Cidades

Alunos da Escola de Música de Brasília protestam na volta às aulas

A proposta de formar turmas coletivas para aulas que antes eram individuais é um dos pontos que desagradam a alunos e professores

postado em 27/02/2016 10:08
O diretor Ayrton Pisco diz que a nova proposta não influenciará na qualidade do ensino na EMB:
Estudantes e professores da Escola de Música de Brasília (EMB) reclamam da reorganização da grade horária e da formação das turmas para o ano letivo de 2016. As aulas começam na segunda-feira, quando, segundo uma das professoras da instituição, que prefere não se identificar, os estudantes vão se mobilizar contra a nova proposta do diretor, Ayrton Pisco. A aluna de canto erudito Bárbara Fragoso observa que aulas teóricas, como artes cênicas e idiomas, são feitas coletivamente, mas as instrumentais são específicas e individuais. ;O projeto de enturmação consiste em colocar vários alunos de canto erudito, por exemplo, na mesma turma;.
A ideia, segundo Bárbara, é inviável e prejudica o aprendizado. ;A aula é muito rápida, são apenas 50 minutos por semana em que faço aquecimento vocal e repasso meu repertório com a professora. Se o tempo é pouco para mim, imagina com três ou quatro alunos;, diz Bárbara. O espaço físico é outra limitação que a cantora aponta. ;A sala é minúscula. Tem um sofá e um piano. A professora fica em pé. Não cabe um monte de gente naquele espaço. O canto erudito tem muitas particularidades. Até o processo de ingresso na escola é delicado e individual; como podemos fazer a aula juntos?;, questiona.

A troca de professores é outro ponto que, de acordo com Bárbara, faz parte do novo esquema de organização das aulas e causa danos à formação. Ela conta que, antes, o mesmo estudante tinha apenas um professor ao longo dos semestres ; o que, segundo ela, facilita um acompanhamento cuidadoso, personalizado e, consequentemente, mais efetivo. Na nova proposta, os estudantes têm um professor por semestre. ;Não há como formar voz de solista profissional com aula em grupo e, ainda por cima, mudando de professor todo semestre. O professor sabe das nossas peculiaridades. As aulas serão muito superficiais e isso vai de encontro ao objetivo da escola, que é oferecer um curso profissionalizante;, afirma.

Outra professora também é contra a reformulação e diz que a troca semestral de docentes não favorece a evolução. ;Cada um tem uma metodologia de escolas diferentes. Quando um aluno cursa um semestre seguindo um método e, no outro, ele é obrigado a trocar, é como se ele recomeçasse. Não há progresso, a formação fica completamente prejudicada.;

A professora afirma também que as mudanças não foram propostas ao corpo docente ou à comunidade escolar, mas impostas em uma reunião realizada na quinta-feira. ;[O diretor] foi contra a lei da gestão democrática, que diz que essas coisas precisam ser discutidas. Essa reformulação vai contra o projeto político-pedagógico da escola e os planos de curso. Ele não justificou a mudança, apenas disse que eram ordens da Secretaria de Educação;, relata. Ainda segundo a educadora, os alunos reunidos na mesma turma serão de níveis diferentes.

Estímulo

O diretor da escola, Ayrton Pisco, diz que as acusações não são verdadeiras e a escola não funciona como os professores e estudantes relatam. ;As aulas em turma já aconteciam, mas não havia uma regra. Alguns tinham aulas individuais, outros não. Era algo absolutamente aleatório e de acordo com a conveniência e horário do professor. A mudança é que as aulas aleatoriamente ministradas para dois ou três estudantes de níveis distintos serão padronizadas para toda a escola.;

Pisco nega que essa mudança vá influenciar a qualidade do ensino musical da EMB. ;Não há nenhum indicativo de que aulas individuais sejam melhores. Muito pelo contrário, alguns que fazem aulas coletivas têm ótimo desempenho. Há inclusive um estímulo, porque se trabalha com outros colegas, em que o outro observa e aprende junto;, diz. Ele diz também que o tópico não é passível de discussão com a comunidade escolar. ;Só é possível fazer essa organização no momento em que se tem uma lista de alunos. Este ano, ela ficou pronta em 18 de fevereiro. Não havia tempo para discutir. Além disso, não existe discussão para decidir se vamos ou não seguir regras. A legislação especificamente diz que é atribuição do grupo de gestores formar e distribuir turmas.;

Para Pisco, a reação à nova organização tem motivos diferentes, parte dos professores e os alunos estão sendo usados. E acrescenta que a escola não estava acostumada a seguir regras da Secretaria de Educação. ;Ano passado, estudantes foram levados a se manifestar, e alguns nem sabiam o que estava acontecendo. Agora, novamente, o ano letivo nem começou e eles já combinam de se manifestar contra;. O diretor declara que a mudança semestral de professores também está de acordo com a legislação. ;A lei diz que, a cada semestre, o professor com maior pontuação escolhe a própria turma. É um direito dele, não há novidade nisso.;

Ele afirma que a EMB, fundada em 1974, funcionou por 42 anos de maneira liberal. ;Em 2012, passamos a responder à Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto e Cruzeiro, que quis colocar a escola nos eixos. Houve auditoria do Tribunal de Contas e investigação do Ministério Público;. O MPDFT, segundo Pisco, encontrou ;uma série de aspectos heterodoxos;, que ele preferiu não especificar.

Falta transparência

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) iniciou, em fevereiro do ano passado, uma investigação contra a Escola de Música. ;A abertura do processo foi motivada pela ausência de transparência da instituição;, declara a Promotora de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) Cátia Vergara. ;A comunidade não tem acesso a informações básicas como o objetivo de cada curso e as datas da entrada e saída de estudantes. Alguns professores são direcionados há um único aluno, que pode desistir do curso. Nesse caso, a carga horária do docente não é cumprida. São problemas sérios que tratam de dinheiro público;.

A promotora afirma que, em julho de 2015, foi formado um Grupo de Trabalho na Secretaria de Educação, que estipulou um prazo, até o mês seguinte, para a entrega de um relatório que mapearia tudo o que acontece na EMB. ;Até hoje, não recebemos o resultado. O documento não foi encaminhado à promotoria. Até onde sabemos, ele sequer foi homologado na Secretaria de Educação;. Vergara destaca que essa falta de transparência viola o princípio da publicidade da administração pública. ;A gente não sabe o que está sendo feito com a verba pública, se professores cumprem a carga, quem está se formando na escola ou para quê. É uma caixa-preta;, acrescenta.

A matéria completa está disponível aqui para assinantes. Para assinar, clique aqui.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação