Cidades

Brechó pretende proporcionar experiência de consumo para moradores de rua

Diferentemente de outras ações, que distribuem agasalhos no frio, os interessados poderão escolher, experimentar e levar as peças. Faltam doações para garantir o evento, previsto para julho

Ailim Cabral
postado em 22/06/2015 11:25
Prontos para agasalhar os moradores de rua: além de proteger do frio, ação devolve a autoestima às pessoas
O sobretudo é a peça mais disputada. Acessórios como chinelos e mochilas ficam em segundo lugar. Roupas, os sapatos e as bolsas podem ser escolhidos entre araras e cabides, assim como são expostos numa loja comum. Também podem ser experimentadas em cabines individuais. Uma completa experiência de consumo, que seria igual a tantas outras, não fosse por um detalhe: os clientes são moradores de rua e não pagam nada pelo que decidem levar. Em troca, transformam a vida dos voluntários do Brechó de Rua. O trabalho ganha fôlego quando o inverno se aproxima, mas serve de combustível para nutrir o sentimento de solidariedade do grupo durante os meses restantes.

Para as 14 pessoas à frente do Brechó de Rua, o vento gelado que corta a paisagem de Brasília, mesmo com aparições diárias do sol, é uma convocação para o trabalho, uma lembrança da situação de vulnerabilidade em que se encontram as pessoas que vivem nas ruas e não têm condições de se proteger do clima gelado. A hora, então, é de promover mutirões de doação de roupas e acessórios. ;Nós já estamos com tudo pronto, temos um lugar para montar o brechó e voluntários para ajudar no dia. Só não definimos a data, porque estamos tentando juntar mais peças, precisamos de mais doações. Dependemos, agora, da solidariedade do brasiliense;, convida a produtora Juliana Sangoi, 31 anos, uma das organizadoras.

Segundo Bhárbara de Carvalho, jornalista de 24 anos, o item mais procurado pelos moradores de rua é o sobretudo. Também voluntária e jornalista, Aliene Coutinho, 51 anos, corrobora a percepção da amiga. ;Eles ficam na fila olhando e quando alguém pega antes uma peça dessa ficam decepcionados. É muito interessante ver as coisas que eles mais gostam;, conta.

A psicóloga humanitária Daniela Batista, 38 anos, integrante do grupo, lembra que as peças que mais saem e as doações das quais o grupo mais precisa são as masculinas. ;Na primeira edição, achei que ternos e calças sociais não sairiam, mas ele adoram. Alguns só precisam de uma roupa apresentável para procurar um emprego;, ressalta. Depois do sobretudo, os preferidos são chinelos e mochilas.



Em uma conversa descontraída, Daniela, Juliana, Bhárbara, Aliene, o marido de Juliana, o professor de música Wagner Galvão, 38 anos, e a enfermeira Thaíssa Beutel, 29, indicam as doações mais necessárias e se lembram de histórias de edições passadas. ;Na época da Copa, teve uma disputa enorme por uma blusa do Brasil. Era a única e todos eles queriam;, conta Bhárbara. Wagner conta sobre um rapaz que disse não querer nenhuma peça, mas pedia para fazer a barba. Thaíssa lembra que, enquanto muitos querem sair vestindo as roupas que ganham, alguns preferem levá-las em sacolas. ;Eles não querem sujar as roupas novas e dizem que só vão vestir depois que tomarem banho;, conta.

O grupo de amigos afirma estar ansioso para a edição de inverno. Eles ressaltam que aceitam todo tipo de doação. Roupas, sapatos, cachecóis, chapéus, bijuterias, bolsas e mochilas, além de cabides, araras, maquiagem, material de higiene e até alimentos para os lanches que acontecem no dia da ação. ;Só não aceitamos dinheiro, preferimos que a pessoa compre algo para doar e nos entregue. Isso promove uma interação da pessoa com o trabalho, nosso objetivo maior é a integração do morador de rua com a comunidade;, explica.

A filosofia do brechó


O Brechó de Rua é uma campanha de doações de roupas e acessórios para pessoas em situação de rua. O diferencial da ação é a forma como é feita a ação. O grupo monta uma espécie de loja. Em cada departamento, há araras e cabides, com opções de camisas, calças e sapatos. Depois de escolher o modelito que mais gostou, o ;cliente; vai para um provador experimentar as peças, para, então, decidir o que vai levar.

Juliana conta que os voluntários aproveitam para aconselhar os moradores de rua quanto ao que fica melhor no corpo, mais bonito e confortável. ;Nós nos comportamos como vendedores mesmo. É para que eles tenham a sensação de estar numa loja, escolhendo uma roupa que fique boa, bonita. Alguns nunca puderam fazer isso;, afirma.

Depois de escolher as roupas, os cidadãos em situação de rua podem receber cuidados de beleza. Cortar o cabelo, fazer a barba, ser maquiado e penteado são algumas das opções que o grupo busca oferecer. Depois de arrumados, são fotografados e o resultado é comparado com a foto feita antes da produção. ;A mudança no rosto delas é impressionante, é como se elas deixassem de ser invisíveis;, afirma Daniela.

Falando sobre a maquiagem, os amigos se lembram de um rapaz que se impressionou ao ver como as mulheres ficavam mais bonitas depois de se pintarem. ;Ele quis se maquiar também, pois achou aquilo lindo. Estava com uma jaqueta que tinha escolhido e fez um moicano no cabelo;, ri Juliana.

A dinâmica da ação depende da quantidade de roupas e de ;clientes;. Quando os moradores de rua estão em grande número, são orientados e recebidos por Wagner e formam uma fila. Cada um deles recebe uma espécie de ;vale-compras; gratuito, que especifica quantas peças e acessórios pode levar. ;Cada ação é uma, diferente. Mas normalmente fazemos assim;, explica Juliana. O grupo está sempre buscando parcerias, com voluntários, órgãos públicos e entidades privadas.

"A mudança no rosto delas é impressionante, é como se elas deixassem de ser invisíveis;, afirma Daniela.

Como ajudar

Para fazer doações ou se tornar voluntário, basta entrar em contato com a equipe do Brechó de Rua pela página do Facebook: www.facebook.com/brechohderua.

O valor da solidariedade
;Antes do Brechó, eu tinha um certo receio da aproximação intensa com pessoas nessa situação. Hoje, isso mudou radicalmente. Eles se sentam com a gente, contam suas histórias de vida, se unem conosco.;
Aliene Coutinho

;O que acho muito bonito no grupo é que é tudo muito espontâneo, nada é forçado. Não temos um calendário fixo e as ações não têm aquele ar de obrigação. O sentimento e a empolgação de um vão contagiando o outro e de repente temos uma ação planejada.;
Bhárbara de Carvalho

;Esse trabalho me fez ver as coisas de forma diferente, intensificar o valor do respeito ao próximo na educação dos meus filhos. Eu levei meu filho mais velho, de 6 anos, em uma das ações para que ele cresça vendo essas pessoas como ele vê todas as outras com as quais convive, sem medo e sem estigma. É importante que desde cedo ele aprenda o respeito.;
Thaíssa Beutel

;O Brechó é um exemplo de cidadania, amor e respeito ao próximo. Essa troca engrandece minha alma, um sorriso de uma dessas pessoas que ajudamos não tem preço, é a coisa mais gratificante do mundo.;
Daniela Batista

;Sempre tive tudo na vida e tinha vontade de ajudar. O trabalho voluntário permite que eu retribua isso de alguma forma. Se todos os brasileiros ajudassem um pouco, o mínimo que podem, nosso país seria muito melhor.;
Wagner Galvão

;Esse trabalho é vida e amor. Poder trocar e compartilhar com essas pessoas e integrar a comunidade é lindo. Fazemos todos parte de um mesmo universo, vivemos em um mesmo espaço e poder considerar o outro como um irmão é muito importante.;
Juliana Sangoi

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