Cidades

Especialistas condenam falhas durante apreensão de menina grávida

Garota de 15 anos reconhece que "perdeu a cabeça", mas afirma que esperou seis horas por atendimento no hospital local

Adriana Bernardes
postado em 07/11/2013 13:37
Uma sequência de violação de direitos. É assim que especialistas de diferentes áreas classificam a apreensão de Aline*, 15 anos, na tarde de terça-feira. Ela está grávida de oito meses e acabou algemada, colocada irregularmente no cubículo do carro de polícia e levada para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). A detenção desrespeitou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e aconteceu depois que a menina bateu boca com funcionários do Hospital Regional do Paranoá e se envolveu em uma briga com uma vigilante.

PMs forçam a entrada de menina grávida na viatura. Depois a colocam no compartimento fechado do veículo
A confusão começou após ela perder a vez na fila da unidade de saúde porque, faminta, saiu para almoçar e deixou a mãe no local. Ao voltar, soube que teria de retornar ao fim da fila. ;Cheguei às 9h e, às 15h, não tinha almoçado. Saí rapidinho para comer e, quando voltei, a atendente disse que, se eu quisesse ser atendida, deveria fazer a ficha e esperar tudo de novo ou voltar para casa. Perdi a cabeça;, relatou, por telefone.

A Secretaria de Saúde contesta as informações da jovem. Informa que ela chegou às 11h50 ao hospital e foi chamada às 13h. Ela teria, então, só voltado à unidade às 15h40, sendo atendida às 17h56. ;Isso é mentira. Eu cheguei às 9h e fiquei até as 15h sem almoço;, rebateu Aline. ;Uma pessoa que tem os seus direitos violados diariamente, uma hora surta;, explicou Maria Cláudia de Oliveira, do Departamento de Psicologia Escolar da UnB (leia Palavra de especialista).

Ontem, a garota passou por nova consulta em um posto de saúde da região e recebeu a orientação para ficar em repouso. Passado o estresse, Aline se mostra ansiosa com o nascimento do filho, David. Ele deve nascer até 15 de dezembro. A gravidez assustou ela e o pai da criança, que acaba de fazer 18 anos e só conseguiu emprego há sete dias. O casal está junto há um ano. O enxoval do bebê tem poucas peças de roupas, compradas em brechós; seis pacotes de fraldas; e alguns itens de higiene básica. ;Falta banheira, berço, cômoda e carrinho. Não tenho dinheiro para comprar agora;, lamentou.

O tom de voz suave da jovem em nada lembra o desespero presenciado pela reportagem na terça-feira, quando PMs tentaram forçá-la a entrar na viatura. Ela gritava, chorava e pedia para voltar para casa. Mas eles a algemaram, colocaram-na no cubículo e seguiram para a DCA. ;Foi um caso excepcional. Ela representava risco à própria integridade física e continuou a praticar o delito ao agredir novamente a vigilante;, justificou um dos policiais.



O promotor da Infância e da Juventude Renato Barão Varalda reforça que é ilegal transportar menores de 18 anos nos cubículos das viaturas. ;Se a jovem está grávida, há risco de lesão ao bebê e à própria integridade física e psíquica dela;, disse. ;Os policiais podem responder por abuso de autoridade com punições cível e penal decretadas pelo juiz, além de sanção administrativa. O Comando da PM não retornou ao pedido de entrevista feito por telefone e por e-mail.
Indira Quaresma, da Comissão de Direitos Humanos da OAB no DF, diz ter faltado sensibilidade da equipe hospitalar. ;Colocar uma pessoa nessas condições no fim da fila é desumano. Ela é praticamente uma criança, no fim de uma gestação;, condenou.

* Nome fictício em respeito ao ECA

Direitos violados

- Os PMs não poderiam ter transportado a adolescente no cubículo do camburão, como proíbe o ECA.

- Por estar grávida, eles não poderiam ter usado a força para colocá-la na viatura.

- A garota, de 15 anos, também deveria ter prioridade no atendimento médico, pois é menor de 18 anos e está grávida.

Palavra de especialista

Cidadã desrespeitada

;Essa jovem teve uma reação extrema para a extrema violação de seus direitos. Existem várias situações a favor dela: ela tem prioridade de atendimento por ser menor de idade, por estar grávida e por estar em uma emergência médica. E me parece que todos esses direitos foram tratados com indiferença. Nesse caso, o foco não deve ser o destempero de alguém muito nervoso. Na vida, tudo tem relação. A maneira como agimos tem relação com o modo com que somos tratados. Uma grávida saudável tem direito de se alimentar de hora em hora. Eram 15h, e ela não tinha almoçado ainda. Como assim, a pessoa vai se alimentar e perde a vaga?

Se alguém nessa situação se descontrola, fica violenta, é necessário fazer uma mediação, alguém do Conselho Tutelar ou da Vara da Infância. Essa menina é uma pessoa em desenvolvimento, vivendo a experiência de ter alguém crescendo dentro dela e a expectativa desse importante rito de passagem, que é a maternidade. Qualquer mulher nessa situação, no oitavo mês de gestação, acorda no meio da noite com dores, sente medo e angústia diante do novo. O que está acontecendo comigo? Será que o meu filho está bem? Vai nascer agora?

Agora, imagine uma adolescente, com toda a carga hormonal dessa fase da vida, mais os hormônios da gravidez. Ela se sentiu atacada no direito dela e teve um dia de fúria. É como se estivesse brigando visceralmente pelo direito mais básico. Infelizmente, não temos instituições públicas educadas para respeitar o direito do cidadão. Elas agem como se tivessem fazendo um favor de atender. Essa é uma cultura que precisa ser mudada.;


Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira é professora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da Universidade de Brasília e especialista em adolescência contemporânea.

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