Cidades

Governo do Distrito Federal estuda terceirizar a gestão de hospitais

Unidades serão de responsabilidade de organizações sociais, filantrópicas e até faculdades. Projeto será apresentado à população em dezembro

Otávio Augusto
postado em 29/09/2015 15:57

Buriti pretende planejar a terceirização da gestão das unidades de saúde até, no máximo, dezembro.

A rede pública de saúde do Distrito Federal vive aquela que pode ser a maior crise de sua história. O Decreto de Estado de Emergência, a troca de secretário, o remanejamento de médicos e todas as outras medidas aplicadas em nove meses de gestão não foram suficientes para atenuar os problemas. A tábua de salvação para Rodrigo Rollemberg pode ser entregar a gestão dos hospitais públicos a organizações sociais, entidades filantrópicas e até faculdades. Enquanto o sistema é corroído pelos desafios, a equipe de governo conclui o estudo para a implantação do novo padrão de administração. A expectativa do Buriti é que em dezembro o plano seja divulgado. Para entidades de classe e especialistas, a ;terceirização; pode deixar o serviço ainda mais prejudicado.

Organizações sociais (OS) assumiram o controle de unidades de saúde de Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, entre outros estados. Na capital federal, o Hospital da Criança, gerido pela Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), é um dos exemplos. O Hospital Universitário de Brasília (HUB) é de responsabilidade da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). País afora, há parcerias de sucesso e outras que aumentaram o atoleiro da saúde pública. Goiânia terceirizou os quatro maiores hospitais da cidade. Apenas um apresentou melhora nos indicadores de qualidade.

No DF, o plano para a mudança no serviço é finalizado pela equipe de governo, responsável também pela descentralização do setor. O Buriti ainda vai bater o martelo para definir parâmetros de contratação, fiscalização e controle. Comumente, nas parcerias com OS, o Estado arca com medicamentos, insumos e equipamentos, enquanto as entidades ficam com a gestão de recursos humanos, a manutenção dos prédios e as inovações. ;O governo vai definir metas claras para esses contratos. Será um processo gradativo até que o modelo se adeque a todo o sistema. Até o fim do ano, uma decisão será anunciada;, garantiu Sérgio Sampaio, chefe da Casa Civil.

O governo está com a atenção redobrada em relação aos gastos. A intenção do Executivo local é otimizar o serviço e baixar os custos. ;As metas terão que ser claras para termos um bom contrato. O essencial é não haver desperdício de dinheiro. O grupo da descentralização estuda essas possibilidades administrativas;, explica Sampaio. Mesmo com esse modelo de gestão, a folha de pagamento ; que hoje abocanha 81% do orçamento da Secretaria de Saúde ; permanece de responsabilidade do governo, como explica Grazielle Custódio, diretora nacional do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). ;O Estado tem que arcar com os pagamentos dos salários dos funcionários; por isso, entra na contabilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal;, explica (leia Três perguntas para).

Nos bastidores do Palácio do Buriti, a expectativa é que a gestão das organizações sociais comece pela Coordenação de Saúde de Ceilândia ; a maior do DF. Com isso, a primeira unidade terceirizada seria o Hospital Regional de Ceilândia (HRC). A Secretaria de Saúde informou, em nota, que, no momento, ainda não há contrato para a mudança no modelo de gestão.

Reação

O presidente da Associação Médica de Brasília (AMBR), Luciano Carvalho, avalia a solução encontrada pelo Executivo local com austeridade. ;Não sei se, nas condições que estamos, isso vai funcionar. As instituições tendem a querer parceria com aquilo que é fácil e de baixo custo para ser lucrativo. Tirar a saúde das mãos dos estados é uma decisão complicada e muito séria;, critica. Para Luciano, o melhor modelo de fiscalização do serviço seria dividir o DF em regiões a serem terceirizadas. ;Tenho receio de como isso será implantado. Sou defensor do serviço público, e o GDF precisa ouvir os setores que trabalham no setor;, ressalta.

A experiência ruim que o DF teve (leia Memória) é o principal argumento das entidades de classe. A presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde (SindSaúde-DF), Marli Rodrigues, acredita que a qualidade dos serviços vai piorar com a gestão das organizações sociais. ;O atendimento ficará ainda mais restrito. A máquina pública pode ser mais bem gerenciada. O governo deve ter coragem de colocar a mão no problema e resolver, não passá-lo adiante;, protesta. Para a sindicalista, os servidores também serão prejudicados. ;Com esse tipo de gestão, os salários caem e a instabilidade do trabalhador aumenta;, afirma.

O Conselho de Saúde do DF não é favorável à medida. Para o presidente do órgão, Helvécio Ferreira, o essencial é reestruturar os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e manter a autonomia do GDF na gestão do setor. ;O governo não pode ser apenas um intermediário. O nosso modelo atual não comporta, funciona como um complemento. A responsabilidade da saúde pública deve ser do Estado. A proposta tem muitas chances de não dar certo no momento em que há poucos recursos;, adverte.

As interferências políticas que envolvem as organizações sociais preocupam o consultor em saúde e especialista em administração pública Fernando Castanheira. ;O Estado tenta fugir da obrigação dele e diminuir a responsabilidade de gestão, mas ele deve ser responsabilizado por seus atos. Contudo, a maioria dessas entidades são ligadas a políticos e acabam gerando prejuízo aos governos. Saúde pública não pode ser uma massa de manobra.; (O.A.)

Exemplo ruim

Em 27 de janeiro de 2009, a Secretaria de Saúde assinou um contrato com a Real Sociedade Espanhola de Beneficência ; organização social que administra o Hospital Espanhol, em Salvador (BA) ;, que valeria até janeiro de 2011. Nesse período, o GDF deveria repassar R$ 222 milhões à entidade, cerca de R$ 11 milhões por mês. Porém, quatro meses depois, o Ministério Público do DF considerou o contrato ilegal, por não ter havido licitação, e pediu a imediata suspensão do acordo. Em 20 de abril, o Tribunal de Justiça do DF suspendeu o contrato liminarmente, por entender que era inconstitucional, pois repassa à iniciativa privada a gestão do atendimento à saúde. Só em janeiro de 2011, o contrato teve fim. Durante a prestação dos serviços, o GDF foi duramente criticado pela qualidade dos atendimentos.


Três perguntas para Grazielle Custódio, diretora nacional do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes).

A terceirização do setor pode tirar a saúde da crise?
O plano de governo de Rodrigo Rollemberg ainda em campanha já mostrava essa intenção. O modelo não tem nada de novo e já é usado em vários estados brasileiros. O histórico nos faz concluir que a maioria das cidades apresentaram reflexos negativos no atendimento. Poucos indicadores de qualidade melhoraram nos locais onde essa gestão foi implantada.

O modelo é uma alternativa que reduz gastos?
Com base nas cidades onde foi implantado, em média, os governos passaram a gastar três vezes mais e sem o retorno esperado. Os contratos, com o tempo, exigiram ajustes que pesaram nos cofres públicos. E o Estado tem que arcar com o pagamento dos salários dos funcionários. Isso entra na contabilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com a estrutura que temos hoje, esse é o melhor caminho?
Essa alternativa não é eficiente. É um dilema que outras cidades passaram e, só depois, perceberam o quão importante é a valorização dos serviços públicos. O calcanhar de aquiles da saúde do DF é a atenção primária, que não opera bem. Cerca de 70% dos problemas são resolvidos aí. Quando o programa Saúde da Família funcionava, a saúde pública era melhor.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação