamento.

Para identificar os clientes da Aires Costa, o MPDFT marcou uma audiência pública para 2 de fevereiro de 2012, no auditório do órgão, em Brasília. ;Sei que há outros prédios (da construtora) em Águas Claras e um outro em Sobradinho. Precisamos localizar essas pessoas;, afirmou Fernandes Neto. Ele reconheceu, no entanto, que o risco de o governo local entrar com o pedido de reintegração de posse do terreno antes mesmo de o encontro ocorrer é alto. Procurada, a assessoria de imprensa da Terracap informou que o departamento jurídico precisaria de mais tempo para dar uma resposta. ;É preciso fazer uma pesquisa para informar com precisão as informações solicitadas;, explicou, por meio de nota, a Terracap.

O promotor contou ao Correio que a primeira carta de uma moradora chegou ao gabinete dele em julho. Ela descreveu as dificuldades em obter um financiamento após ter pagado R$ 40 mil de entrada no apartamento comprado por R$ 165 mil. No mês passado, ele recebeu outras quatro denúncias contra o mesmo edifício. ;Resolvemos investigar melhor e tudo indica que é mais um golpe e pelo menos 500 pessoas devem ter sido lesadas. Pelas características, é possível que os consumidores não consigam ser indenizados, porque parece que existem prepostos (;laranjas;) no processo;, comentou.

Ao mostrar a papelada do processo, ele revelou que a construtora tem como sócios José Valdomiro Moreira e Maria de Fátima Alves Oliveira. Em 2005, eles designaram como procurador uma terceira pessoa, identificada como Ricardo Martins Moreira Junior. ;Isso não é normal. Até parece que já foi tudo arquitetado, de caso pensado;, comentou. Por conta disso, ele acredita que será difícil localizar os bens dos responsáveis pelo empreendimento.

Dívida
Composto por duas torres, o Edifício Cristal do Park foi lançado em 2000, quando as primeiras das 94 unidades começaram a ser vendidas. O Bloco A foi entregue sete anos depois. O B, em 2009. Os proprietários moram nas unidades, mas não têm a escritura. Os mais antigos começaram a se organizar em comissão para tentar fazer com que a construtora legalize a papelada. ;Estamos tentando negociar há cinco anos, mas até agora nada;, contou um deles, que não quis se identificar.

Segundo ele, os débitos com a Terracap somavam R$ 402 mil até agosto, mas ainda há outras pendências com a Receita Federal, o INSS e o governo federal (PIS e Cofins). Elas alcançam R$ 500 mil. Logo, as dívidas do conjunto habitacional devem ultrapassar R$ 1 milhão. Outra moradora, que também pediu anonimato, revelou que mais dois prédios da mesma empresa em Águas Claras têm problemas parecidos. ;Parece que ele (o representante) já abriu uma nova construtora, chamada Elo;, contou.

O que diz a lei
No Código de Defesa do Consumidor (CDC), os artigos que tratam sobre vício de qualidade ou quantidade são o 14, o 18 e o 20. Eles ressaltam que os fornecedores dos produtos ou a empresa responsável pela prestação dos serviços devem responder caso haja defeito que torne o consumo impróprio. Se o caso não puder ser resolvido dentro de um prazo de 30 dias, o consumidor pode exigir substituição, restituição imediata, monetariamente atualizada, e eventuais perdas. Quem vende responde até pelas informações insuficientes ou inadequadas.

Palavra do especialista:
Exigência do contrato

;Essa situação pode ser interpretada como um vício no negócio, um defeito no acordo, porque há um problema que não foi informado no momento da venda. Diante disso, o consumidor pode exigir o cumprimento do contrato inicial, assim como foi vendido. Se não for possível ou se ele não quiser insistir, ele deve pedir a rescisão, com a devolução das parcelas pagas; perdas e danos, decorrentes dos juros ou de qualquer prejuízo efetivo que a pessoa tenha tido; e o lucro cessante, que corresponde à valorização do imóvel. O apartamento também pode ter valorizado desde o momento da compra até a rescisão. Nesse caso, receber só o que foi pago é ter prejuízo. Para quem optar por insistir, há uma chance de ter êxito, usando o precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O entendimento do tribunal é de que, se a construtora tem uma dívida, o consumidor não deve ser penalizado. A empresa precisa arrumar meios de cumprir a promessa, sem que o terreno seja usado como forma de pagamento.;

Rodrigo Daniel dos Santos, consultor jurídico do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec)

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